A queda dos juros do cheque especial

E a sensação de deja vu continua. Na época dos pacotes de congelamento de preços, as manchetes do primeiro mês após o início do congelamento eram mais ou menos desse tipo: inflação cai depois do congelamento.

Claro que cai! Afinal, os bancos são regulados pelo Bacen, e obsedem suas determinações. Manchete seria se os juros do cheque especial não tivessem caído. Teríamos um caso claro de desobediência civil.

Mas este é apenas o primeiro momento, em que existe um estoque de cheque especial que não vai sumir da noite para o dia. Para este estoque, os juros caem mesmo, não tem como ser diferente. O problema não é com o estoque, o problema é com a oferta adicional do produto. A lei de oferta e demanda não foi revogada. Então, com um preço forçadamente mais baixo, o produto vai sumir das prateleiras para os devedores contumazes. Era o que sempre acontecia com os produtos que eram alvo dos pacotes de congelamento de preços, e não tem porque ser diferente agora.

Aguarde. Dentro de alguns meses, a reportagem será sobre a dificuldade de renovação do cheque especial. Muitas pessoas terão que dar um jeito nas suas finanças, ou encontrar um outro agiota que as financie. Porque o produto dos agiotas oficiais terá sumido das prateleiras.

A importância da independência do BC

José Serra é um político que normalmente tem boas ideias no campo microeconômico. Já no macro, sua formação cepalina cobra o seu preço. Hoje, Serra publica artigo atacando a proposta de independência formal (“política”, ele chama) do Banco Central.

Segundo o senador, o BC toma decisões muito importantes para ficar independente. A mais importante delas é o nível da taxa de juros, que tem efeitos fiscais e distributivos. Ele não diz isso, mas é o que se conclui do seu raciocínio, o BC deveria decidir sobre o nível das taxas de juros com um olho no déficit fiscal. E, por isso, não deveria ser independente, subordinando suas decisões ao ente que é responsável pelo déficit, que é o governo.

O que dizer? Bem, no momento que o BC subordinar a política monetária à questão fiscal, a política monetária morre, com tudo o que isso significa para a inflação. Imagine o BC tendo que perguntar ao governante de plantão ou ao Congresso se ele pode aumentar a taxa de juros. Não precisa ser gênio para adivinhar a resposta.

Serra cita o socorro que supostamente os BCs dos países desenvolvidos deram para os bancos e “super-ricos” na crise de 2008 e, por isso, a independência desses bancos estaria em discussão. Bem, não sei de onde ele tirou essa ideia de que há essa discussão nos EUA, na Europa ou no Japão. Só se ele leu alguma coisa a respeito na plataforma do Bernie Sanders. Mesmo porque, não foi o Fed que “salvou” os bancos, foi o Tesouro americano. Foi Obama que deu dinheiro do contribuinte para que a GM, por exemplo, não quebrasse. Os BCs fizeram somente o que está em seu escopo, que é afrouxar a política monetária como nunca antes na história do planeta.

Não custa lembrar que Serra foi candidato à presidência da república duas vezes. Este seu artigo serve mais uma vez de alerta para a importância do projeto de independência do BC. Imagine um governo Serra sem essa independência. Estaríamos competindo com a Argentina pelo título de segunda maior inflação do mundo, atrás da Venezuela.

O “preço justo” do cheque especial

Entrevista com o diretor do BC, João Manoel Pinho de Mello, no Valor. Faria inveja ao personagem Rolando Lero na tentativa de explicar o tabelamento dos juros do cheque especial.

A diretoria do BC de fato acredita que conseguiu chegar no “preço justo” do cheque especial, o mínimo que garantiria a oferta do produto. A diferença para o preço praticado até então seria devido à “ganância” dos bancos. Não foi usada essa palavra, nem precisaria.

Longe de mim comparar a pretensão de onisciência do BC com aquela que guiou os congelamentos de preços nos anos 80. Naquela época, o governo tinha a ilusão de que conseguiria planejar todos os preços da economia, hoje o BC quer controlar apenas o preço do cheque especial. Uma pretensão bem menor. Em desfavor do BC, no entanto, estão 30 anos de experiências mal sucedidas neste campo. Os planejadores da década de 80 pelo menos tinham a desculpa da ignorância.

O mandato dual do BC

A autonomia legal do BC é um objeto de desejo do mercado financeiro. Há estudos que afirmam que a taxa de juros poderia ser mais baixa de maneira estrutural, dada a garantia de que o BC atuaria de maneira verdadeiramente independente.

Só tenho uma coisa a dizer: cuidado com seus desejos.

Se as ideias do líder do MDB ano Senado “pegarem”, sentiremos saudades do nosso BC apenas informalmente independente.

Eduardo Braga é só porta-voz de um erro muito comum, e que engana grande parte dos brasileiros: a confusão entre o curto e o longo prazos.

No curto prazo, é verdade que a taxa de juros influencia tanto a inflação quanto o crescimento econômico. Taxas mais baixas fazem a inflação e o crescimento subirem, e vice-versa. O problema está no longo prazo.

No longo prazo, uma inflação persistentemente mais alta desorganiza a economia, fazendo com que o crescimento econômico se reduza. Trata-se de um jogo perde-perde. Por isso, os BCs do mundo inteiro olham a inflação, não a atividade. Eles sabem que, descuidando da inflação no curto prazo, estarão condenando o crescimento no longo prazo.

Ocorre que o mundo desenvolvido está enfrentando agora o problema oposto: inflação muito baixa. Por isso, estão tentando desesperadamente dar incentivos para elevar a inflação. Não é, nem de longe, o nosso problema.

Não é verdade que os BCs dos países desenvolvidos olhem para a inflação e o crescimento. Mesmo nos EUA, onde o mandato é dual e não existe meta de inflação, o BC age para manter a inflação sob controle. Em 1980, depois do 2o choque do petróleo, a inflação nos EUA subiu para 12%. O então presidente do Fed, Paul Volcker, não teve dúvida: elevou os juros até 20% para derrubar a inflação, levando os EUA e o resto do mundo para uma recessão. Ou seja, quando a porca torce o rabo, é o controle da inflação que manda.

Dar um mandato dual para o BC é transferir uma tarefa que o BC não tem instrumentos para cumprir. Preservar o poder de compra da moeda através de metas para a inflação e o controle de oferta de moeda está plenamente dentro do escopo do BC. Por outro lado, fazer o país crescer vai muito além de manter “as taxas de juros baixas”. Exige uma série de ações para aumentar a produtividade do país e que estão fora do campo de decisões do BC. Transferir para a política monetária a tarefa de fazer a economia crescer é um “me engana que eu gosto”.

Um BC independente com mandato dual é muito pior do que o atual BC com autonomia operacional. Em se tratando de Brasil, não me espantaria se essa ideia prosperasse.

Crescimento e inflação

Brasil:
2015: inflação: 10,67%; PIB: -3,8%
2016: inflação: 6,29%; PIB: -3,6%

Argentina
2018: inflação: 47,6%; PIB: -2,5%

Venezuela
2018: inflação: 1.370.000%; PIB: -17,7%

Tenho lido por aí que a baixa inflação brasileira é o outro lado da moeda do baixo crescimento econômico.

Os números acima são só pra mostrar que baixo crescimento econômico não necessariamente leva a inflação baixa. Se temos inflação baixa hoje no Brasil, é porque houve uma competente gestão do Banco Central desde que Ilan Goldfjan assumiu no governo Temer. Dizer que a inflação baixa é somente fruto do baixo crescimento é negar a realidade mostrada pelos números acima.

Pelo contrário: está mais do que provado que inflação baixa e controlada é condição necessária (ainda que não suficiente) para o crescimento econômico de longo prazo. Se o país não está crescendo, não culpe o BC. Procure a explicação na Praça dos 3 Poderes.

Cada um no seu quadrado

A decisão sobre depósitos compulsórios faz parte do arsenal de política monetária, assim como a decisão sobre o nível da taxa básica de juros. Em um regime de Banco Central independente, decisões sobre essas duas variáveis cabe exclusivamente ao BC.

Imagine o Deus nos acuda se fosse Mantega a anunciar diminuição de R$100 bi nos compulsórios. Mas como Guedes “respeita” a independência do BC, está tudo bem. Como dizia minha vó, faz a fama e deita-te na cama.

A relação entre BC e Tesouro passada a limpo

Geralmente, as coisas mais importantes ocorrem fora dos holofotes.

Quando todas as atenções estão voltadas para a reforma da Previdência, a Câmara aprovou (seria mais adequado dizer “não bloqueou”) uma mudança importantíssima na relação entre o BC e o Tesouro.

Para entender rapidamente: quando o BC tem lucro em suas operações, transfere esse lucro para o Tesouro em dinheiro. Quando tem prejuízo, o Tesouro transfere títulos públicos para o BC. Como já disse Gustavo Franco, o BC paga em dinheiro e o Tesouro dá o troco em balinhas.

O resultado disso é que o BC tem um estoque gigante de títulos públicos em seu balanço, na prática financiando o Tesouro.

Por que isso é importante? Porque fecha mais um canal de financiamento espúrio do Tesouro. No limite, o Tesouro faz dívida com um banco controlado pelo própria União, em uma espécie de auto-financiamento.

O Tesouro deve se financiar com impostos e dívidas junto à iniciativa privada. Qualquer outra “mágica contábil” costuma não acabar bem.