O Circo de Pulgas da Amazônia

Essa pequena reportagem do Estadão é uma preciosidade. A densidade de informações desmistificadoras em tão poucas linhas fazem dessa matéria uma pérola de rara beleza. Vejamos.

A propaganda desse governo nos fez acreditar de que se tratava de um defensor incansável das pautas ambientais. Ao contrário da reencarnação de Nero que o antecedeu, Lula faria de tudo para evitar a degradação da Amazônia. Bem, na prática, a teoria é outra.

1) O IBAMA vai enviar um “projeto robusto” para usar recursos do Fundo Amazônia “até o fim do ano”. Claro, o detalhe é que os incêndios estão ocorrendo AGORA. O que o IBAMA sob o governo Lula fez este ano? Marina Silva estava mais ocupada em fazer palestras no exterior?

2) O IBAMA tem 2 (dois, um-dois) helicópteros disponíveis para combater os incêndios. Mas o “projeto robusto” conta com R$ 35 milhões do Fundo Amazônia. Deve dar para comprar mais uns dois helicópteros e ainda sobra uns trocos para veicular um par de anúncios auto-elogiosos do governo.

3) “O mundo inteiro não está preparado de maneira clara para as mudanças climáticas”. É mesmo? Ouvi aqui a confissão de que o grande governo ambientalista Lula está “despreparado”? Achei que despreparo era um qualidade exclusiva do governo Bolsonaro. Mas, pelo menos, no caso governo Lula, estamos de mãos dadas com o “mundo inteiro”. Não deixa de ser um consolo.

4) Já houve uma verba do Fundo Amazônia usada pelo IBAMA para combater incêndios. A julgar pelos resultados, faltou um “projeto robusto”, que virá até o final do ano, pode acreditar.

5) Os recursos doados pelos países ao Fundo Amazônia estão ainda em “fase de transferência”. Sabe como é, ainda não inventaram o PIX na Inglaterra, Alemanha, Suíça e outros países doadores. Então, essa coisa de transferência demora mesmo. Mas fica tranquilo, até as queimadas do ano que vem, o dinheiro chega.

6) No total, o governo já gastou esse ano quase R$ 260 milhões com combate a incêndios, bem mais, portanto, que os R$ 35 milhões do “projeto robusto” do IBAMA. Mesmo assim, estamos batendo recorde de queimadas. Vai realmente fazer muita diferença o “projeto robusto” do IBAMA.

Já chamei esse governo de Circo de Pulgas, coisas minúsculas sendo anunciadas como o Maior Espetáculo da Terra. Esse é só mais um exemplo.

A Amazônia vale uma coroação

O Reino Unido contribuirá com R$ 500 milhões para o Fundo Amazônia. Na cotação de hoje, isso equivale a cerca de 80 milhões de libras esterlinas.

A coroação do Rei Charles (não confunda com Ray Charles) custará aos cofres dos súditos ingleses entre 50 e 100 milhões de libras esterlinas.

Podemos então afirmar que, para os ingleses, a Amazônia vale uma cerimônia de coroação.

Anotado.

PS.: pelo menos, Lula já fez valer a diária de quase R$ 100 mil que os seus súditos pagaram.

Falta a etapa 2

Estou cansado de ler e ouvir que o Brasil pode se aproveitar de suas florestas e seu clima para surfar a onda da “transição ecológica”, o que quer que isso signifique.

Sei que estarei sendo repetitivo, mas é incrível como aquele episódio dos duendes do South Park é um guia para entender o Brasil. Vejamos:

Etapa 1: temos florestas e fontes de energia limpa

Etapa 2: ?

Etapa 3: ficamos ricos

Lembrando que, na história dos duendes, a etapa 1 consistia em roubar cuecas, o que vem a dar na mesma, dado que não se sabe o que fazer na etapa 2.

Repetimos esse ciclo desde o descobrimento. Tivemos o ciclo da cana de açúcar, do ouro, do café, da borracha e, mais recentemente, do petróleo do pré-sal. Todos eram o passaporte para a riqueza, a sorte grande que nos levaria ao próximo nível. Só que não. Falta a etapa 2.

Continuamos exportando matéria prima, que tornará rico aqueles que conseguem agregar valor (etapa 2). O mesmo vai acontecer (já está acontecendo) com a nossa “biodiversidade”.

Achar que florestas e fontes limpas de energia nos tornarão ricos per si é tão non sense como querer ficar ricos juntando cuecas. Só que menos engraçado.

Deitado eternamente em berço esplêndido

Diariamente, o Estadão destaca o assunto que teve maior número de interações em seu portal, reproduzindo alguns comentários mais representativos, sempre colocando posturas mais elogiosas e mais críticas. Ontem, o tema foi a visita de Elon Musk ao Brasil.

Os comentários críticos coincidem no uso da palavra “exploração”. A palavra, no contexto, tem uma conotação negativa: significa algo como “extrair riqueza sem dar nada em troca”, quase um sinônimo de “roubar”.

Essa é a visão do brasileiro médio em relação aos empresários. O empresário não gera empregos, ele explora o trabalhador. Não gera oportunidades, ele é oportunista. Não gera riqueza, ele se apropria da riqueza.

O “homem mais rico do mundo” só pode estar interessado em aumentar ainda mais a sua riqueza, desta vez “explorando” as riquezas da “nossa Amazônia”. Ou seja, tirando da Amazônia para colocar em sua gorda conta bancária.

Claro, há aqueles que são menos toscos e entendem o papel do empresário na geração de riquezas. Só não acham “justa” a divisão dessa riqueza criada. Nesse sentido, pensam que deveria haver uma forma de dividir melhor o bolo, mitigando a “exploração” dos empregados e da sociedade pelos empresários. No fundo, a ideia de exploração continua lá, apesar do discurso bonito. Os empresários deveriam ser expropriados de uma riqueza que não lhes pertence.

Elon Musk conseguiu colocar em pé três indústrias que antes não existiam: meios de pagamento pela internet (PayPal), carros elétricos (Tesla) e foguetes espaciais reaproveitáveis (Space X). Ele deveria ter um busto em cada cidade do planeta, assim como outros empresários que revolucionaram os seus campos de atuação. No entanto, uma certa mentalidade só consegue ver nisso “exploração”.

Temos mais de 50 anos de Zona Franca de Manaus, uma tentativa de desenvolver e integrar a região amazônica ao restante do Brasil. Estamos testemunhando a gritaria em torno da redução do IPI para vários produtos, o que eliminaria grande parte desse incentivo, que deve durar até a década de 70! Quer dizer, serão necessários 100 anos para que a Amazônia possa andar com as próprias pernas. Quer dizer, 100 anos na hipótese otimista.

Não tenho dúvida de que se “entregássemos” a Amazônia para projetos de Elon Musk, em 10 anos teríamos uma revolução, com criação de riqueza para a região muito maior do que em 100 anos de incentivos fiscais. Mas sabe como é, a Amazônia é nossa, e não queremos que um gringo venha aqui “explorar” as suas riquezas. Deitados eternamente em berço esplêndido não é uma figura de linguagem.

Correlação não é causalidade

Tem um troço em estatística que é difícil pra diabo de detectar: causalidade. Medir a correlação entre fenômenos é relativamente fácil, coisa que qualquer estudante de colegial é capaz de fazer. O problema é definir, em uma correlação, qual fenômeno causa o outro, se é que existe alguma causalidade.

Essa dificuldade não impediu, no entanto, que o bravo pesquisador cravasse, sob o olhar bovino do repórter, a causalidade entre o desmatamento e a pobreza. Com base na correlação entre um indicador de qualidade de vida, o IPS, e os municípios que mais desmataram, o pesquisador chegou à brilhante conclusão de que o desmatamento GEROU a pobreza. Gostaria de ver os testes de Granger que permitiram essa conclusão. Acho melhor esperar sentado.

Com a mesma sem cerimônia, eu poderia propor o inverso: a pobreza gera o desmatamento. Provavelmente não conseguiria provar também, mas, pelo menos, acho que minha hipótese faz mais sentido. Na verdade, cada um pode achar qualquer coisa, há estatísticas para corroborar qualquer agenda. O que importa, no final do dia, é a narrativa. A ciência que se lasque.

Imagem vs Realidade

Por ocasião do contingenciamento de verbas do orçamento, o ministro da educação veio a público para afirmar que o corte de verbas seria direcionado para aquelas universidades onde imperava a “balbúrdia”.

De nada adiantou virem depois mostrar estatísticas e fazer filminhos mostrando que o corte no governo Dilma foi maior e que aquele contingenciamento era ínfimo perto do orçamento total das universidades. Na ocasião, o governo estava racionalmente certo, mas como havia ele mesmo colocado o debate no campo ideológico, teve que brigar nesse campo, onde nunca há vencedores.

Agora, o mesmo fenômeno acontece. Depois de ter ameaçado sair do Acordo de Paris, de ter demitido o presidente do INPE e de ter acusado ONGs pelos incêndios na Amazônia, o governo sai atrás de mostrar estatísticas e imagens da NASA para demonstrar que não está acontecendo nada fora do normal. Perda de tempo. O debate deixou de ser racional para ser ideológico. E o culpado por esse deslocamento é o próprio governo.

– Ah vá, o debate sempre foi ideológico, independente do que o governo fale ou deixe de falar. O que este governo está fazendo agora é brigar no mesmo campo, porque é aí que se vence a guerra.

Bem, se é assim, então não vamos nos espantar com a aparente indiferença da opinião pública global com relação a estatísticas. Nem mesmo uma foto fake postada por Macron foi suficiente para desmoralizar a causa dos “defensores do meio-ambiente”. Danem-se os fatos. O debate agora é ideológico. E, nesse campo, o que importa é que Bolsonaro é inimigo da natureza. E ele próprio se colocou nessa posição com suas declarações.

Sem dúvida, há uma má-vontade com Bolsonaro a zero de jogo. E há interesses comerciais (no caso das queimadas) e corporativos (no caso da educação) que se escondem por trás do debate ideológico. E sempre existem inocentes úteis, como estudantes e artistas globais, para reverberar a causa. Ocorre que ficar trocando insultos pelo Twitter não parece ser o melhor caminho para mudar essa situação.

Já ouvi aqui muitas vezes que Bolsonaro não foi eleito para fazer o que os outros sempre fizeram. Ele vai brigar para desmascarar a ideologia e os reais interesses por trás dessas agendas progressistas.

Perfeito, que seja assim. Mas existem formas e formas de se fazer isso. A forma escolhida pelo governo, de confronto ideológico e de lacração nas redes, parece não estar funcionando. O presidente foi obrigado a recuar e fazer um pronunciamento ponderado na TV, além de mandar o exército para apagar os incêndios. Talvez, se não houvesse a ameaça de deixar o Acordo de Paris, o presidente do INPE não tivesse sido demitido e a Noruega e a Alemanha não tivessem sido insultadas nas redes, esse recuo não se fizesse necessário, e as imagens da NASA pudessem ser levadas em consideração no debate. Só talvez.

Movimento correto

Está aí um movimento correto. Desde a ideia de um pronunciamento oficial até o reconhecimento de que algo precisava ser feito. Foi o reconhecimento de que a estratégia adotada até o momento (se é que existia alguma) estava incorreta.

A pauta ambiental, por mais que possa ser simples pretexto para uma guerra comercial ou ideológica por parte dos países desenvolvidos, é extremamente sensível nos dias que correm, como pôde sentir na pele o governo brasileiro nos últimos dias.

Espero sinceramente que este pronunciamento seja apenas a peça inicial de um plano estratégico mais amplo para melhorar a imagem do governo e do Brasil nesse campo. Se partirmos do pressuposto de que 100% dos estrangeiros têm uma má-vontade invencível com relação a Bolsonaro, então não há nada a fazer mesmo. Não acredito nisso. Há muito que pode ser feito para melhorar a nossa imagem.

Por enquanto, Bolsonaro estava jogando com o uniforme do inimigo, dando tiros no pé sem dó nem piedade. Este pronunciamento pode ser o ponto de partida de uma postura mais institucional e cooperativa. Nem que seja só pra francês ver. Este é um mundo comandado pela imagem e pelo cinismo. O governo Bolsonaro precisa aprender a jogar esse jogo. Caso contrário, será obrigado muitas vezes a apagar incêndios às pressas.

Retórica incendiária

É pública e notória a má-vontade com Bolsonaro por parte da imprensa mundial. Na verdade, essa má vontade com o Brasil de maneira geral já vem desde o “golpe” que derrubou Dilma Rousseff, versão que “pegou” na maior parte da imprensa global.

Consciente desse problema, o que faz Bolsonaro? Cultiva essa má-vontade com carinho e perseverança. No caso específico do meio-ambiente, cancelou (e depois voltou atrás) evento da ONU sobre o clima em Salvador, colocou em dúvida dados do INPE, mandou as primeiro-ministras da Alemanha e da Noruega cuidarem de suas florestas e baleias respectivamente, colocou a culpa pelas queimadas nas ONGs.

Bolsonaro pode estar absolutamente correto em todos essas questões. Não é este o ponto. O problema é o clima de confronto criado em um embate em que o Brasil não tem a mínima chance de sair-se vencedor. Bolsonaro precisa urgentemente mostrar que tem alguma preocupação com o tema do meio-ambiente, por mais que considere este assunto uma “invenção de ONGs para acabar com a soberania nacional”. Não temos como ganhar essa batalha.

Vou dar um exemplo: quando a primeira-ministra da Noruega afirmou que estava retendo as doações para o Fundo Amazônia em função de mudanças em seu conselho curador, uma reação possível poderia ser: “lamento a decisão da primeira-ministra, este era um recurso muito importante para combater queimadas na Amazônia, que é um tema importante e urgente. No entanto, é preciso que esse dinheiro venha junto com o respeito à soberania nacional. Espero que eles entendam isso e possamos conversar como dois estados soberanos”. Seria uma resposta dura, altiva, mas respeitosa e colocando a preocupação com o meio-ambiente como um tema importante. A reação, no entanto, foi: “Noruega? Aquela que caça baleias? Não precisamos do dinheiro deles.” Adivinha o que aconteceu com a boa-vontade dos interlocutores.

Existe uma nova onda crescente no mundo dos investimentos globais. Chama-se ESG: Environment, Social and Governance. Os grandes investidores institucionais globais estão cada vez mais adotando critérios ESG para fazer seus investimentos em empresas e países. Do jeito que a coisa vai, não me surpreenderia se o Brasil fosse em algum momento classificado como um país não “ESG compliant”, o que faria com que fluxos internacionais de capitais fossem restringidos pelo critério ESG. Seria mais ou menos o equivalente, no mundo dos investimentos, ao que acontece quando produtos agrícolas brasileiros são banidos por problemas ambientais.

Bolsonaro, com suas declarações “espontâneas” e “autênticas” faz muito sucesso junto à sua plateia. Mas, como essa mesma plateia costuma dizer, “quem lacra não lucra”. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Nós vamos alugar o Brasil

Taí uma ideia da Economist que merece reflexão.

E se vendêssemos a Amazônia para a União Europeia? Só consigo ver vantagens:

– A Europa poderia ela mesma se responsabilizar pela preservação da floresta. Não precisaria mais ficar nas mãos do capitão moto-serra.

– Os moradores da Amazônia se tornariam cidadãos europeus.

– Faríamos fronteira com a Europa, não precisaríamos mais enfrentar um voo transcontinental para visitar o velho continente.

– Não precisaríamos mais subsidiar a Zona Franca de Manaus.

– Pagaríamos a nossa dívida interna, que é de cerca de 1 trilhão de Euros. Acho esse preço bem razoável para garantir o futuro da Amazonia e evitar a catástrofe do aquecimento global, que custaria muito mais caro.

O único senão é deixar um trilhão de Euros nas mãos dos políticos brasileiros. É, talvez seja melhor repensar o plano.