O ser humano é surpreendente

É simplesmente impressionante a semelhança de discurso entre anti-petistas e anti-bolsonaristas. Posso dizer que tenho uma rede diversificada de amigos aqui, mais pendente para a direita mas, mesmo assim, com vários amigos que são anti-bolsonaristas convictos, além dos anti-petistas, que são em maior número.

Tanto anti-petistas como anti-bolsonaristas não são, em princípio, bolsonaristas e petistas respectivamente. Pelo menos, não se colocam como tal, chegam a tecer críticas a Bolsonaro e a Lula (respectivamente). Mas são vistos pelo outro lado como bolsonaristas ou petistas enrustidos.

Em ambos os casos, o voto em Bolsonaro ou Lula, respectivamente, representa a luta pela decência na política, pela verdadeira democracia, pela limpeza, na medida em que evita que o outro lado chegue, ou permaneça, no poder. O outro lado representa tudo o que é oposto a isso.

O mais incrível é que todas essas pessoas são decentes, trabalhadoras, cidadãos respeitáveis. Simplesmente não é possível que somente um lado seja desonesto intelectualmente ou tenha sido acometido de cegueira ideológica. O ponto é que veem o mundo de sua própria perspectiva, com seus próprios óculos.

Acho isso tudo fascinante. É realmente incrível como uma mesma realidade tenha o condão de gerar avaliações morais opostas. O ser humano é surpreendente.

PS.: tenho certeza que os comentários irão comprovar a tese.

O verdadeiro mal

Vou correr o risco de atrair a ira dos bolsonaristas mais fanáticos com este post. Mas acreditem, é para o seu próprio bem.

Bolsonaro é um nada. Trata-se de um oportunista que soube surfar na onda, esta sim relevante, do anti-petismo.

Colocar Bolsonaro no mesmo patamar de Lula é um artifício que só interessa ao PT. Lula é o político brasileiro mais importante desde Getúlio Vargas. Raros políticos na história brasileira moldaram o país como Lula o fez nos últimos 30 anos. Bolsonaro não passa de um obscuro deputado do baixo clero que, repito, soube surfar a onda da insatisfação popular com tudo o que o lulopetismo representa.

Por que estou dizendo isso? Porque acho ridícula toda essa campanha sobre “democracia”, “ameaça às liberdades” e coisas semelhantes, que colocam Bolsonaro como o líder de um movimento consistente da política brasileira, o exato contraponto de Lula. No máximo, podemos dizer que Bolsonaro nos remete a acontecimentos de 50 anos atrás, por mera semelhança de discurso. E só. As circunstâncias são completamente outras, o mundo é completamente outro. A única força política que realmente molda a realidade atual chama-se lulopetismo.

Bolsonaro é um espantalho útil. Amedronta as almas mais sensíveis com histórias de bicho-papão, quando o verdadeiro bicho-papão, aquele que transformou a vida do brasileiro em um inferno de violência, desemprego, corrupção, aparelhamento do Estado, incompetência e arroubos autoritários chama-se lulopetismo.

Os principais representantes da esquerda não caíram nessa. Ciro foi viajar. FHC mandou o PT para o inferno. Marina demorou duas semanas para, mesmo assim, declarar seu “apoio crítico”. Pode até ser que Ciro e FHC declarem finalmente o seu “apoio crítico” ao petista nesta última semana da campanha. Se isso acontecer, será apenas protocolar, sem o real desejo de se engajar na campanha. Eles sabem com quem estão lidando.

Boa análise

Da página do Sérgio Almeida.


Muitos analistas e comentaristas em geral estão empenhados em mostrar que Bolsonaro não será um governo liberal na economia.

A análise é válida e faz todo sentido — o histórico alinhamento dele com o PT em matérias econômicas fundamenta a desconfiança.

Mas há, talvez, duas coisas sendo ignoradas aqui:

PROBABILIDADE

1) a análise é relativa: mesmo que não seja a Thatcher tropical, há — pode-se argumentar — mais massa de probabilidade em políticas liberais/pró-mercado nele do que em um governo Lula/Haddad/PT.

O que vai se realizar de fato ninguém sabe; tem que esperar o começo do governo — há muita especulação motivada por torcida dos dois lados.

“PT NÃO”

2) a escolha é enormemente governada por um sentimento anti-PT (por razões já conhecidas): muitos que votam/votarão em Bolsonaro sabem que ele não vai ser uma Thatcher ou coisa do tipo; assim como detestam o discurso pró-torturador e outras tosquices que ele já disse — e são muitas.

Mas na régua moral do eleitor médio, ter um 5° governo petista depois de tudo é inaceitável — pelo menos essa é uma história que pode explicar ao menos parte da história dessas eleições.

POR QUE NÃO OS OUTROS? Restaria então entender por que boa parte do eleitorado não migrou para os candidatos não-petistas que existiam na corrida eleitoral.

Há pelo menos duas explicações (não-excludentes, claro):

Uma é a de que nenhum candidato foi anti-petista o suficiente para acomodar o desejo desse eleitor. Não como Bolsonaro foi.

Outra é a de que sair nas frente nas pesquisas de intenção de voto fez de Bolsonaro um “ponto focal” que coordenou a decisão de muitos eleitores cheios do sentimento anti-petista sobre em quem votar quando o candidato do PT foi oficializado e começou a subir nas pesquisas.

É esse sentimento anti-petista — engrossado pela estratégia política do PT de (a) ignorar os erros de política econômica que contribuíram para a recessão e (b) alcunhar de nazista/fascista os eleitores de seu adversário — que explicará boa parte do que acontecerá no próximo domingo.

O que comandará o voto

Boa análise de Sergio Almeida.


Muitos analistas e comentaristas em geral estão empenhados em mostrar que Bolsonaro não será um governo liberal na economia.

A análise é válida e faz todo sentido — o histórico alinhamento dele com o PT em matérias econômicas fundamenta a desconfiança.

Mas há, talvez, duas coisas sendo ignoradas aqui:

PROBABILIDADE

1) a análise é relativa: mesmo que não seja a Thatcher tropical, há — pode-se argumentar — mais massa de probabilidade em políticas liberais/pró-mercado nele do que em um governo Lula/Haddad/PT.

O que vai se realizar de fato ninguém sabe; tem que esperar o começo do governo — há muita especulação motivada por torcida dos dois lados.“PT NÃO”

2) a escolha é enormemente governada por um sentimento anti-PT (por razões já conhecidas):

muitos que votam/votarão em Bolsonaro sabem que ele não vai ser uma Thatcher ou coisa do tipo; assim como detestam o discurso pró-torturador e outras tosquices que ele já disse — e são muitas.

Mas na régua moral do eleitor médio, ter um 5° governo petista depois de tudo é inaceitável — pelo menos essa é uma história que pode explicar ao menos parte da história dessas eleições.

POR QUE NÃO OS OUTROS? Restaria então entender por que boa parte do eleitorado não migrou para os candidatos não-petistas que existiam na corrida eleitoral.

Há pelo menos duas explicações (não-excludentes, claro):

Uma é a de que nenhum candidato foi anti-petista o suficiente para acomodar o desejo desse eleitor. Não como Bolsonaro foi.

Outra é a de que sair nas frente nas pesquisas de intenção de voto fez de Bolsonaro um “ponto focal” que coordenou a decisão de muitos eleitores cheios do sentimento anti-petista sobre em quem votar quando o candidato do PT foi oficializado e começou a subir nas pesquisas.

É esse sentimento anti-petista — engrossado pela estratégia política do PT de (a) ignorar os erros de política econômica que contribuíram para a recessão e (b) alcunhar de nazista/fascista os eleitores de seu adversário — que explicará boa parte do que acontecerá no próximo domingo.

O anti e o pró

O que é maior: o anti-petismo, o anti-bolsonarismo ou o anti-tudo-o-que-está-aí?

Até hoje, os votos de Bolsonaro foram pescados no anti-petismo e no anti-tudo-o-que-está-aí. Bolsonaro está onde está porque conseguiu fazer essa pescaria muito bem. As suas virtudes vêm mais como uma racionalização do voto: ordem e segurança, liberalismo e conservadorismo.

Já os votos de Haddad são pescados no lulismo, o que abrange e ultrapassa o petismo.

A candidatura de Bolsonaro é marcada pelo anti. A candidatura de Haddad, pelo pró.

No 2o turno, Bolsonaro terá que convencer de que se trata de um candidato positivo, com propostas. Os peixes do mar anti-petista e anti-tudo-o-que-está-aí parecem estar no fim.

Já Haddad tem o mar dos anti-bolsonaristas para pescar. Trata-se de um mar ainda intacto, cheio de peixes prontos a serem pescados.

O 2o turno será a luta por esse mar. O jogo vira ao contrário: Bolsonaro passa a ser o candidato pró, Haddad o candidato anti.

Nesse cenário, Bolsonaro deveria reforçar seus pontos percebidos como positivos, mais até do que tentar neutralizar seus pontos percebidos como negativos, o que também é necessário. E nunca, jamais, reforçar esses pontos.

Nesse sentido, foi desastrosa a primeira declaração de Bolsonaro no hospital. Ainda com o aspecto bastante frágil, o que lhe ajudaria na composição do quadro geral, Bolsonaro perdeu a oportunidade de começar a vestir o figurino de um candidato pró. Preferiu continuar a pescar nas águas do anti-petismo, onde já há pouco a pescar. E, de quebra, reforçou um dos alicerces do anti-bolsonarismo, ao atacar a lisura das eleições, o que é percebido como anti-democrático.

As franjas do petismo já perceberam a natureza da luta, e começaram o 2o turno antes do fim do 1o. O movimento anti-bolsonarista começou forte, e talvez já seja o responsável pelo aumento da rejeição ao ex-capitão.

Cabe a Bolsonaro o próximo movimento. Dizem que ele está preparando uma Carta à Nação. Vamos ver o que sai daí. Se for mais uma coleção de diatribes contra o PT e a lisura das urnas eletrônicas, pode começar a fechar o caixão.

O 2o turno é outra eleição, para ficar no jargão. Pela primeira vez, Bolsonaro terá algum tempo na TV. Hoje, preso a uma cama de hospital, nem campanha direito ele está conseguindo fazer. O anti-bolsonarismo está sozinho na arena, ganhando por W.O. Mas sempre é bom lembrar que tempo de TV é uma faca de dois gumes: como mostrou a campanha de Alckmin, se o produto for ruim, o tempo de TV pode ser até contra-producente.

Hoje, a volta do PT ao poder está vinculada à capacidade de Bolsonaro de conter a onda anti-bolsonarista, por meio de uma campanha propositiva. Sem deixar de ser anti-petista e anti-tudo-o-que-está-aí, Bolsonaro precisa reforçar seus pontos positivos. Ele é o responsável pela luta contra a volta do PT ao poder, posição que conquistou com méritos até o momento. Não adianta querer terceirizar, culpar os candidatos nanicos, como FHC vem fazendo.

Votar anti-PT é fácil. Votar a favor de Bolsonaro é que são aquelas. O ex-capitão precisa quebrar essa barreira se quiser ganhar a eleição. Qualquer outra coisa será mera desculpa de perdedor.

O que Alckmin deveria fazer para passar ao 2o turno

Pelo que pude perceber até o momento, os motivos pelos quais um eleitor escolhe Bolsonaro são os seguintes (não necessariamente nesta ordem):

  1. É o candidato que vai fazer uma “limpeza” na política do País
  2. É o único candidato que verdadeiramente encarna o anti-petismo
  3. É um candidato que tem ideias liberais para a economia
  4. É um candidato que tem ideias conservadoras nos costumes

Por outro lado, os motivos pelos quais os atuais eleitores de Bolsonaro talvez mudassem de voto são os seguintes (o “apesar de” das declarações de apoio ao candidato):

  1. Falta de experiência
  2. Isolamento político

Alckmin somente conseguirá passar ao 2o turno se contar com os votos úteis de outros nanicos E roubar votos de Bolsonaro. Caso contrário, não ultrapassará Haddad.

O voto útil pode até acontecer, mas não sem antes o tucano roubar votos do ex-capitão. Ninguém vai votar útil em um perdedor.

Pois bem. Para roubar votos de Bolsonaro, Alckmin precisaria mostrar que tem pelo menos um dos quatro requisitos que fazem hoje a preferência por Bolsonaro chegar a quase 30%, combinado com os requisitos que fazem alguns de seus eleitores ficarem com a pulga atrás da orelha.

Daqueles quatro requisitos, três, em tese, estão ao alcance do ex-governador: o anti-petismo, o liberalismo e o conservadorismo.

Pois bem.

A tática usada hoje pelo candidato do PSDB não reforça nenhum desses itens. Pelo contrário, sabota-os.

Ao se colocar como “a alternativa moderada”, batendo tanto em Bolsonaro quanto no PT, a bandeira do anti-petismo se dilui. Na verdade, fica parecendo uma bandeira de “anti-extremismo”, muito ao gosto de certa intelectualidade, mas longe do que o mercado eleitoral quer hoje. O pessoal está com sangue na boca, dos dois lados da trincheira. Quem fica no meio, como Alckmin e Marina, leva chumbo dos dois lados.

Com relação ao conservadorismo, a mensagem que Alckmin passa ao usar imagens de Maria do Rosário para atacar o candidato do PSL é de que o tucano apoia as pautas da moça. Aliás, insistir no tratamento que Bolsonaro dispensa às mulheres é, no mínimo inócuo, quando não contraproducente. Inócuo porque é encarado como “mimimi” pelo eleitor de Bolsonaro (observe que não coloquei o tratamento dado a mulheres e minorias como um “apesar de” da candidatura do ex-capitão). Contra-producente porque identifica Alckmin com a pauta “progressista” nos costumes e, no limite, com o petismo, o que enfraquece o posicionamento do candidato.

Por fim, resta o liberalismo. Para se destacar neste item, Alckmin, no mínimo, deveria dizer que iria privatizar a Petrobras, para pelo menos empatar com o liberalismo selvagem de Paulo Guedes. Mas seu economista já disse que a Petrossauro é uma empresa simbólica. Mais um item, na cabeça do Bolsonarista, a identificar o tucano com o PT. E não adianta dizer que no passado Bolsonaro defendia isso ou aquilo, que não dá para confiar no Posto Ipiranga, etc. O eleitor de Bolsonaro está tão sedento por qualquer gota de liberalismo, que abraça a primeira estória que lhe contam. E Paulo Guedes cumpre bem esse papel.

O que deveria fazer Alckmin, se é que dá tempo de fazer alguma coisa. Três coisas:

  1. Mostrar-se tão anti-petista quanto Bolsonaro
  2. Mostrar-se tão liberal na economia quanto Bolsonaro e
  3. Mostrar-se tão conservador nos costumes quanto Bolsonaro (e ser conservador não significa atacar minorias e mulheres, que fique bem claro).

Se Alckmin conseguisse passar ao menos duas dessas três mensagens, talvez (talvez) os pontos negativos do ex-capitão (aqueles que estão na cabeça dos Bolsonaristas) pudessem começar a pesar.

Mas, pelo visto, não vai acontecer.

A gênese do antipetismo

Ah, como eu queria ser Cora Ronai por um dia, e conseguir traduzir em um texto perfeito os meus sentimentos.

Estava tentando escrever uma resposta ao desafio lançado pelos petistas: onde estão os batedores de panela que não estão se manifestando pela prisão do Alckmin? Ahá! Então o problema não era a corrupção, mas um antipetismo causado, em última instância, pela repulsa aos pobres!

Cora Ronai descreve neste texto maravilhoso o que eu apenas intuía: o PT me insultou (e a todos que não se alinham automaticamente ao seu mantra) de maneira violenta nas últimas décadas, e especialmente durante os seus governos. E insulto não se leva pra casa.

Alckmin, Maluf, Sarney, Collor, Aécio, não merecem que eu saia do conforto do meu lar. Eles podem ter roubado, mas não me insultaram. A raiva foi se acumulando, e explodiu em 2015.

Mais não falo. Leiam.

A nova saúva

Cora Ronai, O Globo, 11.04.2018

Milhões de eleitores foram agredidos pela retórica de Lula e pelo “ódio do bem” da esquerda

O antipetismo é o novo bicho papão dos intelectuais de esquerda. Ele acaba de ser comparado, por um amigo culto, inteligente e a quem respeito muito, ao antissemitismo na Alemanha de Hitler. Só posso atribuir a comparação ao calor do momento — vastas emoções, pensamentos imperfeitos. Mas acho que, em algum momento do futuro, serenados os ânimos, valeria à esquerda procurar, com honestidade, as origens desse suposto antipetismo, até porque é difícil encontrar a cura para um mal cuja causa se desconhece. Digo “suposto” não porque ele não exista, mas porque, da forma como vem sendo colocado, ele mais parece um movimento organizado, um conluio de vermes, o autêntico oposto de “democracia” — seja lá o que entenda por democracia alguém que defende o PT.

Ao contrário de tanta gente que denuncia o antipetismo, não tenho a menor pretensão de falar “pelo povo”, “pelos brasileiros”, “por todos nós”. Falo única e exclusivamente por mim, e já é responsabilidade que me baste. Eu detesto o PT. E detesto o PT pelo que o PT é, pelo que o PT fez e continua fazendo, e pela forma como o PT se comporta.

Não há um único fator externo ao PT embutido no meu sentimento.

É lógico que a sua intensidade tem a ver com o fato de que este é o partido que estava no poder até ontem: a crise que vivemos é, em maior ou menor grau, o resultado das suas escolhas e das suas ações. Tem a ver também com a hipocrisia do partido, que sempre se apresentou como alternativa ética aos demais, e foi incapaz de um simples pedido de desculpas à população quando se viu no centro do maior escândalo de corrupção já apurado no país.

E olhem que a corrupção do PT é, para mim, o menor dos seus males — ainda que ele a tenha elevado à categoria de arte. Meu maior problema com o PT, e com a esquerda como um todo, é a sua incapacidade de diálogo, a sua aversão ao contraditório e, sobretudo, a sua militância arrogante e patrulheira, que exige que todos se posicionem exatamente da mesma forma. Já estive em países de pensamento único e não gostei.

Há movimentos de direita igualmente obtusos e intolerantes, mas de modo geral eles se apresentam exatamente como são, toscos e primitivos. A sua embalagem é mais sincera; eles não pretendem ser “bons”, e nem falam do alto de um pedestal de virtudes.

______

Um dia, ainda naquela remota eleição que Lula disputou com Collor, eu estava na rua com o Millôr, e comentei com ele que, pelo visto, o Lula ia ganhar — todos os carros que passavam com adesivos eram PT. O Millôr olhou, olhou, e me disse para prestar mais atenção: a maioria dos carros simplesmente não tinha adesivos.

— Sabe o que isso significa, né?

Eu sabia. Usar um adesivo do Collor, pelo menos na Zona Sul do Rio de Janeiro, era se arriscar a ter o carro arranhado e enfrentar militantes petistas raivosos. Eu tinha passado por isso com o adesivo do Covas que havia usado no primeiro turno.

Collor ganhou a eleição sem adesivos, não exatamente com “votos envergonhados”, como o PT disse à época, mas com votos intimidados.

Lula, um militante intolerante ele também, nunca desceu do palanque. Passou todos os seus anos de presidência, e mais os da Dilma, como vítima de um complô das elites, insistindo na divisão do nós contra eles: ricos contra pobres, brancos de olhos azuis contra negros, todos contra nordestinos.

Lula, como todos sabem, é uma mulher negra da periferia; agora, ainda por cima, encarcerada.

Um candidato pode ser o que quiser, mas um presidente não. O presidente de todos os brasileiros não pode dizer que quem não votou no seu partido odeia pobres e tem horror de ver os filhos dos pobres na universidade, porque além de divisiva, essa afirmação é extremamente ofensiva.

Há uma esquerda bem intencionada que talvez não tenha percebido o quanto de ódio havia, e ainda há, nesse discurso, porque ele a põe no pedestal ao qual ela imagina ter direito e massageia o seu ego. Ele reafirma a sua superioridade moral e apenas põe os inferiores no seu devido lugar.

Mas para quem não votou no PT — e que não é necessariamente de direita, de extrema direita ou, como está na moda, “fascista” — cada declaração dessas soou como um insulto. Durante 13 anos, os 50 milhões de eleitores que não votaram em Lula ou Dilma, e que, em sua vasta maioria, são apenas brasileiros como os demais brasileiros, ouviram que eram péssimas pessoas. Qualquer política de estado era invariavelmente apresentada como um desafio à sua intrínseca maldade: apesar de vocês, que não votam no PT, os pobres vão ter saúde, vão estudar, vão ter moradia e dignidade.

Como se qualquer ser humano, por não petista que seja, pudesse ser contra isso.

Cinquenta milhões de eleitores foram sistematicamente agredidos e desumanizados pela retórica de Lula e pelo “ódio do bem” da esquerda; agora não suportam o PT.

Mas por que será, não é mesmo?