A amargura de Jim O’Neill

Jim O’Neill foi o analista da Goldman Sachs que cunhou o termo BRIC (o S de South Africa só viria depois), em novembro de 2001. Infelizmente, o seu relatório não está mais disponível, mas a página com o resumo de suas conclusões ainda está no site da Goldman. Jim afirmou que “nos próximos 10 anos, o peso dos BRIC e especialmente da China no PIB mundial aumentará, levando a questões importantes sobre o impacto econômico global das políticas fiscal e monetária dos BRIC”. Por isso, concluiu o analista da Goldman Sachs, “os fóruns mundiais de formulação de políticas econômicas deveriam ser reorganizados e, em particular, o G7 deveria ser ajustado para incorporar representantes dos BRIC”.

Como todo analista de banco de investimentos, Jim O’Neill é pago para criar narrativas que possam apontar caminhos lucrativos para os seus clientes. Obviamente, essas narrativas não criam a realidade. Seu objetivo é tentar antecipar-se à realidade, com base em tendências que ainda não são vistas a olho nu. Nesta tarefa, cabe ao analista vestir sua tese da roupa mais elegante possível, de modo a chamar a atenção para a sua análise e, com isso, ganhar clientes.

Jim O’Neill talvez tenha tido a melhor ideia de todos os tempos para bolar o título de um relatório, ao criar o acrônimo “BRIC” (tijolo) para nomear os países que, segundo ele, puxariam o crescimento econômico global nos 10 anos seguintes. Ao reunir tamanho com um suposto grande potencial de crescimento, esses seriam os países candidatos a novas potências globais.

Como disse acima, as narrativas não criam a realidade. Portanto, é preciso fazer o reality check do relatório do analista da Goldman. Infelizmente, Jim O’Neill não passou no teste. No gráfico 1, podemos observar a participação do PIB dos BRICs no PIB global, tanto no conceito PPP (Purchase Power Parity) quanto em dólares. Excetuando-se a China, a performance do BRI foi pífio.

No gráfico 2 temos a evolução do PIB/capita dos BRICs em relação aos EUA. Somente a China se destaca, quadruplicando o seu PIB/capita em relação aos EUA no período. A Rússia apresentou uma boa evolução até 2008, mas depois disso estagnou. A Índia dobrou o seu PIB/capita em relação aos EUA, mas de 5% para 10%, ficando bem atrás da China. E o Brasil… ah! o Brasil…

Jim O’Neill, em entrevista hoje ao Estadão, reagindo à expansão do grupo, desabafa: “Estou a ponto de dizer que o Brics acabou”.

Meu caro Jim, acho que você está atrasado. O BRICs, tal qual desenhado em seu relatório, já não existe há já uns 10 anos, pelo menos. Tornou-se um bloco anti-ocidente, não tendo nada mais a ver com crescimento econômico, a pedra de toque da sua narrativa. A expansão do grupo segue a lógica geopolítica chinesa, não a lógica econômica dos investidores de Wall Street. Causa-me espécie que somente agora, com a expansão do grupo, tenha lhe caído a ficha.

A partir de agora, o BRICSSAUEIE (novo nome do BRICS após a entrada de Saudi Arabia, Argentina, UAE, Egypt, Iran e Ethiopia) seguirá o seu caminho, acrescentando cada vez mais letras ao acrônimo, até se tornar uma sub-ONU dos párias internacionais, liderados pelo país que encarna o sonho de consumo de todo candidato a ditador. É compreensível a amargura de Jim O’Neill.

O lugar perfeito para Dilma

Dilma Rousseff foi escolhida para presidir o New Development Bank (NDB), o chamado “Banco dos BRICS”, com sede na China. Eu era um dos que achavam inadmissível que Dilma não tivesse uma posição de destaque no governo Lula, dada a sua larga experiência nessas políticas que o PT quer implementar. Finalmente foi feita justiça, e Dilma foi nomeada para um cargo chave para o futuro do País. As más línguas dirão que Lula escolheu a China para mandar Dilma porque ainda não há representação brasileira na Lua, então foi o ponto mais distante possível. Pura fofoca, a presidência do NDB é a cara da Dilma. Vejamos.

A ideia inicial do NDB foi lançada em 2012 e o seu início de operação se deu em 2015. Ou seja, dentro do governo Dilma. Seus fundadores (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) entraram com cotas iguais: US$ 2 bilhões em cash, totalizando US$ 10 bi. Além disso, o banco emitiu outros US$ 10,5 bi em bônus de dívida. Foram aprovados os seguintes montantes em projetos até 2021:

– Brasil: US$ 4,9 bi

– Rússia: US$ 4,5 bi

– Índia: US$ 7,1 bi

– China: US$ 7,4 bi

– África do Sul: US$ 5,3 bi

Tota: US$ 29, 2 bi

O total de volumes aprovados supera o de cash+dívida porque esses volumes foram aprovados mas ainda não desembolsados. Corrigindo pelos montantes já aprovados para projetos, cada um dos países têm um capital empatado no NDB até o momento de US$ 5,8 bi. Ou seja, o Brasil gastou (ou está devendo) um montante de US$ 5,8 bi e teve montante aprovado de projetos de US$ 4,9 bi. Portanto, nesses 6 anos, o Brasil gastou (ou vai gastar) liquidamente US$ 900 milhões com o NDB para financiar projetos na Índia e na China, os países superavitários da “parceria”. Belo negócio, a cara da Dilma.

Visto de outra forma: se esses projetos fossem financiados pelo BNDES, teríamos economizado US$ 900 milhões. Mas a criação de “bancos de desenvolvimento” está no DNA de pessoas como Dilma. Por isso, nenhum lugar melhor para a ex-presidenta.

Sociedades em bancos globais de desenvolvimento fazem sentido quando países ricos ajudam países pobres. Por exemplo, no Banco Mundial, segundo o balanço de junho/22, o Brasil entra com 6,9% do total de empréstimos e contribui com 2,1% do capital do banco. Isso acontece porque os maiores contribuidores são os países mais ricos. Qual o sentido de se associar com iguais e uns emprestarem dinheiro para os outros para, no final, todo mundo sair como entrou, a menos da estrutura montada para abrigar pessoas como Dilma?

Sim, Dilma está no lugar certo: longe do Brasil, perto de ideias que queimam o dinheiro do contribuinte.