Choque de realidade

Os chilenos vão hoje às urnas para referendar, ou não, a nova Constituição do país. Segundo as últimas pesquisas de opinião, o texto deve ser rejeitado.

Interessante como a manchete expõe a decisão dos chilenos. Não se trata de “aprovar uma nova Constituição”, mas de “revogar a Constituição de Pinochet”. Não acompanho a política chilena, mas não tenho dúvida de que este foi um dos principais, senão o principal, argumento para o “sim”. “Essa Constituição pode não ser perfeita, certamente tem muitos defeitos, mas é melhor do que a que nos legou a ditadura”.

Esse tipo de escolha tem muita semelhança com o voto no “menos pior”. “Não gosto do fulano, mas sicrano é muito pior para o país”. O curioso é que Boric ganhou a eleição com votos desse tipo, mas quando se trata da Constituição que ele apoia, é provável que o povo vote diferente. Talvez porque Boric pode ser trocado daqui a 4 anos (não há reeleição no Chile), ao passo que fazer uma nova Constituição demanda muito mais energia. Assim, a esquerda chilena confundiu a eleição de Boric com uma carta branca para viajar na maionese na elaboração da Constituição. O resultado é que os chilenos centristas que votaram em Boric, segundo as pesquisas, ainda preferem a “Constituição de Pinochet” a essa estrovenga que saiu das cabecinhas utópicas da esquerda.

A ideia de uma constituinte foi a resposta de um presidente fraco diante da queda vertiginosa de sua popularidade e da violência que tomou conta do país. Obviamente, a mudança paulatina de artigos, através de votações normais no Congresso, é a forma mais efetiva a segura de se mudar uma Constituição. Muitos têm a ilusão de que uma constituinte no Brasil resolveria os nossos problemas. A experiência chilena deveria servir como um choque de realidade.