Aviso

Esse é um recado claro para os políticos da América do Sul de maneira geral e para os do Brasil em particular: o povo não consegue distinguir claramente quem os meteu no buraco, e o governo de plantão acaba levando toda a culpa.

Macri assumiu uma economia em frangalhos e, vamos ser claros, adotou uma tática gradualista demais para o caso de um doente terminal. Resultado: a inflação continua na casa dos 50% ao ano e o país voltou para a recessão. Pouco importa se foram os Kirshners que cavaram o buraco, é Macri quem leva a culpa.

Aqui no Brasil, tivemos a “sorte”, com o impeachment, de estancar a sangria antes que fosse tarde demais. O governo Temer fez o trabalho sujo nos campos monetário (taxa de juros) e fiscal (teto de gastos), estabilizando, assim, a situação da economia, ainda que em um patamar muito ruim.

O governo Bolsonaro começou bem, com a aprovação de uma boa reforma da Previdência. Resta ainda, no entanto, um longo caminho pela frente para revitalizar a atividade econômica e diminuir o desemprego. O exemplo que vem da Argentina mostra que o povo tem “saudades” de um tempo que não volta mais, e está disposto a cair no canto das sereias do populismo que desgraçou o país.

O exemplo vem de baixo

O presidente dos Correios é contra a privatização. Ele dá como exemplo a Argentina.

No nosso vizinho, os correios foram privatizados no governo Carlos Menen, para depois serem reestatizados por Nestor Kirshner.

Depois desse movimento e de muitos outros semelhantes, a Argentina se tornou um país próspero, a locomotiva da América Latina. Sigamos o exemplo da Argentina.

O inferno está cheio de gente com boas intenções

Macri é um excelente exemplo de como o inferno está cheio de gente com boas intenções.

Começou como um bom governo liberal, colocando a casa em ordem depois do desastre Kirshner.

Mas optou por fazer um “ajuste gradual”, porque as “condições políticas” não permitiam administrar um “remédio amargo”.

Assim, de meia-medida em meia-medida, acabou se encalacrando, e hoje tenta desesperadamente chegar vivo às eleições do final do ano.

Que sirva de exemplo para os nossos liberais tupiniquins, enquanto ainda há tempo de fazer a coisa certa.

O papel histórico de Michel Temer

No auge da campanha eleitoral, eu participava de uma das muitas reuniões que tivemos, na empresa onde trabalho, com “analistas políticos”. No caso, se tratava de uma grande e respeitada consultoria global.

Haddad tinha começado sua escalada e o consultor, do alto de seus altos estudos, vaticinou: “Haddad vence o primeiro turno. No 2o turno, Bolsonaro pode virar em função do sentimento anti-petista, mas vai ser uma eleição muito difícil”. Bem, o resto é história.

No que se baseava essa previsão? O impeachment havia sido uma benção para o PT, que havia se livrado de sua própria “herança maldita”, deixando-a no colo da oposição. Se Dilma estivesse ainda no posto, não haveria como disfarçar a calamidade. Já tinha ouvido muito desse tipo de “análise”, mas me espantei com tamanho simplismo vindo de uma consultoria tão renomada.

Aqui entra a saga de Maurício Macri para ilustrar o meu ponto. Digamos que, maquiavelicamente, o mundo político tivesse decidido deixar Dilma “sangrar” no cargo, enfiando o país em um buraco cada vez mais fundo. Assumamos que isso tivesse dado “certo” e um candidato da oposição tivesse vencido a eleição.(Este cenário de uma vitória da oposição é teórico. Com os instrumentos de poder na mão, uma derrota do PT – provavelmente Lula solto – seria mais do que incerta. Fecha parêntesis).

Como estaria esse novo presidente agora? Muito provavelmente como Macri: lutando uma luta inglória para tirar o país do buraco de políticas econômicas equivocadas. E lembre-se: seriam dois anos e oito meses adicionais de caminhada para o abismo.

Hoje, as pesquisas indicam Macri empatado com ninguém menos que Cristina Kirshner! Sua impopularidade explodiu e já empata com a da ex-presidenta. Tudo isso porque ele está tendo que fazer a lição de casa, sempre impopular, de colocar as finanças públicas em ordem. Quanto maior o buraco, maior o desgaste.

Agora, imagine Bolsonaro assumindo depois de oito anos completos de desgoverno Dilma. A imagem mais próxima que consigo imaginar é Collor assumindo depois de 5 anos de desgoverno Sarney. Collor não chegou ao fim de seu mandato.

A história ainda vai reconhecer o papel de Michel Temer. Não só evitou que o país continuasse a caminhar para o buraco ao se colocar como alternativa política viável para substituir Dilma, como aplainou o caminho para a viabilidade política do próximo governo. Carregou o ônus da impopularidade que recairiam nas costas do governo seguinte, como demonstra Macri.

O trabalho que aguarda o governo Bolsonaro não deve ser subestimado. Ajustes gigantescos na estrutura do Estado e das instituições precisam ser feitos para permitir que o país retome seu potencial de crescimento econômico. Mas não tem dúvida também que o terreno é muito melhor do que aquele encontrado por Maurício Macri.

Não, o impeachment não foi útil ao PT, como sugeriu aquela famosa consultoria global. O impeachment foi útil ao País, pois permitirá que o governo Bolsonaro construa sobre bases mais sólidas, graças à limpeza operada por Temer. Se aproveitará a oportunidade, é lá com ele.

Olhe o exemplo do Sul

“Não adianta uma proposta que aos olhos apenas de economistas e de alguns políticos é maravilhosa, mas que não passa no Parlamento.”

Essas são palavras de Bolsonaro a respeito da reforma da previdência. Para ele, a “reforma do Temer” não passa.

É bom Bolsonaro dar uma olhada para o nosso vizinho ao sul. Na Argentina, Macri tentou fazer um “ajuste gradual”, e deu no que deu. Agora, está sendo obrigado a fazer um ajuste de verdade, muito mais duro do que seria se tivesse encarado o problema de frente.

Essa ladainha de que não se faz reforma para “agradar o mercado” acaba quando termina a paciência dos credores.

Escolhendo o menos pior

Passei férias em Buenos Aires em janeiro de 2014. Alguns lugares aceitavam o real, ao câmbio de 4 para 1. Ou seja, um real comprava 4 pesos.

Ontem, esse mesmo câmbio fechou em 9 para 1. Hoje, um real compra 9 pesos.

E lembre-se, o real também se desvalorizou muito nesse período em relação ao dólar. Mas o peso argentino se desvalorizou muito mais.

Não por coincidência, Argentina e Venezuela são os dois países com as finanças mais em frangalhos na América do Sul. Anos e anos de políticas populistas, aquelas baseadas na premissa Unicampiana de que basta estimular a demanda para o país crescer, resultou em uma inflação estratosférica e na corrida contra a moeda. O dinheiro para estimular a demanda simplesmente acabou.

Brasil, Equador e Bolívia, apesar de fazerem parte do “circuito bolivariano” por muitos anos, não chegaram a este ponto. Lula, Correa e Evo tiveram a esperteza de se elegerem com um discurso de esquerda e governarem a economia com práticas de direita. Os três países estão longe de serem economias exemplares, mas não chegam perto de Argentina e, principalmente, Venezuela.

Dilma estava nos levando para o mesmo caminho. Ela de fato acreditava que a mão forte do Estado era fundamental para fazer a roda da economia girar. O país percebeu que a vaca estava indo para o mesmo brejo onde já estavam os dois países-irmãos, e resolveu impicha-la antes. Temer pode ter todos os defeitos do mundo, mas é preciso reconhecer que, com ele, aquela trajetória foi, ao menos, interrompida.

Agora temos uma eleição. É preciso distinguir, dentre os candidatos, aqueles que retomariam o caminho para o desastre. Considerando os que têm chance de vitória, Haddad e Ciro vestem esse figurino. Seus programas de governo são populistas na área econômica, e têm a fé no Estado como indutor do crescimento econômico como ponto em comum. O risco é que, tanto um quanto o outro, realmente acreditam nisso, assim como Dilma acreditava. É difícil encontrar um candidato que bata 100% com nossas preferências. Em uma eleição majoritária, é preciso, muitas vezes, votar no menos pior. Antes de votar, vou dar uma olhada na Venezuela e na Argentina. E vou procurar votar de forma a diminuir as chances de que o Brasil retome o mesmo caminho.

A inflação não está morta

A inflação da Argentina em abril foi de 2,7%. Coincidentemente, a mesma inflação anual do Brasil e a mesma inflação a cada dois dias da Venezuela (segundo estimativas do FMI).

Recentemente, em conversa com um dirigente de um banco, comentando sobre a inflação na Argentina, ele me disse: “não existe isso de inflação estável em 20% ao ano. Ou a inflação está subindo deste patamar, e então é explosiva, ou está caindo para níveis civilizados. 20% não é e nunca será uma inflação estável.”

Eu diria que 6% ao ano já não é estável. Neste patamar os agentes já começam a se proteger de uma inflação futura maior, gerando uma inércia difícil de parar. Não existe isso de “um pouco mais de inflação para gerar um pouco mais de crescimento”. Inflação nunca permitiu crescimento sustentável. Pode ter algum efeito de curto prazo, pelas condições monetárias mais frouxas, mas o efeito de longo prazo é deletério. Basta ver a brutal recessão da qual estamos saindo, mesmo com uma inflação de 6% ao longo de todo o governo Dilma, e de 11% em seu último ano.

A inflação desorganiza a economia. Tira a capacidade de planejamento das empresas e das famílias, que passam a olhar apenas o curto prazo. Hoje estamos em situação muito melhor que Argentina e Venezuela, mas isto é circunstancial. O flerte de boa parte dos candidatos à presidência com práticas não ortodoxas não permite pensar que nosso passado inflacionário ficou definitivamente para trás. Se o Estado brasileiro, aos olhos dos credores, perder a capacidade de pagar a sua dívida, só restará a inflação como remédio.

A moeda de um país é a medida de sua seriedade. O Brasil, apesar de tudo, tem hoje uma moeda que preserva seu valor ao longo do tempo. Espero que não coloquemos essa conquista a perder nas próximas eleições.

O direito de ficar desempregado

A Sinopec comprou ativos de petróleo na Argentina em 2010 por US$ 2,5 bilhões. Está vendendo hoje por menos de US$ 1 bilhão. Perdas e “dores de cabeça trabalhistas” são os motivos apontados.

A China está aprendendo que o trabalhador latino-americano não é como o chinês. Aqui se respeita os “direitos trabalhistas”. Inclusive o direito de ficar desempregado em um país com crescimento medíocre.