Uma boa notícia para os investidores em fundos previdenciários

Estamos tão focados em política que as (raras) boas notícias desse governo passam debaixo do radar. Essa é uma delas.

O governo Lula promulgou uma lei no último dia 10, modificando a forma como os investidores em fundos previdenciários optam pelo regime de tributação. Antes que eu perca os poucos leitores que me acompanharam até aqui, deixe-me traduzir o que isso significa. Tenho certeza que vai interessar a todos.

Quando você investe em um PGBL ou VGBL (tipos de fundos para poupar para a aposentadoria), é necessário escolher como o leão do imposto de renda vai te morder quando você resgatar os seus recursos. Há duas formas, o regime regressivo e o regime progressivo.

No regressivo, você vai pagar alíquotas de 35% (para resgates antes de 2 anos de prazo) até 10% (para resgates acima de 10 anos de prazo), em uma escadinha que vai variando de 5 em 5% a cada dois anos.

Já no progressivo, o imposto é cobrado de acordo com a escadinha da tabela do imposto de renda. Ou seja, o resgate é considerado uma renda, e você pode ser isento, ou pagar 7,5%, 15%, 22,5% ou 27,5%. E mais, esse resgate do investimento soma com outras rendas que você venha a ter para efeito da alíquota a ser considerada.

Como escolher entre uma metodologia ou outra? Pela menor alíquota, claro. E a menor alíquota de imposto de renda vai depender do prazo do investimento, do tamanho da sua renda e quais são os descontos que você pode lançar na sua declaração (plano de saúde, por exemplo).

Pois bem. Até a promulgação dessa lei, essa opção precisava ser feita no momento do investimento. Ou seja, 10, 20 ou 30 anos antes do resgate! Como saber, com tanta antecedência, qual será o regime mais vantajoso? Impossível. A nova lei permite que essa opção seja feita no momento do resgate, quando, aí sim, saberemos com certeza qual o melhor regime de tributação para nós.

Não me pergunte porque o governo decidiu abrir mão de receita. Sim, porque essa nova lei permitirá que os investidores em fundos de previdência minimizem o pagamento de imposto de renda no futuro. Mas não vamos reclamar, não é mesmo?

A matemática da aposentadoria

Por mais que se discuta, a Previdência nada mais é do que uma conta matemática.

Digamos que uma pessoa contribua para a sua própria aposentadoria durante 30 anos, poupando 11% do seu salário, e investindo essa poupança a uma taxa de 3% ao ano além da inflação. Depois de 30 anos, se essa pessoa, durante sua aposentadoria, investe o montante poupado a uma taxa de 2% ao ano além da inflação, vai poder retirar aproximadamente 27% do seu salário ao longo de 25 anos.

Obviamente, essa conta varia de acordo com as premissas adotadas: a taxa de juros, o tempo de trabalho, o tempo aposentado, o montante poupado. Mas não tem mágica, tudo não passa de matemática.

A previdência pública, tanto o INSS quanto a previdência dos funcionários públicos, trabalha no regime de mutualismo. Ou seja, o dinheiro da aposentadoria de um determinado indivíduo não está carimbado, esse indivíduo pode se aposentar com o dinheiro poupado por um terceiro. Mas, mesmo assim, no final, a conta é matemática: a soma de todas as aposentadorias de todos os indivíduos somados vão obedecer à regra descrita acima. Assim, se um indivíduo retira mais dinheiro do que poupou ao longo de sua vida de trabalho, esse dinheiro vai fazer falta para outro indivíduo. Alguém vai precisar cobrir a diferença. A isso chamamos de “déficit da previdência”.

O problema do déficit é camuflado durante o período em que entram mais indivíduos no mercado de trabalho do que aqueles que se aposentam. Funciona como uma pirâmide financeira, em que os poucos primeiros se beneficiam das contribuições dos seguintes entrantes no sistema. Esta pirâmide só ficou em pé, até o momento, por conta do chamado “bônus demográfico”, período no qual o número de idosos ainda não é grande, e o número de jovens continua aumentando. O Brasil está no fim do período de “bônus demográfico”, dada a queda da taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população. Por isso, a pirâm…, quer dizer, a previdência, já mostra sinais de fadiga. Alguns Estados, inclusive, já estão atrasando o pagamento das aposentadorias dos funcionários públicos.

Esse longo preâmbulo teve como objetivo embasar o comentário a respeito da previdência municipal de São Paulo, tema de debate nas eleições. Boulos sugeriu fazer mais contratações para manter a pirâmide financeira funcionando. Faria sentido, se assumíssemos que fosse possível manter uma pirâmide financeira ad aeternum, sempre introduzindo novos contribuintes para pagar as aposentadorias de um esquema que matematicamente não fecha.

A reportagem abaixo mostra o tamanho do déficit da previdência municipal da cidade de São Paulo ao longo dos próximos anos.

A previsão é que não haverá dinheiro para mais nada daqui a 10 anos, a não ser pagar as aposentadorias dos servidores municipais. Mesmo que, em 2018, tenha sido aprovado o aumento da alíquota de contribuição dos servidores, de 11% para 14%. Usei 11% no exemplo que dá início a este post justamente por conta disso. Se aumentarmos para 14%, dá para se aposentar com 34% do salário. Melhor do que os 27% anteriores, mas mesmo assim bem longe da aposentadoria integral. E isso considerando 30 anos de contribuição e 25 anos de tempo de aposentadoria. Sabemos que uma boa parte dos professores se aposentam mais cedo e usufruem mais tempo de aposentadoria. Fora a pensão para a esposa/esposo após a morte do beneficiário. A conta obviamente não fecha. Por isso, o déficit aumenta sem parar, mesmo com esse aumento de alíquota.

Corta para 2003.A primeira (e única) grande reforma do governo Lula foi a da previdência do funcionalismo público federal, em 2003. Por conta dessa reforma, o PT expulsou alguns de seus deputados que se recusaram a votar com o partido, entre eles Luciana Genro e Heloísa Helena. Esses dissidentes fundaram o PSOL, um PT puro.

O PSOL, portanto, nasceu da recusa de alguns deputados de reconhecerem a necessidade matemática de reformar a previdência. Essa lembrança vem nos ajudar a entender que a proposta de Boulos não é um acidente de percurso. Pelo contrário. É a própria essência do partido que representa. O partido nasceu recusando-se a admitir que havia um problema. Ou, na melhor das hipóteses, o problema é solucionável “contratando mais funcionários públicos” ou “cobrando dívidas das empresas”. No limite, fazendo mais dívida. Enfim, não está no DNA do partido cobrar dos funcionários públicos a fatura de suas próprias aposentadorias.

Acho graça quando ouço que Boulos é a “nova esquerda”, uma lufada de ar fresco no embolorado panorama da esquerda tupiniquim. Nada mais falso. Nova esquerda é Tabata Amaral, que não briga com a matemática e votou a favor da reforma da previdência mesmo contra o seu partido. Boulos é o novo representante da velha esquerda, apegada a paradigmas do século XIX. Não consigo pensar em nada mais velho do que “luta de classes”, em pleno século XXI.

Heloísa Helena, uma das deputadas expulsas do PT, foi a sensação das eleições presidenciais de 2006, quando chegou em um surpreendente terceiro lugar, com quase 7% dos votos. Lembro que todos diziam que o PSOL tinha vindo para ficar, era o novo PT, Heloísa Helena era um novo fenômeno eleitoral. Desapareceram, ela e o partido, nas brumas do extremismo ideológico. O mesmo ocorrerá com Boulos.

Tente ficar tranquilo

A “proposta” de Boulos para o equilíbrio da previdência dos funcionários municipais ganhou as redes pela sua jenialidade única.

Para quem quer um pouco mais de informação a respeito deste importante assunto, este artigo de ontem do Pedro Fernando Nery é bem esclarecedor. Tente ficar tranquilo depois de lê-lo.

A demografia joga contra nós

Duas notícias hoje sobre demografia: no Estadão, a diminuição da população do Japão; no Valor, a inflexão da “relação de dependência” no Brasil.

Relação de dependência é a proporção de crianças e idosos (que supostamente não trabalham) em relação à população economicamente ativa. Essa relação vinha caindo desde a década de 60 com a redução da fertilidade, o que diminui o número de crianças. Neste ano da graça de 2019, segundo projeções do IBGE, o aumento do número de idosos ultrapassou a diminuição do número de crianças, fazendo com que a relação de dependência aumentasse. O censo de 2020 servirá para confirmar ou não essa projeção.

O Japão está perdendo população à razão de 500 mil habitantes por ano. Morre mais gente do que nasce porque a população é mais velha, na média. A fecundidade brasileira é um pouco maior que a japonesa (1,7 filhos por mulher contra 1,4 do país asiático) mas, ainda assim, menor que a taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher. O Brasil só não está perdendo população porque é bem mais jovem e, portanto, o número de nascimentos ainda supera o número de mortes.

Estamos no auge do nosso chamado “bônus demográfico”, ou seja, o menor número de dependentes em relação à população economicamente ativa. Esse bônus significa que o esforço da população que trabalha é, em tese, menor para aumentar a riqueza do país, pois há proporcionalmente mais gente trabalhando. Pois bem: conseguimos jogar no lixo uma parte importante desse bônus, fabricando a maior recessão da história do País com o maior desemprego da série histórica. Ainda dá tempo de usar essa janela que o bônus demográfico proporciona, mas é preciso correr, pois a janela já começou a se fechar.

Há alguns dias, escrevi sobre a aposentadoria do meu filho recém-formado. Segundo projeções do IBGE, daqui a 40 anos, quando ele estiver se aposentando, a relação de dependência no Brasil será semelhante à do Japão hoje. Daqui a 40 anos, provavelmente o Brasil estará perdendo população como o Japão hoje. Lá, eles têm uma poupança acumulada gigantesca, que os ajuda a não depender tanto da riqueza produzida pelas novas gerações. Para o bem do meu filho, espero que isso seja verdade também para o caso brasileiro.

Vale a pena contribuir para o INSS?

Meu filho formou-se em medicina. Disse a ele para que pensasse sobre a possibilidade de começar a contribuir para o INSS. Afinal, quanto mais cedo começar, melhor será a aposentadoria lá na frente. Ele então me perguntou: “mas vale a pena mesmo? O sistema não está quebrado? Que garantia eu tenho de que vou receber meu dinheiro lá na frente? Não é melhor guardar o dinheiro e fazer a sua própria aposentadoria?”

Perguntas todas muito pertinentes. Fui fazer um cálculo simples, assumindo as seguintes premissas:

  • Idade atual: 25 anos
  • Idade da aposentadoria: 65 anos
  • Contribuição: 20% do salário mensal
  • Taxa de juros real durante a vida ativa: 3% ao ano
  • Taxa de juros real na aposentadoria: 2% ao ano

Com essas premissas, o INSS vale a pena se meu filho viver além dos 83 anos de idade. Se morrer antes, teria valido a pena juntar o dinheiro.

Bem, adivinhar a idade da morte não é a menor das dificuldades neste tipo de cálculo, mas não é a única. As premissas de taxas de juros reais também são difíceis de fazer, e o resultado final depende muito disso. Mas acho que a principal incerteza veio de uma objeção que ele fez: “e quem me garante que essas regras não vão ser modificadas lá na frente de novo?” É, ninguém garante. Quer dizer, na verdade, é garantido que essas regras SERÃO mudadas lá na frente de novo, pois o sistema ainda está desequilibrado, e tende a ficar pior com o envelhecimento da população.

Tenho certeza de que esta dúvida não é só do meu filho, mas de toda essa geração que está entrando agora no mercado de trabalho. Como o INSS é um sistema “pay as you go”, depende da entrada de novos contribuintes. Se estes começarem a faltar, poderemos começar a enfrentar dificuldades para pagar as atuais aposentadorias. E com a tendência de termos cada vez menos empregos registrados, a decisão de contribuir para o sistema fica cada vez mais na mão do jovem profissional.

Sem querer soar alarmista, pois não é o caso por enquanto, mas toda essa discussão sobre a Previdência, ao mesmo tempo que alertou para a necessidade de poupar para a aposentadoria, aumentou a desconfiança no sistema por parte das novas gerações, que podem se recusar a financiar um sistema quebrado. O sistema de capitalização que o Guedes propôs era o reconhecimento de que isso tenderia a acontecer. O sistema atual tem como base a “solidariedade” inter-geracional: só funciona se as novas gerações toparem continuar pedalando a bicicleta.

Viver intensamente o momento presente

Trabalho com investimentos, mais especificamente com investimentos de fundos de pensão. No meu ramo, o planejamento para o futuro é a razão mesma de ser da atividade. As pessoas poupam uma parte dos seus recursos para poderem usufrui-los em um teórico futuro. Um futuro que pode não chegar, como vimos na trágica morte de Gugu Liberato.

Vivemos como se fôssemos eternos. Ninguém levanta pela manhã achando que aquele será o último dia. Mas um dia será. Estamos sempre planejando o futuro, como se o futuro fosse algo líquido e certo.

Poupar dinheiro para o futuro é apenas uma pequena faceta desse planejamento. Deixamos de fazer coisas hoje porque as faremos no futuro em melhores condições.

Obviamente o nosso dia tem 24 horas, e é impossível fazer tudo o que queremos fazer. As coisas ficam para o dia seguinte, para a semana seguinte, para o mês seguinte, para o ano seguinte, para as calendas.

Estamos próximos do ano novo. É sempre uma época de resoluções, que mal lembraremos no final do ano seguinte. Somos os reis do planejamento. Que normalmente é o outro nome que damos para a procrastinação.

Longe de mim criticar o planejamento, as promessas, o guardar dinheiro para o futuro. Quem não planeja, quem não promete, quem não guarda, vive sem compromissos. E um homem que não se compromete não realiza nada.

Mas é preciso também viver o dia de hoje. Cada dia tem uma graça a ser descoberta. Viver o dia sonhando com a noite, viver os dias da semana sonhando com o fim de semana, viver os dias do ano sonhando com as férias, viver os dias da vida sonhando com a aposentadoria, tudo isso é viver pela metade.

O equilíbrio entre viver o presente e planejar o futuro é uma arte. A morte de uma pessoa jovem sempre me lembra que o futuro pode não chegar. É um despertador para viver intensamente o momento presente.

É uma questão de matemática

Reportagem do Estadão traz informações interessantes sobre as aposentadorias no Chile, apesar de não ter sido essa a intenção do jornalista. A matéria em si é totalmente enviesada, focando nas “agruras” dos aposentados chilenos. Enviesada porque não faz questão de contrapor estas informações com nenhum depoimento de algum economista, mostrando o custo de se pagar aposentadorias maiores. Fica tudo no nível da “injustiça” herdada do ditador Pinochet.

Mas, voltando ao ponto: achei a reportagem interessante porque traz alguns números, que podem ser vistos nos trechos destacados abaixo. O jornalista entrevista uma mulher chamada Eugenia López. Eugenia tem 56 anos, e vai se aposentar daqui a 4 anos, pois a idade mínima para aposentadoria é de 60 anos para mulheres no Chile. Eugenia ganha 500 mil pesos e contribui com 80 mil/mês para a sua conta-aposentadoria. A contribuição mínima é de 10%, mas Eugenia está contribuindo com 16% do seu salário. Mas a informação importante é quanto ela acumulou até o momento: 30 milhões de pesos após 25 anos de contribuição. Ou seja, Eugenia, por algum motivo, começou a poupar quando tinha 31 anos de idade. Talvez por isso esteja poupando mais do que 10% do seu salário, para compensar o tempo perdido. Por fim, temos a informação de que Eugenia vai se aposentar com 150 mil pesos/mês, o que, suponho, seja uma retirada vitalícia, ou seja, até falecer.

Planilhei esses dados, primeiro para tentar chegar nos 30 milhões de pesos hoje, e, mais importante, para estimar em quanto tempo este dinheiro terminaria. O gráfico está abaixo.

Considerando que as retiradas sejam atualizadas por uma inflação de 2% ao ano e as reservas sejam remuneradas por uma taxa de juros de 3% ao ano, esse dinheiro terminaria quando Eugenia tivesse 85 anos de idade, em 2048. Parece ok para uma renda vitalícia, em um país com expectativa de sobrevida para mulheres de 21,5 anos aos 65 anos de idade (dado da OECD).

Então, a conta é essa mesma. A questão que se coloca é se 150 mil pesos para um salário de 500 mil pesos são “justos” ou “suficientes”. 500 mil pesos equivalem a aproximadamente R$ 2.700 pelo câmbio atual, ou aproximadamente R$ 2.400 se considerarmos o mesmo poder de compra da moeda (conceito PPP). A aposentadoria no Brasil para este nível de salário, aos 60 anos de idade e 30 anos de contribuição é integral (leia aqui). Para ter este mesmo nível de reposição, a chilena deveria ter contribuído com o triplo do que contribuiu, ou 53% do seu salário. No Brasil, a contribuição é de 9% para o empregado e 20% para o empregador. Faltariam 14% de contribuição para ter o salário integral. Não é à toa que o sistema roda com déficit.

A questão não é de justiça, mas de matemática: para tirar o mesmo salário que tirava na ativa, Eugenia deveria ter contribuído (ou alguém no lugar dela) com o triplo do que contribuiu. A saída brasileira foi taxar o empresário. O efeito disso? Entre 1991 e 2018, a média do desemprego no Brasil foi de 10,9%, enquanto no Chile foi de 7,8% (dados do FMI). Escolhemos um desemprego estrutural 40% maior para financiar uma previdência “justa”. Valeu a pena?