Política e oportunismo

É simplesmente muito difícil acreditar que um presidente eleito com mais de 57 milhões de votos, razoavelmente popular, com uma legião de fãs capazes de comprar brigas nos mais diversos fóruns e arenas, aliado de uma penca de igrejas neopentecostais, não tenha conseguido arrumar 500 mil brasileiros dispostos a apoiá-lo na formação de um partido. Muito improvável. Esse partido não saiu porque Bolsonaro não quis. Fez corpo mole. A questão é: por que?

Ter um partido dá muito trabalho. A vida partidária dá muito trabalho. Precisa coordenar, conversar, convencer, juntar pontos de vista diferentes. Não é a praia de Bolsonaro. Ele é um lobo solitário.

Poucos se lembram, mas na eleição de Maia para a presidência da Câmara em 2017, Bolsonaro concorreu e levou míseros 4 votos, ficando em último lugar. Perdeu para os votos em branco (5) e para Luiza Erundina (10 votos), a candidata com a segunda pior votação. Não fazia questão de ser muito popular entre seus pares.

Ocorre que um partido político é uma reunião de… políticos! Se a pessoa não se dá bem com políticos, não vai conseguir ter vida partidária. Essa foi sempre a vida de Bolsonaro.

Por isso, formar um partido nunca foi, de fato, a prioridade do presidente. Ele prefere encontrar outro hospedeiro, quer dizer, outro partido, para poder se candidatar à reeleição em 2022. Se fosse possível concorrer sem ter filiação partidária, Bolsonaro provavelmente nem faria questão de se filiar.

E o pior é que, a essa altura do campeonato, não dá nem para vender a imagem do paladino anti-politica, aquele que veio inaugurar uma nova era de decência contra o sistema podre e corrupto. Bolsonaro deve se filiar a um dos partidos do chamado Centrão, aquele que, se gritar, não fica um mermão.

Claro, sempre se pode pensar que tudo isso não passa de mais um lance genial do grande estrategista, em um xadrez 4D a que poucos têm acesso com suas mentes medíocres. Como não consigo alcançar o significado desses movimentos, tudo isso me parece não mais do que oportunismo.

PS.: antes que me perguntem, sim, prefiro políticos que fazem política. Em uma sociedade democrática, não há saída fora da política. O resto é autoritarismo.

A importância dos partidos políticos

Um total de 1.216 candidatos concorreram nas eleições presidenciais norte-americanas: Joe Biden, Donald Trump e mais 1.214 candidatos independentes.

Surpreso com essa informação? Pois é. Quem está acostumado a ver apenas dois candidatos disputarem as eleições nos EUA, não imagina a quantidade de maluco que acha que pode ser presidente fora das máquinas partidárias dos partidos Democrata e Republicano.

Quem quer concorrer de verdade à cadeira no Salão Oval, submete-se ao escrutínio interno de um desses dois partidos, para, assim, poder contar com a máquina partidária trabalhando a seu favor. Uma campanha eleitoral do tamanho da americana envolve centenas de milhões de dólares, sem os quais não dá nem para começar a pensar em concorrer.

Pensei nisso quando vi as articulações entre Huck e Moro com vistas às eleições de 2022. Nenhum dos dois pertence a qualquer partido. E, mesmo assim, não são vistos como um dos 1.214 malucos que querem chegar à Casa Branca de forma independente. Pelo contrário: suas pretensões são levadas à sério pelos políticos e pela mídia.

Bolsonaro chegou ao poder em um partido de aluguel, ao qual não está mais afiliado. Nunca teve vida partidária, sempre foi um lobo solitário. A operação Lava-Jato desnudou um esquema de corrupção de tal envergadura, entranhada de tal forma nas máquinas partidárias e no financiamento eleitoral, que a ideia mesma de partido político tornou-se sinônimo de falcatrua. Bolsonaro surfou essa onda.

A questão de fundo, no entanto, é a seguinte: existe democracia sem partidos políticos fortes? Observando-se a experiência das maiores e mais estáveis democracias ocidentais, a resposta é um rotundo não. Ou, por outra: não temos experiência de democracias estáveis sem partidos políticos fortes.

O que é um partido? Um partido é um agrupamento de pessoas com ideias semelhantes e que trabalham de forma mais ou menos unida para chegar ao poder e implementar essas ideias. Um sistema de poder sem partidos fica refém de personalismos: o líder carismático, cuja palavra se torna lei.

No Brasil, temos dezenas de partidos políticos, assim como nos EUA, onde existem 52 partidos além dos democratas e republicanos. Apesar dessa miríade de partidos, somente alguns poucos realmente podem ter a pretensão de chegar ao poder máximo da República.

Um partido político não serve apenas para eleger o presidente. Há um sem número de cargos executivos e legislativos que formam a teia de sustentação de uma candidatura presidencial. Quer dizer, além do dinheiro, estamos falando também de apoio político para a campanha.

O fenômeno Bolsonaro foi único, em um momento particular da história brasileira. Pode até ser reeleito em 2022, com base em seus atributos pessoais, mas dificilmente fará o seu sucessor se não montar uma máquina partidária digna do nome. As dificuldades em montar o Aliança não autorizam muito otimismo nesse campo.

Achar que a democracia brasileira será uma exceção à regra das democracias ocidentais é uma ilusão. Aqui os partidos políticos continuarão a formar a infraestrutura do poder político. Bolsonaro já reconheceu esse fato implicitamente, ao liberar espaços para o Centrão em seu governo.

Huck e Moro, portanto, antes de pretenderem alguma coisa, precisarão encontrar partidos políticos que lhes deem base para a sua pretensão. Como disse acima, o fenômeno Bolsonaro foi único em um momento muito particular da história brasileira. Muito difícil se repetir, a não ser que outro fenômeno do porte da Lava-Jato ocorra novamente.

Alianças improváveis

Andrea Matarazzo quer ser prefeito de São Paulo de qualquer jeito.

Andrea Matarazzo foi filiado ao PSDB de 1991 a 2016. Quase um fundador, portanto. Saiu do partido quando Alckmin bancou a candidatura de Doria à prefeitura, contra todos os tucanos da velha guarda, incluindo FHC. Alckmin já pressentia a necessidade de sangue novo no partido, desgastado depois de anos de parceria Caracu com o PT. Pôs a máquina do partido para trabalhar pela candidatura Doria, e Andrea sentiu que o velho PSDB havia morrido em São Paulo. Foi para o PSD de Gilberto Kassab, que, como sabemos, tem altos ideais e alma pura.

Agora, junto com outro grande campeão da ética, Paulo Skaf, pretende ser o candidato bolsonarista em São Paulo. Objetivo dos três (incluindo Bolsonaro): ferrar Doria em sua cidade.

Resta saber se o bolsonarismo-raiz vai tampar o nariz e votar em um ex-tucano de alta plumagem, amigo pessoal de FHC e que está agora no partido de Kassab, só para atrapalhar o projeto presidencial de Doria. Vou dar muita risada ao ler os altos raciocínios estratégicos para justificar esse voto.