Imagem vs Realidade

Por ocasião do contingenciamento de verbas do orçamento, o ministro da educação veio a público para afirmar que o corte de verbas seria direcionado para aquelas universidades onde imperava a “balbúrdia”.

De nada adiantou virem depois mostrar estatísticas e fazer filminhos mostrando que o corte no governo Dilma foi maior e que aquele contingenciamento era ínfimo perto do orçamento total das universidades. Na ocasião, o governo estava racionalmente certo, mas como havia ele mesmo colocado o debate no campo ideológico, teve que brigar nesse campo, onde nunca há vencedores.

Agora, o mesmo fenômeno acontece. Depois de ter ameaçado sair do Acordo de Paris, de ter demitido o presidente do INPE e de ter acusado ONGs pelos incêndios na Amazônia, o governo sai atrás de mostrar estatísticas e imagens da NASA para demonstrar que não está acontecendo nada fora do normal. Perda de tempo. O debate deixou de ser racional para ser ideológico. E o culpado por esse deslocamento é o próprio governo.

– Ah vá, o debate sempre foi ideológico, independente do que o governo fale ou deixe de falar. O que este governo está fazendo agora é brigar no mesmo campo, porque é aí que se vence a guerra.

Bem, se é assim, então não vamos nos espantar com a aparente indiferença da opinião pública global com relação a estatísticas. Nem mesmo uma foto fake postada por Macron foi suficiente para desmoralizar a causa dos “defensores do meio-ambiente”. Danem-se os fatos. O debate agora é ideológico. E, nesse campo, o que importa é que Bolsonaro é inimigo da natureza. E ele próprio se colocou nessa posição com suas declarações.

Sem dúvida, há uma má-vontade com Bolsonaro a zero de jogo. E há interesses comerciais (no caso das queimadas) e corporativos (no caso da educação) que se escondem por trás do debate ideológico. E sempre existem inocentes úteis, como estudantes e artistas globais, para reverberar a causa. Ocorre que ficar trocando insultos pelo Twitter não parece ser o melhor caminho para mudar essa situação.

Já ouvi aqui muitas vezes que Bolsonaro não foi eleito para fazer o que os outros sempre fizeram. Ele vai brigar para desmascarar a ideologia e os reais interesses por trás dessas agendas progressistas.

Perfeito, que seja assim. Mas existem formas e formas de se fazer isso. A forma escolhida pelo governo, de confronto ideológico e de lacração nas redes, parece não estar funcionando. O presidente foi obrigado a recuar e fazer um pronunciamento ponderado na TV, além de mandar o exército para apagar os incêndios. Talvez, se não houvesse a ameaça de deixar o Acordo de Paris, o presidente do INPE não tivesse sido demitido e a Noruega e a Alemanha não tivessem sido insultadas nas redes, esse recuo não se fizesse necessário, e as imagens da NASA pudessem ser levadas em consideração no debate. Só talvez.

Movimento correto

Está aí um movimento correto. Desde a ideia de um pronunciamento oficial até o reconhecimento de que algo precisava ser feito. Foi o reconhecimento de que a estratégia adotada até o momento (se é que existia alguma) estava incorreta.

A pauta ambiental, por mais que possa ser simples pretexto para uma guerra comercial ou ideológica por parte dos países desenvolvidos, é extremamente sensível nos dias que correm, como pôde sentir na pele o governo brasileiro nos últimos dias.

Espero sinceramente que este pronunciamento seja apenas a peça inicial de um plano estratégico mais amplo para melhorar a imagem do governo e do Brasil nesse campo. Se partirmos do pressuposto de que 100% dos estrangeiros têm uma má-vontade invencível com relação a Bolsonaro, então não há nada a fazer mesmo. Não acredito nisso. Há muito que pode ser feito para melhorar a nossa imagem.

Por enquanto, Bolsonaro estava jogando com o uniforme do inimigo, dando tiros no pé sem dó nem piedade. Este pronunciamento pode ser o ponto de partida de uma postura mais institucional e cooperativa. Nem que seja só pra francês ver. Este é um mundo comandado pela imagem e pelo cinismo. O governo Bolsonaro precisa aprender a jogar esse jogo. Caso contrário, será obrigado muitas vezes a apagar incêndios às pressas.

Retórica incendiária

É pública e notória a má-vontade com Bolsonaro por parte da imprensa mundial. Na verdade, essa má vontade com o Brasil de maneira geral já vem desde o “golpe” que derrubou Dilma Rousseff, versão que “pegou” na maior parte da imprensa global.

Consciente desse problema, o que faz Bolsonaro? Cultiva essa má-vontade com carinho e perseverança. No caso específico do meio-ambiente, cancelou (e depois voltou atrás) evento da ONU sobre o clima em Salvador, colocou em dúvida dados do INPE, mandou as primeiro-ministras da Alemanha e da Noruega cuidarem de suas florestas e baleias respectivamente, colocou a culpa pelas queimadas nas ONGs.

Bolsonaro pode estar absolutamente correto em todos essas questões. Não é este o ponto. O problema é o clima de confronto criado em um embate em que o Brasil não tem a mínima chance de sair-se vencedor. Bolsonaro precisa urgentemente mostrar que tem alguma preocupação com o tema do meio-ambiente, por mais que considere este assunto uma “invenção de ONGs para acabar com a soberania nacional”. Não temos como ganhar essa batalha.

Vou dar um exemplo: quando a primeira-ministra da Noruega afirmou que estava retendo as doações para o Fundo Amazônia em função de mudanças em seu conselho curador, uma reação possível poderia ser: “lamento a decisão da primeira-ministra, este era um recurso muito importante para combater queimadas na Amazônia, que é um tema importante e urgente. No entanto, é preciso que esse dinheiro venha junto com o respeito à soberania nacional. Espero que eles entendam isso e possamos conversar como dois estados soberanos”. Seria uma resposta dura, altiva, mas respeitosa e colocando a preocupação com o meio-ambiente como um tema importante. A reação, no entanto, foi: “Noruega? Aquela que caça baleias? Não precisamos do dinheiro deles.” Adivinha o que aconteceu com a boa-vontade dos interlocutores.

Existe uma nova onda crescente no mundo dos investimentos globais. Chama-se ESG: Environment, Social and Governance. Os grandes investidores institucionais globais estão cada vez mais adotando critérios ESG para fazer seus investimentos em empresas e países. Do jeito que a coisa vai, não me surpreenderia se o Brasil fosse em algum momento classificado como um país não “ESG compliant”, o que faria com que fluxos internacionais de capitais fossem restringidos pelo critério ESG. Seria mais ou menos o equivalente, no mundo dos investimentos, ao que acontece quando produtos agrícolas brasileiros são banidos por problemas ambientais.

Bolsonaro, com suas declarações “espontâneas” e “autênticas” faz muito sucesso junto à sua plateia. Mas, como essa mesma plateia costuma dizer, “quem lacra não lucra”. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

A pegada de carbono nossa de cada dia

A jovem ativista sueca vai de veleiro para Nova York porque “os aviões deixam uma grande pegada de carbono”.

Muito bem. Talvez fosse interessante também ir nua. A indústria de vestuário é sabidamente uma das mais poluentes do mundo. A “pegada de carbono” é gigantesca.

Também teria que deixar de usar o iPhone. Ela e seus quase um milhão de seguidores sustentam uma indústria que envolve produção de bateria e plástico, cuja “pegada de carbono” é enorme. Sem falar das incontáveis viagens de avião que os executivos de todas as empresas envolvidas na produção do aparelhinho são obrigados a fazer para viabilizar a sua comercialização a preços acessíveis.

Ok, a viagem da ativista num veleiro é só simbólica, para nos alertar a todos sobre os riscos do “aquecimento global” e pressionar os governos para que “façam alguma coisa”. O único problema é que “fazer alguma coisa” que realmente ultrapasse o nível do simbolismo significa voltar atrás no processo civilizatório. A expectativa de vida da humanidade dobrou nos últimos 100 anos não APESAR da “pegada de carbono”, mas POR CAUSA dela.

A imensa maioria da população mundial não tem tempo nem recursos para ir de veleiro da Suécia para os EUA. É necessário deixar “pegada de carbono” para fazer essa viagem. Exigir que todos nos locomovamos de veleiro é voltar ao século XVI, época das caravelas. E, se realmente quisermos diminuir a “pegada de carbono”, esta volta ao passado não deve se restringir aos transportes.

Ir de veleiro para Nova York é uma forma de chamar a atenção. E conseguiu, senão eu não estaria escrevendo esse post. Mas também é útil para mostrar quão inviável é controlar a “pegada de carbono” e quanto de hipocrisia tem nesse movimento.

Desmatamento no olho dos outros é refresco

Merkel quer ter uma “conversa clara” com Bolsonaro sobre desmatamento.

Ótimo! Bolsonaro poderá cobra-la pelo desmatamento na Alemanha, causado por mais de dois séculos de industrialização e urbanização.

E também vai ter oportunidade de perguntar se este interesse ecológico tem algo a ver com protecionismo agrícola europeu.

Ecologia no quentinho

O adesivo na testa desses jovens é provavelmente feito de algum derivado do petróleo.

A tinta nas mãos desses jovens provavelmente é fabricada em algum processo industrial poluente. E a caneta que continha essa tinta é de plástico.

As roupas usadas por esses jovens na certa foram fabricadas em alguma fábrica poluente da China ou Vietnã.

Depois da manifestação, muitos desses jovens foram para casa nos carros movidos a petróleo de seus pais.

E tomaram um banho quentinho, com água aquecida com gás ou com eletricidade gerada por usinas termoelétricas movidas a petróleo.

Depois do banho, foram postar as fotos deste grande dia no Instagram, em seus iPhones feitos de plástico e com baterias que ainda estarão na Terra muito depois do desaparecimento da raça humana.

As indústrias poluentes somente sobrevivem porque há compradores para seus produtos.

Eu só vou acreditar na sinceridade desse tipo de movimento quando seus protagonistas forem morar no mato, sem qualquer benesse da civilização tecnológica.

Marte é aqui

Reportagem na Globo News (sim, de novo, resolvi pegar no pé) sobre a sonda que pousou em Marte.

Imagem de um cientista americano, explicando que Marte era habitável há 3 bilhões de anos e hoje é um deserto gelado. A missão tem como objetivo estudar o solo do planeta para tentar entender o que aconteceu.

Corta para a inefável Leilane Neubarth, que complementa com o óbvio “para que nós não façamos o mesmo”.

Então, para a apresentadora do GN, nem precisa de sonda, a explicação é óbvia: a civilização marciana fucked o planeta vermelho e aquilo virou um deserto inóspito. Só faltou dizer que o líder dos marcianos tinha cabelo laranja, apesar de sabermos que os marcianos eram verdes.

Gaia é aqui

Manaus não conta com uma estrada asfaltada sequer que a ligue ao restante do país.

O problema de Manaus é ter sido involuntariamente expulsa do Brasil. Manaus, hoje, está localizada em um país chamado Gaia.

Gaia é um país pitoresco. Tem índios que vivem na idade da pedra, mas contam com antibióticos importados do Brasil. Tem florestas preservadas por ONGs cujos sedes ficam em países que não preservaram suas próprias florestas. E conta com o exército de seu pior inimigo, o Brasil, para cuidar de suas fronteiras.

Exagero?

Um país se organiza em um território, onde os seus habitantes convivem sob um governo comum. No momento em que este governo precisa pedir a anuência dos verdadeiros donos da terra, índios e ONGs, para realizar obras, a soberania foi há muito perdida.

Manaus deu azar. Ficou ilhada no meio de Gaia, o país dos índios e das ONGs.