O problema é o consumo

Há cerca de dois meses, o secretário-geral da ONU, António Guterres, proferiu discurso furibundo, propondo a responsabilização das petroleiras pelo aquecimento global. As empresas seriam obrigadas a pagar uma indenização global, a exemplo das empresas de tabaco, que acabaram com a saúde de milhões. Analisei a genial ideia neste post aqui.

Hoje, em entrevista de página inteira no Valor, o ministro do meio-ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, que está em visita ao Brasil, coloca as coisas em seus devidos lugares. O problema não está na produção, mas no consumo. Óbvio.

Talvez por ser um representante de um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o ministro vê a questão do ponto de vista do produtor: como inviabilizar a produção, se não há substituto viável para o consumo? O caos se seguiria, conclui, em um raciocínio que o secretário-geral da ONU foi incapaz de fazer.

Barth Eide afirma que, até o momento, não houve verdadeiramente substituição de fontes de energia, mas simples acréscimos. Ou seja, os combustíveis fósseis continuam sendo queimados como no passado, e as novas fontes de energia só serviram para mal e mal saciar a fome adicional de energia de um mundo que consome cada vez mais.

Os mais cínicos poderiam pensar que o ministro norueguês esteja, no final do dia, defendendo uma fonte importante de receita de seu país. Mas eu acredito que, de fato, há aqui uma preocupação genuína com o futuro do planeta. A diferença é que a abordagem é adulta, não a juvenil típica de quem quer resolver os problemas do mundo na base da vontade e do desejo.

Discurso de adolescente

O secretário-geral da ONU, António Guterres, fez duro discurso, em Davos, sobre as mudanças climáticas. Mais um.

Mas, desta vez, o chefe da repartição pública global inovou. Guterres defende que as empresas de produção de petróleo devem ser responsabilizadas pelas mudanças climáticas, a exemplo das empresas de tabaco, pelo mal que causaram à humanidade.

Observando de longe, parece uma bobagem. Mas, se olharmos mais de perto, concluiremos que é, de fato, uma bobagem.

O paralelo é estapafúrdio em várias dimensões. Em primeiro lugar, com todo respeito à indústria tabagista, não faria muita diferença se os cigarros não existissem no mundo. Já o petróleo é a base da incrível diminuição de distâncias dentro das cidades e entre países, permitindo a construção das cidades tal qual as conhecemos hoje e todo o comércio internacional. Além disso, uma parte relevante da eletricidade produzida e de materiais plásticos usados para os mais diversos fins tem como base o petróleo. Podemos dizer que a civilização, tal qual a conhecemos hoje, seria impossível sem o petróleo.

Além disso, a responsabilidade da indústria tabagista é direta. Ou seja, o produto vendido pela indústria prejudica diretamente o fumante. No caso do petróleo, por outro lado, há um sem número de co-responsáveis: fabricantes de automóveis, usinas termoelétricas, fábricas em geral, casas com calefação, etc. Todos esses agentes deveriam também ser responsabilizados pela agressão ao meio-ambiente, não somente a indústria petrolífera. Na verdade, cada um de nós que anda de carro deveria pagar uma indenização.

Por fim, o que pretende o dirigente das nações desunidas? Uma ação de indenização, como ocorreu com a indústria tabagista? No limite, a depender do tamanho dessa indenização, a indústria de petróleo pode se tornar inviável. Então, quero ver os mandatários do mundo explicando para os seus eleitores os preços estratosféricos dos combustíveis ou, até mesmo, a sua completa falta. Talvez Guterres possa ajudar, enviando tropas da ONU para conter os protestos.

O secretário-geral da ONU lembra uma adolescente que faz muito sucesso com esse tipo de ideia. O único problema é que António Greterres já passou da idade de achar que discursos furibundos e descolados da realidade vão resolver alguma coisa.

Quem vai pagar a conta?

Existe energia suja, muito suja e imunda. A energia gerada a partir da queima do carvão enquadra-se nessa última categoria. Reportagem de página inteira hoje no Valor nos faz saber que o uso do carvão bateu o recorde histórico de uso em 2021. Mesmo os EUA de Biden, o amigo do clima, queimou mais carvão em 2021 do que os EUA de Trump, o arqui-inimigo do clima, havia queimado em 2019. Só não vou gargalhar porque rir em velório é de mau tom. Agora, a Europa procura desesperadamente alternativas ao gás russo. Adivinha no colo de quem a Europa vai cair. E tome carvão.

A reportagem nos conta que novas plantas de produção de carvão não estão recebendo financiamento, em função de exigências ESG. Resultado: o preço do carvão foi para as alturas (assim como, de resto, os preços dos combustíveis fósseis de maneira geral). A transição para energias limpas (solar e eólica principalmente) vem sendo exasperantemente lenta. Há claramente um problema de sincronismo. Resultado: energia (bem) mais cara no curto prazo.

Energia cara não é, de modo algum, popular. Não por outro motivo, governos em todo o mundo buscam formas de subsidiar os combustíveis fósseis neste momento. Na mesma reportagem, o secretário-geral da ONU, António Guterres, chama de “loucura” essa “corrida para os combustíveis fósseis”. Gosto de pensar no secretário da ONU proferindo essas graves palavras em seu gabinete na ONU com calefação obtida com a queima de carvão. O preço pode subir quanto for, a calefação na ONU estará garantida. O mesmo não se pode dizer de seus quase vizinhos do Bronx.

O problema da transição energética é que se trata de algo que tem um custo. E esse custo não é dos governos ou mesmo das empresas. Esse custo é de quem paga pela energia. Cúpulas do clima sempre terminam repletas de promessas. Só falta avisar quem vai pagar por elas.