Em economia, nem tudo é o que parece ser

O sistema de metas de inflação foi inaugurado em 1999, após o abandono da âncora cambial em janeiro daquele ano. Por esse sistema, o CMN (Conselho Monetário Nacional) estabelece uma meta para a inflação nos anos seguintes, meta esta que deve ser perseguida pelo Banco Central. Esta meta serve como uma espécie de “âncora” para as expectativas do mercado em relação à inflação futura. Ou seja, na falta de mais informações, os agentes econômicos cravam a “previsão” para a inflação no futuro na meta, pois confiam que o BC vai agir para levar a inflação para lá.

As primeiras metas foram estabelecidas em reunião do CMN em junho de 1999: 8% para 1999, 6% para 2000 e 4% para 2001. Na reunião de 2000, a meta de 2002 foi estabelecida em 3,5%, e na de 2001, a meta para 2003 foi estabelecida em 3,25%. Ou seja, já no início do sistema de metas, a ideia era levar a meta de inflação para os 3%, que era a meta padrão para países emergentes como o Brasil. No entanto, com a desancoragem do câmbio em 2002, a reunião daquele ano reviu a meta para 2003 para 4% e estabeleceu a meta para 2004 em 3,75%, em uma nova tentativa de convergir a inflação no Brasil para 3%.

Assumindo o governo Lula em 2003, a primeira reunião do CMN reviu a meta de 2004 para 5,5% (de 3,75%) e estabeleceu a meta de 2005 em 4,5%. No entanto, ao contrário do governo FHC, os governos Lula e Dilma mantiveram a meta em 4,5% durante todos os seus mandatos. Houve discussões sobre a redução da meta, mas foram mortas na fonte por Lula. A meta somente foi reduzida para 4,25% na reunião do CMN de 2017 para o ano de 2019 e para 4% para 2020. Nas reuniões seguintes, a meta foi sendo reduzida, até chegar na reunião do CMN de 2021, quando a meta de 2024 foi estabelecida em 3%.

Chegamos em 2023, e Lula mostra disposição de voltar a 2003, quando o CMN reviu a meta do ano seguinte. A discussão é: uma meta maior levará necessariamente a juros mais baixos e maior crescimento econômico? Para entender porque não, precisamos entender a lógica por trás do sistema de metas de inflação.

Em um país com viés inflacionário como o Brasil, o controle da inflação por meio de metas parece algo mais parecido com magia do que com ciência. Afinal, sem controlar preços, como garantir que a inflação não sairá do controle? O que está por trás do sistema de metas é uma teoria bem estabelecida em economia, chamada de “expectativas racionais”. Segundo esta teoria, os agentes econômicos, de alguma maneira, conhecem o modelo de economia em que estão inseridos, e assumem que as previsões sobre o futuro desta economia com base neste modelo estão, de maneira geral, corretas. No caso específico do sistema de metas de inflação, os agentes econômicos “preveem” a inflação futura com base em um modelo bem estabelecido, em que o Banco Central controla o preço do dinheiro na economia (a taxa de juros) de modo a trazer a inflação futura para a meta. Assim, o controle da inflação se dá pela “expectativa racional” dos agentes econômicos, que acreditam que o Banco Central cumprirá a sua tarefa de trazer a inflação para a meta. Por isso, quando perguntados sobre a inflação de, por exemplo, 2026, os bancos e consultorias cravam “3%”, porque esta é a meta. Não é que estejam “prevendo” a inflação através da utilização de modelos ultrassofisticados. Nada disso. Estes agentes econômicos simplesmente olham para a meta e creem que o BC fará o serviço direito. Quando acham que o BC não conseguirá trazer a inflação para a meta, colocam um desvio em relação à meta. Por exemplo, a inflação “prevista” para 2024 está em 3,7% contra uma meta de 3%. Ou seja, os agentes econômicos estão prevendo dificuldades para o BC trazer a inflação para a meta neste horizonte de tempo.

E o quê o BC faz para atingir a meta de inflação? Eleva ou derruba a taxa básica de juros, aquela que comanda toda as outras taxas de juros da economia. Taxas mais elevadas fazem com que menos pessoas estejam dispostas a consumir e menos empresas estejam dispostas a investir, esfriando a economia e, por consequência, a inflação. E vice-versa. Mas tem um detalhe importante, e esta é a parte fundamental deste artigo, preste muita atenção: o que realmente importa para o controle da inflação não é a taxa nominal de juros, mas a taxa REAL de juros. Ou seja, a taxa ACIMA da inflação. E não da inflação passada, mas da inflação ESPERADA NO FUTURO. Os agentes econômicos vão tomar suas decisões com base na taxa REAL de juros ESPERADA NO FUTURO.

Vamos a um exemplo numérico. Segundo o relatório Focus, a inflação esperada para 2024 está em 3,7% enquanto a Selic esperada para o final de 2023 está em 12,50%. Portanto, temos que os agentes econômicos esperam uma taxa de juros real de 8,8% no início de 2024. Note que não importa a inflação de 2022, esta já era. O que importa é quanto de taxa de juros real pode ser esperada, esta é a variável chave para a tomada de decisões de consumo e investimentos. Observe, portanto, que o que importa para o BC é a inflação ESPERADA, não a passada.

Aqui entra outro conceito importante: o de TAXA DE JUROS REAL NEUTRA da economia. A taxa de juros real neutra é aquela que mantém a inflação na meta ao longo dos ciclos econômicos. Se a expectativa de inflação está acima da meta, o BC precisa elevar os juros acima dessa taxa de juros real neutra para trazer a inflação para a meta. E, vice-versa, se a expectativa de inflação está abaixo da meta, a taxa praticada deve estar abaixo da taxa neutra. Essa taxa de juros real neutra depende de uma série de fatores estruturais, que vão desde as condições fiscais do país até a sua produtividade (custo Brasil). Quanto piores forem essas condições, maior será a taxa de juros real neutra da economia. Ninguém sabe exatamente quanto é essa taxa a cada momento, mas o conceito é este.

Agora, estamos preparados para entender o que provavelmente aconteceria se a meta para a inflação fosse elevada. Digamos que, na reunião do CMN de junho, decida-se por elevar a meta de 2024 em diante de 3% para 4,5%. Hoje, a expectativa para a inflação de 2024 está em 3,7%. Como dissemos lá no início, não é que os bancos e consultorias tenham uma bola de cristal e “adivinhem” a inflação de 2024. Eles partem da meta (que é 3%), e colocam um desvio de acordo com as incertezas do cenário. Em pouco tempo depois que a meta for elevada, as expectativas serão reajustadas para a nova meta. Portanto, as expectativas de inflação para 2024 em diante serão elevadas, inicialmente, para 4,5%.

Preste atenção neste ponto agora: o que acontece com a taxa de juros real ESPERADA? Ora, se a taxa real esperada antes era de 8,8% (12,5% menos 3,7%), agora é de 8,0% (12,5% menos 4,5%). Ou seja, PARA UM MESMO NÍVEL DE TAXA SELIC, a taxa real esperada DIMINUI em função do aumento da meta e, portanto, da expectativa de inflação.

Como vimos acima, o BC calibra a taxa real esperada em função da taxa real neutra da economia. Não sabemos qual é essa taxa real neutra, mas de uma coisa podemos estar certos: com a queda da taxa real esperada, o BC está mais próximo da taxa real neutra. Digamos, por exemplo, que a taxa neutra seja de 4% ao ano. Com 8,8% de taxa real esperada, a Selic estava 4,8% acima da taxa neutra. Já com 8%, a taxa real esperada está 4% acima da taxa neutra.

Claro que, com uma meta mais alta, o desvio das expectativas em relação a esta meta mais alta será menor do que a que temos hoje. Por exemplo, se as expectativas de 2024 saltarem de 3,7% para 4,5%, teremos um desvio caindo de 0,7% (3,7% menos 3%) para zero (4,5% menos 4,5%). Portanto, o BC poderia praticar uma taxa real esperada menor, em um primeiro momento. Mas note que, mesmo neste primeiro momento, o espaço para praticar taxas NOMINAIS de juros menores é limitado, pois a taxa real esperada já caiu com o aumento da expectativa de inflação. Ou seja, os juros nominais não caem na proporção que desejaria o governo com a mudança da meta.

O problema ocorre no segundo momento do jogo. A única coisa que mudou foi a meta de inflação. Todo o resto, todas as distorções da economia brasileira, permanecem as mesmas. Portanto, a tendência de descolamento da inflação em relação à meta, qualquer que seja, permanece a mesma. Assim, em algum tempo, começarão a aparecer desvios para cima também em relação à meta de 4,5%. É o que vimos no período de 2010 a 2015, em que a inflação permaneceu sempre perto do teto da banda da inflação, a ponto de o mercado acreditar que o BC estava trabalhando com uma meta “informal” de 5,5%. Considerando que a taxa real neutra da economia permanece a mesma em virtude das distorções da economia brasileira, as únicas coisas que vão mudar serão o nível da inflação e o nível da taxa nominal de juros ao longo do tempo, ambas 1,5 ponto percentual para cima. Voltaremos à estaca zero. Quer dizer, estaca zero, não. Estaca zero mais 1,5 ponto percentual. As taxas de juros serão mais altas, não mais baixas, como desejaria o governo.

Uma inflação mais alta prejudica o horizonte de investimento dos agentes econômicos e, portanto, as perspectivas de crescimento econômico, justamente o que se buscava com o aumento da meta para a inflação. Em economia nem tudo é o que parece ser. Não é a meta de inflação que impede o crescimento econômico, mas as inúmeras distorções da economia brasileira. Elevar a meta só serve para disfarçar essas distorções por algum tempo. Como tudo no Brasil, trata-se de um “jeitinho” que não resolve o problema, somente o adia, voltando lá na frente ainda maior.

A credibilidade do Banco Central

O IPCA fechou o ano de 2022 em 5,79%, acima, portanto, do teto da meta para este ano, que era de 5,00%. Pela segunda vez consecutiva, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, precisará escrever uma cartinha endereçada ao CMN, explicando o fracasso.

O atual sistema de metas de inflação foi instituído em 1999, após a desistência da âncora cambial naquele ano. A ideia é ancorar as expectativas dos agentes econômicos em torno da meta de inflação, sabendo que o Banco Central agirá tempestivamente para trazer a inflação para a meta se houver algum desvio. Como tudo no Brasil, a coisa até funciona, mas no limite da responsabilidade.

Com uma meta e bandas em torno dessa meta para absorver choques inesperados, espera-se que, ao longo do tempo, a inflação tenha um comportamento simétrico em torno da meta, às vezes acima, às vezes abaixo da meta. Mas não é o que observamos.

Dos 24 anos de vigência do sistema de metas de inflação no Brasil, em nada menos que 18 (75%) a inflação ficou acima da meta. E dessas 18 vezes, em 5 a inflação estourou a banda superior. Por outro lado, das 6 vezes em que a inflação ficou abaixo da meta, em apenas uma vez (no ano da graça de 2017) a inflação estourou a banda inferior. Temos então, claramente, uma leniência em relação à inflação por parte dos banqueiros centrais brasileiros ao longo dos anos, que se traduz em inflação consistentemente mais alta do que a meta estabelecida.

Esse fato torna a vida do banqueiro central mais difícil, pois os agentes econômicos, com base nesse histórico, tendem a projetar uma inflação mais alta do que a meta, exigindo juros mais altos do que o necessário para ancorar as expectativas, caso o BC tivesse mais credibilidade.

Minha tese é de que o comportamento fiscal do governo acaba por exigir um nível de juros não palatável do ponto de vista político, o que leva o BC a sempre ficar “atrás da curva”, como dizemos no mercado, topando, na média, uma inflação um pouco maior. Assim, o sistema de metas foi “abrasileirado”, com a meta servindo, na prática, de piso para a inflação. Quero crer que a independência formal do BC mude esse quadro. Mas admito que se trata mais de uma esperança do que de uma convicção.

Balanço da economia no governo Bolsonaro

Chegando ao fim dos 4 anos de governo Bolsonaro, farei uma retrospectiva de seu governo do ponto de vista de políticas econômicas. Dividirei os eventos em positivos e negativos, de acordo com minha exclusiva e particular avaliação.

Eventos positivos:

– Reforma da Previdência: talvez a maior realização deste governo, a reforma da Previdência havia sido já “amaciada” durante o governo Temer, que não conseguiu levar adiante por conta do episódio Joesley. O governo Bolsonaro teve o mérito de retomar a discussão e conseguir aprovar uma reforma com o dobro da economia prevista na reforma de Temer. Teve a parceria de Rodrigo Maia no Congresso, o que não diminui o seu mérito, pelo contrário. A reforma aprovada está longe de ser suficiente, precisaremos discutir outra reforma em breve, mas o mérito dessa reforma foi ter aprovado o limite de aposentadoria por idade, agora é só aumentar a idade. O ponto negativo foi retirar categorias, como a dos militares, da reforma. Não era necessário para a aprovação, foi uma idiosincrasia do presidente.

– Aprovação de marcos regulatórios: reformas microeconômicas são tão importantes quanto as macro. O marco do saneamento, das ferrovias, a nova regulamentação do câmbio, a lei da liberdade econômica, são todas mudanças legislativas que permitirão, ao longo do tempo, um ganho enorme de eficiência dos investimentos.

– Autonomia do Banco Central: vivemos o ineditismo de um presidente eleito que não tem disponível o cargo de presidente do BC para nomear. Este é um avanço significativo para a segurança do arcabouço monetário brasileiro. A discussão sobre a autonomia já vinha amadurecendo, mas o governo Bolsonaro teve o mérito de aprová-la.

– Privatização da Eletrobrás: única privatização do governo Bolsonaro, mas uma privatização que vale por muitas. Veio às custas de vários jabutis que pesarão na contade luz do brasileiro nos próximos anos. Mas, apesar de tudo, melhor privatizada do que estatal. Privatizada, a Eletrobras poderá levantar o capital necessário para um plano de investimentos que permita aumentar a segurança energética do país.

Eventos negativos:

– Não encaminhamento das reformas tributária e administrativa. A tributária foi reduzida por Paulo Guedes a uma proposta de substituição dos impostos sobre a folha de pagamentos por algo como uma CPMF disfarçada, jogando fora anos de discussões em torno da PEC 45, que cria um IVA único. A administrativa passou longe de qualquer discussão séria.

– Ruído na relação com a Petrobras. Apesar de não ter havido interferência real nos preços, a troca constante de comando na estatal certamente não foi positiva para a empresa.

– Redução do ICMS sobre combustíveis e outras utilities. Os efeitos de curto prazo foram positivos (redução dos preços dos combustíveis), mas os efeitos de médio prazo serão negativos, pois os Estados precisam desses impostos para equilibrarem suas contas. A conta vai chegar mais à frente.

– Desmoralização da regra do teto de gastos. Para mim, a pior herança deste governo. Em outubro de 2020, Paulo Guedes chamou Rogério Marinho, então ministro do Desenvolvimento Regional, de “fura-teto”. Era a fase ortodoxa de Guedes. Um ano depois, Guedes protagonizou o que viria a ser conhecido como “waiver day”, em que jogou a toalha diante da mudança de critério para calcular o teto de gastos para o ano seguinte, 2022. O pior da pandemia já havia passado há muito, e ficou claro que o furo no teto ocorreu para turbinar os gastos em ano eleitoral. Com isso, legitimou-se qualquer desculpa para gastos adicionais, o que abriu caminho para a PEC da gastança proposta pelo governo eleito.

Considerando prós e contras, o balanço final do governo Bolsonaro na área econômica é, na minha opinião, regular. Podemos ver o reflexo disso nos preços dos ativos. Por exemplo, a bolsa denominada em dólar reflete tanto o movimento da bolsa quanto da moeda. A seguir, temos uma tabela com as rentabilidades em dólar dos principais índices de bolsa no mundo, no período que vai de 28/12/2018 a 28/10/2022 (véspera da eleição), da pior para a melhor:

  • Hong Kong: -42,6%
  • Seul: -12,0%
  • Londres: -4,9%
  • Ibovespa: -2,5%
  • Tóquio: +2,2%
  • Frankfurt: +8,4%
  • Shangai: +9,2%
  • Sidnei: +10,3%
  • México: +19,5%
  • Istambul: +24,6%
  • Bombaim: +40,1%

Podemos notar que a bolsa brasileira não foi a pior do mundo no período, mas ficou longe de ficar entre as melhores. Foi uma bolsa… regular.

Claro, o próximo governo, ao que tudo vem indicando, não promete ser melhor, muito pelo contrário. Mas, para quem esperava o “primeiro governo verdadeiramente liberal desde o descobrimento do Brasil”, acho que ficaram devendo.

O estranho mundo de Lara Resende

Para quem não tiver paciência de ler esse artigo de André Lara Resende, vou resumi-lo em poucas palavras: o BC fez mal ao país ao subir os juros, porque os gastos com juros tiram dinheiro das necessidades sociais mais prementes e, além disso, impulsionam a inflação, porque os juros pagos aos rentistas se transformam em consumo. Além de impulsionar a demanda, o BC erra ao não considerar que vivemos uma inflação de oferta, de modo que não adianta nada subir os juros.

No mundo segundo André Lara Resende, o BC deve fazer considerações sobre o gasto do Tesouro com juros antes de decidir sobre o nível da Selic. Segundo Lara Resende, é o BC, e só o BC, que determina o custo da dívida. Nesse estranho mundo, é o devedor quem determina a taxa de juros que vai pagar para se endividar.

Infelizmente, André Lara Resende não aceitou fazer parte do governo. Seria o complemento ideal para a fantástica equipe que temos até o momento na Fazenda. Com suas ideias, experimentaríamos o próximo nível de desorganização do mercado, que faria o período Dilma parecer um passeio no parque.

A inflação brasileira em 2021

O destaque do dia foi o IPCA de outubro. Não pelo número em si, acima das expectativas, mas por uma simbologia: a inflação acumulada em 12 meses atingiu 10,67%, exatamente a inflação do fatídico ano de 2015, quando o governo Dilma soltou todos os preços represados durante o ano eleitoral anterior. Portanto, um número que evoca lembranças de um tempo que gostaríamos de esquecer.

Na verdade, o pico da inflação em 12 meses seria atingido no mês seguinte, em janeiro de 2016, com o IPCA acumulando 10,71%. Basta que a inflação de novembro fique acima de 0,93% e este recorde será batido.

No Gráfico 1, podemos observar exatamente a trajetória da inflação acumulada em 12 meses desde 1996.

A inflação de 1995 ficou acima de 22%, então tirei da série, pois ainda estávamos em meio à estabilização monetária. O recorde dessa série foi atingido em maio de 2003, quando o IPCA acumulado em 12 meses foi de 17,24%. Como já dissemos, a segunda maior inflação foi em janeiro de 2016, 10,71% e, em terceiro lugar, temos dezembro de 2015 e outubro de 2021, com 10,67%.

Vamos procurar contextualizar este número. No Gráfico 2, temos o IPCA menos o CPI (Consumer Prices Index), que é a inflação ao consumidor nos EUA, o equivalente ao IPCA.

Estudar a diferença entre esses índices de inflação nos dá uma ideia de como a inflação local está em relação ao contexto global. Podemos observar que, ao subtrair o CPI, temos uma inflação em outubro muito menor do que o pico de janeiro de 2016. Isto acontece porque hoje temos uma inflação global (e nos EUA) muito maior do que naquela época. Ou seja, uma parte da inflação local se deve à inflação global. Há fatores locais, sem dúvida, mas a inflação global joga um papel muito maior hoje do que em 2015/2016.

No Gráfico 3, podemos observar a diferença da inflação acumulada em 12 meses contra a meta de inflação do Banco Central.

Em tese, o BC deveria perseguir a meta de inflação. Desvios em relação à meta, para mais ou para menos, significam que o BC errou em sua política monetária. No gráfico, quanto maior o desvio em relação ao zero, maior o erro. As linhas pontilhadas mostram as bandas. Se o erro está dentro da banda, ok, o BC tem permissão de errar dentro das bandas. Se cair para fora, o BC precisa justificar o erro perante o governo.

O que vemos é que o erro deste ano já está maior do que o de 2015/2016. Ou seja, o BC de Roberto Campos Neto está se saindo pior do que o BC de Alexandre Tombini no controle da inflação. Ok, tivemos uma situação completamente atípica de pandemia, a inflação é um fenômeno global, etc. Mas, no número frio, este é o caso. Está ficando cada vez mais claro que aquele 2% de Selic estava fora de lugar.

Uma observação final: todas essas contextualizações têm sua beleza técnica mas, para o povo, não importa se o BC errou ou acertou, ou se o americano também está sofrendo com a inflação. No final do dia, a inflação pesa no bolso do brasileiro de qualquer jeito. E ainda não inventaram criptonita mais eficaz para acabar com popularidade de governante do que a inflação.

Com um pé no acelerador e o outro no freio

“Não podemos tirar 10 no fiscal e zero no social”. Com essas palavras, o ministro da economia enterrou a disciplina fiscal.

Imagine por um momento que o comunicado do Copom de ontem trouxesse uma frase desse tipo: “Não podemos tirar 10 na inflação e zero no social”. Já imaginou?

Estamos em um carro em que o governo está com um pé no acelerador e o BC está com o outro pé no freio. Quanto mais o governo acelera de um lado, mais o BC precisa apertar o freio do outro, caso contrário, o carro vai entrar acelerado na curva da inflação e capotar. O resultado é um carro instável na pista.

Se o BC tivesse a “consciência social” do nosso ministro da economia, não estaria acelerando a alta dos juros agora. No entanto, Campos Neto e seus companheiros de Copom sabem que o principal programa social é evitar a inflação, que é o imposto mais perverso, pois acaba com a renda dos mais pobres.

Ao abrir mão de “tirar 10” no fiscal, o governo forçou o BC a aumentar mais as taxas de juros, para “tirar 10” na inflação. No final, alguns milhares de empregos deixarão de ser criados por causa da desaceleração adicional da atividade econômica, causada pela subida adicional dos juros. Mas, tudo bem, o auxílio eleit… quer dizer, o auxílio emergencial será pago, dando uma ajuda para os pobres que nem sabem o quanto foram prejudicados para obter essa mesma ajuda. E, de quebra, vai sobrar um dinheirinho para reforçar as emendas parlamentares e o fundo eleitoral, que ninguém é de ferro.

Inflação, pra que te quero

Há quem diga que um país pode se endividar à vontade em sua própria moeda, pois os financiadores não têm escapatória, a não ser financiar o governo. Isto valeria especialmente para o Brasil, onde não são muitas as alternativas dos investidores além dos títulos públicos. No limite, o governo resolve seu problema rodando a maquininha de imprimir aquele papel de gosto duvidoso chamado Real. Não quer meu título de dívida? Tome aqui esse papel colorido e vai com Deus!

Em países onde prevalece uma longa história de respeito pelos contratos, isso até certo ponto é verdade. EUA, Alemanha, Japão, Reino Unido formam um grupo de países que podem, até certo ponto, abusar de sua prerrogativa de endividar-se. Do lado de baixo do Equador, no entanto, isso está longe de ser verdade.

Há três dias “comemorávamos” os 31 anos do confisco dos haveres dos brasileiros pelo Plano Collor. Foi o único calote de fato da dívida interna, incluindo o papel pintado. Os outros “calotes” se deram através da inflação.

Este preâmbulo serve como pano de fundo para analisar a decisão do BC de elevar a taxa Selic pela primeira vez nos últimos 5 anos. De todos os bancos centrais do mundo que importam, somente a Turquia está elevando juros. É compreensível: estamos em meio a um desastre sanitário sem precedentes, que atingiu o emprego e a renda de uma parcela relevante da população. Pensar em inflação nesse contexto parece fora de lugar.

Não no Brasil. Aqui, o BC reagiu a uma deterioração das expectativas de inflação, que ameaça romper a banda superior da meta esse ano e ficar acima da meta no ano que vem. Em princípio, essa deterioração vem do fato de que o câmbio está muito pressionado, contaminado vários preços da economia, a começar dos combustíveis.

Mas o câmbio é apenas o sintoma, não a doença. A doença é a percepção de que o governo brasileiro, em todos os níveis e esferas, não está a fim de cortar gastos. “Gasto é vida”, já disse uma ex-presidenta de triste memória. Sua desastrosa passagem pelas nossas vidas não foi o suficiente, no entanto, para arrancar esse mantra que permanece nos corações e mentes da sociedade brasileira.

Vejamos o exemplo concreto, que foi o gatilho para a piora substantiva dos preços no mercado financeiro nas últimas semanas: a aprovação do auxílio emergencial em troca de alguns “gatilhos” de contenção de gastos. O que são esses “gatilhos”? Basicamente o congelamento do salário dos servidores públicos quando as despesas obrigatórias (e salários são despesas obrigatórias) ultrapassarem 95% das despesas totais. O mecanismo que permitiria corte de salários e jornadas de trabalho foi descartado.

Não passou despercebido o seguinte: o efeito do congelamento de salários sobre os gastos do governo (em relação às receitas) é tanto maior quanto maior for a inflação. Os salários não são reajustados e perdem o seu poder de compra. Ou seja, o ajuste das despesas do governo PRESSUPÕE QUE EXISTA INFLAÇÃO. E, quanto maior, melhor. Se não houver inflação, esses gastos diminuem apenas na medida do crescimento da economia que, como sabemos, é muito fraco.

Quer dizer, a mensagem foi a seguinte: o ajuste fiscal se dará através da inflação. E, claro, com uma mensagem dessas, os financiadores da dívida pedem um prêmio mais alto para carregá-la, de modo a se protegerem da inflação futura. O BC apenas sanciona algo que já foi percebido pelos credores da dívida.

É claro que este é um círculo vicioso: taxas de juros mais altas produzem mais despesas financeiras, que por sua vez aumentam a dívida, piorando a percepção de risco. O BC tenta fazer a sua parte, mas é como dar um anti-febril para um paciente com Covid e mandá-lo de volta para casa. O vírus continua lá, fazendo o seu trabalho no pulmão do indivíduo.

Quando assumiu a presidência da Argentina, Maurício Macri tinha um plano de reorganização das finanças públicas argentinas. Como sabemos, fez muito pouco, muito tarde. Lá, como aqui, as dificuldades políticas são enormes para se cortar despesas. Lá, como aqui, os credores sabem que a inflação é o único remédio para esse problema. Macri pagou o preço. Bolsonaro aprenderá com seu vizinho do sul?

O que é inflação?

Fui ao barbeiro neste fim de semana. Ele reclamou que o movimento está fraco, e teve que colocar dinheiro do bolso para manter o salão aberto em janeiro. Perguntou o que achava se ele aumentasse o preço do corte. Respondi que, por mim, continuaria a frequentar o salão. Mas, para ter sucesso no aumento, ele precisaria verificar se o movimento do salão não iria diminuir a ponto de não compensar o aumento do preço. Ou seja, mesmo com preço maior, o faturamento dele poderia cair. Obviamente ele entendeu o raciocínio.

Esse discussão simples, que até um barbeiro entende, ilustra o dia a dia das empresas: procuram maximizar o seu lucro, que não necessariamente significa colocar o maior preço nas suas mercadorias. Isso ilustra o dilema das empresas, que podem aumentar os seus preços, mas só até certo ponto

No Plano Cruzado, empresários foram presos por aumentarem os seus preços. O diagnóstico era que a inflação é causada pelo aumento dos preços. Esta confusão vi se repetir em alguns comentários sobre a intervenção na Petrobras, em que pude perceber uma confusão muito comum: a maioria das pessoas confunde “inflação” com “aumento de preços”.

Na verdade, “aumento de preços” é o sintoma, enquanto “inflação” é a doença. Percebemos a inflação pelo aumento de preços, mas não é qualquer aumento de preços que indica inflação. A inflação é um aumento generalizado e constante de preços ao longo do tempo. Vivemos tempos hiperinflacionários no Brasil nas décadas de 80 e 90 e, mesmo antes, tínhamos uma inflação bem acima da atual. Era muito incomum terminarmos um ano com inflação abaixo de dois dígitos. Os preços de tudo subiam de maneira constante e generalizada. Hoje também acontece, mas em um nível muito mais baixo.

Tendo em mente esta definição, podemos analisar o impacto do aumento dos combustíveis na inflação. Alguns, com razão, ficam preocupados com o aumento do preço dos fretes, que acabariam por encarecer os preços dos alimentos, penalizando os mais pobres. Mas note que, se isto fosse verdade, não haveria motivo para uma greve dos caminhoneiros: estes poderiam repassar todo o aumento dos combustíveis para os fretes e não haveria mais problema para eles! Por que eles não fazem isso? Porque o mercado não absorve este aumento do preço do frete. Os caminhoneiros são obrigados, então, a absorver uma parte desse aumento dos combustíveis, diminuindo ou até acabando com a sua margem de lucro. Por isso a ameaça de greve.

Note, portanto, que um aumento de combustíveis não se traduz necessariamente no aumento dos preços dos alimentos. Há toda uma cadeia de produção no meio que vai se ajustar à demanda. Se a demanda estiver fraca, essa cadeia de produção vai absorver parte dos aumentos, diminuindo a sua margem de lucro. No limite, pode até sair do mercado.

Em um ambiente inflacionário, por outro lado, o repasse é mais fácil, pois há um aumento generalizado de preços, as pessoas e empresas perdem as referências de preços. Mas, neste caso, trata-se de um jogo perde-perde, pois o ganho de hoje é comido pela inflação amanhã.

O que temos hoje é um Banco Central que tem credibilidade em sua missão de controlar a inflação que decorre do desequilíbrio entre oferta e demanda. Para tanto, aumenta a taxa de juros quando a demanda aumenta acima da capacidade de a economia ofertar bens e serviços. Desta forma, procura diminuir a demanda para “casar” com a oferta e, assim, evitar a inflação dos preços.

Neste ambiente de inflação controlada, um choque de preços pode fazer a inflação subir no curto prazo. É o que aconteceu, por exemplo, com a elevação dos preços dos alimentos no ano passado, ou com os combustíveis neste ano. Mas esta elevação localizada dos preços não é repassada (ou tem dificuldade de ser repassada) para outros preços porque a demanda não acompanha. Por isso o Banco Central trabalha com uma meta de inflação e com bandas, para poder acomodar esses choques de curto prazo sem necessariamente aumentar a taxa de juros em um primeiro momento. Como não estamos vivendo em um ambiente inflacionário, este choque de preços tende a desaparecer com o tempo, e a inflação volta ao nível normal, perto da meta do Banco Central. Em um ambiente inflacionário, este choque faz com que a inflação suba e permaneça alta e, de choque em choque, a inflação vai subindo e subindo e subindo.

Há muito debate sobre o que causa inflação ou esse “ambiente inflacionário”. A teoria que, para mim, faz mais sentido, é a monetária: a inflação é causada pelo excesso de moeda. Quando o governo roda a maquininha, tem mais dinheiro no mercado do que bens e serviços, gerando inflação. Isso acontece, por exemplo, quando o governo não consegue mais rolar a sua dívida e precisa “monetizá-la”, ou seja, precisa imprimir dinheiro para pagá-la. Contra essa inflação, o Banco Central não consegue fazer nada. Foi basicamente o que ocorreu desde sempre no Brasil: quando secava a fonte de financiamento da nossa dívida pública, só restava rodar a maquininha, o que fazia a inflação ser crescente. O plano Real, somente para relembrar, teve dois componentes: o mais vistoso e menos importante foi o choque heterodoxo, a criação da URV e sua substituição pelo Real. O menos vistoso e mais importante foi o longo e penoso trabalho de arrumação das contas públicas, que durou anos. Isto foi o que permitiu o controle da inflação que temos hoje.

Estamos brincando na beira do vulcão, com uma dívida pública altíssima para o nosso grau de desenvolvimento e gerando déficits primários faz 7 anos. Não é o aumento dos combustíveis que causará o aumento da inflação. É o descontrole da dívida pública. Tenha sempre isso em mente.

PS.: antes que digam que a inflação é baixa às custas de um crescimento econômico anêmico, e que seria preferível um pouco mais de inflação para termos um pouco mais de crescimento, já esclareço que crescimento com inflação é ouro de tolo: a desorganização causada pela inflação mina o crescimento de longo prazo. Tanto é assim que, mesmo tendo inflação, tivemos uma década perdida nos anos 80. E, com inflação controlada, tivemos crescimento econômico na primeira década do século. O que cria crescimento econômico não é a inflação, mas o aumento da produtividade. Tenha isso também em mente.

Receita para baixar o dólar

Olha, eu não sou tão expert quanto o presidente do BC, mas vou aqui dar uma dica quente para o presidente: envie ao Congresso um pacote de medidas que corte 5% do PIB em despesas permanentes a partir do ano que vem. E, obviamente, não coloque nada no lugar.

O dólar vem a 4,50 no dia seguinte.

A credibilidade do Banco Central

2,25%. A menor taxa de juros da história do Brasil.

Dilma Rousseff, na sua guerra declarada aos fundamentos econômicos, certa vez expressou seu desejo de ver uma taxa básica de juros de 2% ao ano. Taxa real, que se frise, acima da inflação. Pois bem, a taxa real de juros hoje é próxima de zero.- Ah, mas com essa brutal recessão é fácil, dirão os desenvolvimentistas.

Pois é.

Dilma foi apeada do governo em abril de 2016, depois de provocar uma recessão de mesma magnitude da que estamos vivendo hoje, cerca de 7,5% do PIB. Curiosamente, aquela recessão deixou um IPCA de 9,3% e uma Selic de 14,25% (números de abril de 2016). Pelo visto, somente a recessão do coronavírus tem o dom de gerar inflação e taxas de juros baixas. A recessão do dilmavírus gera inflação e taxas de juros na lua.

Em um sistema de metas de inflação, conta muito a credibilidade do BC e, em última instância, do governo. Credibilidade esta que foi destruída durante o governo Dilma. Então, não atribua somente à recessão as taxas de juros mais baixas da história. O colapso da atividade econômica é uma condição necessária, mas não suficiente, para este nível de taxas de juros. Sem credibilidade, as taxas de juros serão sempre mais altas ao longo do tempo. É o preço cobrado pelos credores de um devedor pouco confiável.