Isso aqui eô, é um pouco de Brasil iáiá

A Codern é a estatal brasileira responsável pela administração dos portos do Rio Grande do Norte e Alagoas. São três portos de cargas: dois no RN (Areia Branca e Natal) e um em AL (Maceió).

Visitando as demonstrações financeiras da empresa em 2022, vemos ativos de R$ 245 milhões e passivos de R$ 628 milhões, resultando em um patrimônio líquido negativo de R$ 383 milhões. Daquele passivo, cerca de 1/4 (R$ 151 milhões) refere-se a obrigações com o fundo de pensão dos funcionários.

Por falar em funcionários, da receita líquida da empresa (R$ 93 milhões), cerca de R$ 54 milhões foram gastos com pessoal. Outras despesas somaram R$ 46 milhões, resultando em um prejuízo operacional líquido de R$ 7 milhões. O prejuízo contábil no exercício foi bem maior, R$ 211 milhões, devido a uma “reavaliação de ativos” (reconhecimento de ativos podres) no montante de R$ 158 milhões e despesas financeiras líquidas de R$ 45 milhões.

Para termos uma referência, o Porto de Santos, o maior do Brasil, faturou R$ 1.378 milhões em 2022, ou 15 vezes o faturamento da Codern, que, lembre-se, engloba 3 portos. O lucro operacional de Santos foi de R$ 706 milhões e o líquido foi de R$ 547 milhões.

Bem, esse longo preâmbulo serve apenas como pano de fundo para uma proposta que está sendo gestada no governo, de dividir a Codern em duas empresas, uma para os portos do RN e outra para o porto de AL. O mais estupefaciente não é nem a ação em si, natural considerando a qualidade de nossos governantes. O mais assombroso é quererem revestir a ação com argumentos “técnicos” (“visão estratégica de negócios de Alagoas”!), como se se tratasse de uma decisão absolutamente técnica. Realmente, esse pessoal acha que está escrito TROUXA na testa de cada brasileiro.

Se os números acima pertencessem a uma empresa da iniciativa privada, seus acionistas estariam agora mesmo procurando vender a empresa para outro grupo maior. A lógica da iniciativa privada é o ganho de escala, levando a ganhos de produtividade. A lógica da estatal é o atendimento dos interesses políticos, além dos benefícios aos seus funcionários. Separadas, Codern e Codeal (a nova companhia docas de AL) terão o dobro de diretores, permitindo indicações de mais apadrinhados. Esse é o motivo “técnico”, não há outro.

A pobreza do Nordeste não é improvisada.

O abuso do poder de emitir opinião

Diretores do Google e Telegram serão investigados. Pelo que entendi da notícia, serão as pessoas físicas, não jurídicas. Se isso não é intimidação, preciso procurar o significado dessa palavra no dicionário.

A investigação (curioso para saber o que irão investigar) foi pedida pelo exemplo de democrata, Arthur Lira. A acusação é de abuso do poder econômico para disseminar desinformação sobre o PL das fake news. Bem, não ocorreu a nosso democrata chamar de “abuso de poder econômico” a campanha maciça da imprensa, principalmente a Globo, por meio de seus jornalistas e reportagens, a favor do PL, incluindo o uso e abuso de uma correlação emotiva, mas fake, entre um suposto aumento da violência nas escolas e as redes sociais. Neste caso, o uso do poder econômico para influenciar o debate estava do lado da “verdade”. De modo que o problema não é exatamente o uso do poder econômico, mas o seu abuso para cometer um crime. No caso, uma opinião contrária ao PL das fake news.

Abuso de poder econômico para ganhar mercado ou eleições é crime tipificado. Abuso de poder econômico para propagar ideias precisará encontrar seu lugar no Código Penal. E, se for criada essa jurisprudência ao arrepio da lei, que se prepare a imprensa quando for acusada da mesmíssima coisa por um governo menos amigo.

Todas as reportagens sobre este assunto insistem no ponto de que as Big Techs foram as responsáveis pelo adiamento da votação do PL. Como se os deputados fossem uns bocós e, por conta de um link na página inicial do Google, tivessem mudado de ideia. O problema é que o governo Lula tem uma base de geleia, ainda mais quando se trata de um assunto ideológico como esse. A verdade verdadeira é que uma parte relevante do parlamento desconfia das intenções do PT quando patrocina com tanto ardor um projeto de lei dessa natureza. Mesmo que contasse com um texto perfeito, acima de quaisquer suspeitas (o que não é verdade, já analisei isso aqui), o PL veio para a votação com um vício insanável, o apoio incondicional do PT. Ações como os de Alexandre de Moraes, Flávio Dino e, agora, Arthur Lira, somente fazem aumentar as desconfianças dos parlamentares.

A vida é feita de escolhas

Arthur Lira avisou que um texto muito “radical” para a nova política fiscal não passa no Congresso. Segundo ele, o texto deve ser “moderado”, com um olho no equilíbrio fiscal e outro na “justiça social”.

Alguém precisa avisar ao presidente da Câmara que o nível das taxas de juros é inversamente proporcional à “radicalidade” da regra fiscal: quanto mais “radical”, menor será a taxa de juros. E vice-versa.

Portanto, se o País não consegue conviver com uma regra “radical” de equilíbrio fiscal, terá que conviver com taxas de juros mais altas. A vida é feita de escolhas.

Fanfarrão

Há poucos dias, o deputado Carlos Zarattini, do PT, mereceu menção honrosa desta página, ao defender que a PEC dos R$ 200 bilhões trazia “previsibilidade de gastos”, que era tudo o que o mercado queria.

Hoje, Zarattini faz por merecer uma segunda menção honrosa, ao listar o que o PT quer de Arthur Lira para apoiá-lo: basicamente, abster-se de atuar contra os interesses do governo na Câmara. Como se o PT tivesse alguma outra alternativa a não ser apoiar Lira.

O presidente da Câmara deve ter pensado com seus botões: “entendi, o PT quer a exclusividade no envio de pautas-bomba ao Congresso, como a PEC dos R$ 200 bilhões”.

No outro post, chamei Zarattini de piadista. Para não repetir, vou chamá-lo aqui de fanfarrão.

Que falta faz uma Supermercadobras

Segundo o IBGE, nos últimos 12 meses até maio, o diesel subiu 52% e a gasolina, 29%. Portanto, é bastante compreensível que os agentes políticos, liderados por Bolsonaro e Lira, estejam buscando desesperadamente uma forma de controlar esses preços. O único problema é que, uma vez controlados esses preços, vão restar esses aqui (variações em 12 meses):

  • Farinha de trigo: +28%
  • Mandioca: +37%
  • Abobrinha: +82%
  • Pepino: + 78%
  • Tomate: +56%
  • Cebola: +49%
  • Cenoura: +116%
  • Açúcar: +36%
  • Alface: +40%
  • Laranja+ 38%
  • Mamão: +56%
  • Melão: +71%
  • Óleo de soja: +31%
  • Café: +67%

Uma pena que o governo não disponha de uma “Supermecadobras”, em que pudesse exercer seu poder de acionista majoritário para baixar os preços desses produtos. A Venezuela resolveu isso, colocando a PDVSA para distribuir alimentos para o povo. Está aí uma ideia. Se Arthur Lira estivesse realmente preocupado com o povão e não com os mais ricos, estaria pensando nisso.

É bem provável que Bolsonaro, Lira e seus companheiros tenham voltado a destruir a governança da Petro, depois de ter sido reconstruída a duras penas por Temer da destruição causada pelo PT, e não obtenham o seu objetivo de baixar a inflação para os mais pobres.

PS1: alguém pode dizer que, baixando o preço do diesel, o preço dos alimentos também cai, pois o preço do frete se reduz. Essa relação, no entanto, está longe de ser certa. A cadeia de produção é extensa, são muitas empresas envolvidas e que podem abocanhar o lucro que a Petrobras deixará de ter (inclusive os próprios caminhoneiros) e, acima de tudo, os preços dependem, em última instância, do equilíbrio de oferta e demanda, e não dos custos de produção.

PS2: Se, como querem alguns, Bolsonaro estaria apenas jogando para a torcida, colocando-se ao lado do povo contra a Petrobras para tentar se desvencilhar do problema, pode tirar seu cavalinho da chuva. Narrativas fazem sucesso nas bolhas. No final do dia, o povão quer ver o seu problema resolvido, e não historinhas. Quer queira, quer não, Bolsonaro agora é vidraça.

A conta sempre chega

Por ocasião da aprovação do projeto de privatização da Eletrobras, os senhores parlamentares aproveitaram o ensejo para aprovar a construção de termelétricas movidas a gás em seus redutos eleitorais. Detalhe: sem infraestrutura de transporte do gás.

Daqui a alguns anos, os próximos parlamentares terão esquecido o custo adicional dessas termelétricas, e estarão reclamando da “insensibilidade” agência reguladora ao incorporar esse custo na tarifa.

Da mesma forma, os parlamentares atuais já se esqueceram dos custos acrescentados à conta de luz fruto do populismo de seus antecessores.

A conta de luz não é cara no Brasil por causa da “insensibilidade” da agência reguladora ou das distribuidoras, que têm o direito de terem seus contratos respeitados. A conta de luz no Brasil é cara por causa da “sensibilidade” de nossos parlamentares, que penduram benesses na conta de luz sem se preocuparem com quem vai pagar a conta. E a conta sempre chega. Sempre.

O presidente isolado

As posições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco deixam Bolsonaro isolado em sua batalha em torno do sistema de apuração de votos. Lembrando que os dois chefes das Casas Legislativas foram eleitos com sólido apoio do Palácio do Planalto, o que torna ainda mais significativa a posição de ambos sobre o assunto. Apesar de não representarem todos os parlamentares, os presidentes da Câmara e do Senado de alguma maneira normalmente traduzem o sentimento majoritário das casas, pois o seu comando depende do apoio de uma maioria mais ou menos estável.

Temos então a seguinte situação: de um lado, o chefe do Executivo, de outro, os chefes dos outros dois poderes. Qual a real chance de que, de alguma maneira, Bolsonaro consiga empurrar a sua “solução” para o problema? Problema, convém destacar, que somente ele, dentre os três poderes, vê.

A história pode nos ser útil aqui. A deposição de Jango foi obra de dois poderes (Legislativo e Judiciário) contra o chefe do terceiro poder. Ao lado dos dois poderes havia o que chamo de “opinião pública”, representada por uma fatia representativa da classe média e do empresariado, cujo porta-voz são os grandes jornais. E, para que houvesse o enforcement da coisa, as Forças Armadas foram chamadas a atuar.

Hoje a situação, de alguma maneira, é a mesma: de um lado, o Executivo, do outro, Legislativo, Judiciário e grande parte da opinião pública, que só quer paz para trabalhar e não vê grandes problemas no sistema de apuração. Resta saber onde estão os militares. Será que, ao contrário de 1964, irão se juntar a um chefe de executivo isolado para impor uma solução aos outros dois poderes e a uma opinião pública refratária? Parece pouco provável.

Por isso, parece-me que o máximo que pode acontecer é uma versão tupiniquim da invasão ao Capitólio. Se lá já foi ridículo, imagine aqui.

O preço, esse incompreendido

O preço das mercadorias é o termômetro da doença, não a sua causa. Controlar preços não fará a doença sumir. Pelo contrário. Se a doença continuar lá, o estado do paciente somente piorará, o que demandará tratamento posterior ainda pior.

Dois exemplos apareceram nos jornais nesses dias. O primeiro foi um decreto legislativo para suspender o aumento do preço da energia elétrica no Ceará.

O segundo, uma nova peroração do presidente contra a política de preços da Petrobras, após a divulgação de seu resultado recorde no 1o trimestre.

Já passamos (acho) da fase em que pensávamos que congelar todos os preços da economia resolvia a questão da inflação. Vimos, depois de apanhar muito, que o resultado desse tipo de política é o desabastecimento e a volta da inflação muito mais virulenta posteriormente. Atacávamos a febre, não a doença.

Por algum estranho motivo, no entanto, grande parte da população ainda acha que controlar os preços dos combustíveis e da eletricidade não causará os mesmos problemas. Claro que combustíveis e eletricidade são mercadorias diferentes de arroz e automóveis. Mas a lógica empresarial é a mesma: é preciso investir antecipadamente, assumindo risco, para produzir e distribuir a mercadoria. E é neste ponto que o controle de preços atua negativamente, desestimulando novos investimentos. Vejamos os dois exemplos.

No caso dos combustíveis, a Petrobras atua em um ramo bastante instável. Agora o preço do petróleo está acima de US$ 100, mas estava em US$ 50 há um ano e chegou a bater US$ 20 no pior momento da pandemia. Que empresa consegue se planejar com essa volatilidade de preço do seu principal produto? Isso sem contar com o câmbio… Então, como qualquer empresa que produz commodities, a Petrobras precisa faturar e lucrar muito durante o tempo das vacas gordas para compensar os lucros menores dos tempos das vacas magras. Caso contrário, os investidores não estarão dispostos a financiar a atividade da empresa.

É curioso ouvir o presidente dizendo que “os gordos fundos de pensão americanos” é que estão enriquecendo com os preços praticados pela Petrobras. O presidente, como representante máximo do maior acionista da empresa, deveria era estar dando graças a Deus que ainda tem investidor disposto a correr o risco Petrobras. Isso só está acontecendo porque o governo Temer estabeleceu em lei que a empresa é obrigada a praticar preços de mercado, garantindo que os tempos das vacas gordas compensem os tempos das vacas magras. A Petrobras, hoje, poderia estar produzindo muito mais, se o governo Dilma não tivesse controlado os preços, afastando investidores e tornando a Petrobras a empresa mais endividada do planeta. Estamos pagando a conta de uma política populista de preços, que o atual presidente quer ver repetida. Quebrar o termômetro não elimina a doença.

A eletricidade é uma mercadoria completamente diferente do petróleo, mas a lógica empresarial é a mesma. As empresas assumem compromissos de décadas em troca de regras estáveis de reajuste de preços. Repito: o compromisso dessas empresas é de 20 ou 30 anos. Assinar um contrato com esse horizonte de tempo no Brasil exige muita coragem, em um país instável como o nosso, onde as regras não valem a tinta gasta para escrevê-las. A tentativa do Congresso de “congelar” os reajustes tarifários de eletricidade é somente a constatação desse fato. Não à toa, é preciso acenar com taxas de retorno atraentes para que empresas se aventurem nesses empreendimentos.

As empresas de geração, transmissão e distribuição de energia investem em infraestrutura para depois se remunerarem com as tarifas ao longo dos anos. Se essa remuneração não for suficiente, essas ou outras empresas exigirão taxas de retorno ainda maiores para fazer novos investimentos na ampliação e manutenção do parque de energia elétrica. No limite, não haverá empresas dispostas a investir, seja qual for a taxa de retorno do investimento. A mercadoria mais cara é aquela que não existe. Restarão as estatais, que investem a qualquer preço, dado que seus prejuízos são pagos pela população, não por investidores.

Se o preço dos combustíveis está nas alturas porque acompanha o preço do petróleo no mercado global, o preço da eletricidade está nas alturas porque a conta precisa carregar um monte de penduricalhos acumulados ao longo do tempo, inclusive a conta da redução ”na marra” do preço da eletricidade patrocinada pelo governo Dilma em 2013. E já temos contratados novos penduricalhos, que acompanharão a privatização da Eletrobras e pesarão sobre as contas no futuro. Além dos impostos, que representam mais de um terço do preço total. Quebrar o termômetro não elimina a doença.

Controlar preços sempre, SEMPRE, desorganiza o mercado, diminui investimentos e deixa uma conta ainda maior para o futuro. Os tão celebrados jovens deveriam usar o seu poder de voto para elegerem políticos que entendam isso. Pois a conta será paga por eles.

O oitavo círculo do inferno

O teto de gastos é uma ideia de pervertidos, sociopatas que não têm o mínimo de empatia para com os mais pobres que estão passando fome.

Esta é a conclusão que se pode tirar da fala de Arthur Lira, defendendo “gastos sociais” mesmo que ultrapassem o limite constitucional de despesas.

É de uma hipocrisia bíblica. Por fora, túmulos caiados, por dentro, podridão. O presidente da Câmara, assim como seus pares e praticamente todos os políticos do Brasil, escondem-se atrás dos pobres para gastar no que lhes interessa: emendas parlamentares, privilégios corporativos, subsídios às empresas amigas e uma longa lista de etceteras que cabem em um orçamento de R$ 1,6 trilhões.

Trata-se, no final do dia, de um engodo: o que é dado aos pobres hoje é tirado amanhã via impostos e inflação. No meio do caminho, um Estado balofo e refém das corporações, em que políticos se escondem por trás da defesa dos mais pobres.

A sexta cova do oitavo círculo do inferno lhes está reservada.

Populismo tarifário

A nova fórmula de cálculo do ICMS, proposta pelo presidente da Câmara, é a seguinte: o imposto incidiria sobre a média de preços dos combustíveis nos últimos dois anos, e permaneceria fixo durante um ano. Essa fórmula retiraria permanentemente receitas dos estados somente na implausível hipótese de que o preço do petróleo subisse para sempre. Caso o preço do petróleo caísse (o que um dia vai acontecer, como sempre aconteceu), os estados vão travar um preço mais alto do petróleo durante algum tempo.

O efeito sobre os preços dos combustíveis é que o repasse tanto da alta quanto da baixa do preço do petróleo será mais lento. Quando o preço do petróleo baixar no mercado internacional, é bem provável que subamos vários lugares no ranking dos combustíveis mais caros do mundo.

Do ponto de vista de arrecadação de longo prazo, dá na mesma: o que não for arrecadado agora será compensado no futuro, com bases de cálculo mais altas do que aquelas que seriam justificadas pelos preços correntes do petróleo.

Do ponto de vista de sinalização para o consumidor, trata-se de medida distorsiva: o preço alto do petróleo sinaliza escassez, o que deveria ser acompanhado por redução do consumo. O preço mais baixo artificialmente leva a uma demanda incompatível com a oferta do produto. E vice-versa: quando o preço do petróleo cair, a demanda ficará aquém da oferta, pois o preço do combustível estará artificialmente alto.

Finalmente, do ponto de vista da inflação, essa metodologia representará um alívio imediato, mas ao custo de uma queda da inflação mais lenta ao longo do tempo, quando o preço do petróleo cair. Particularmente, acho que essas fórmulas ad hoc introduzem mais distorções que benefícios. Mas o populismo tarifário sempre fala mais alto.