Quem paga a conta do parcelado sem juros?

Esse anúncio é bem interessante, pois, ao contrário dos outros da mesma natureza, levanta um pouco o véu que esconde a “maquininha” que move a indústria de cartões de crédito.

Publicado pela Abranet (Associação Brasileira da Internet, o que inclui as empresas de maquininhas, aqueles aparelhos que são usados para pagar as contas com cartão de crédito), o anúncio afirma que o parcelado sem juros é possível porque as empresas de maquininhas antecipam o dinheiro para os lojistas a juros baixos. Assim, como o lojista tem o dinheiro na mão, poderia facilitar a compra, parcelando sem juros. Pelo menos, foi isso que entendi do argumento.

Da forma como o processo está descrito, parece que os bancos são absolutamente dispensáveis nesse esquema. As maquininhas emprestam o dinheiro para os lojistas, os lojistas vendem em parcelas sem juros, e os consumidores pagam as parcelas para as maquininhas. Só que não. Se fosse assim, os bancos estariam cuidando de outras coisas e não do parcelado sem juros, uma atividade que estaria restrita aos lojistas e às empresas de maquininhas.

Acontece que os bancos não são dispensáveis nesse processo. Na verdade, os bancos são essenciais nesse processo. Veja o esquema abaixo, onde temos a interação dos agentes nesse processo de pagamento.

Note como a empresa de maquininha recebe dinheiro do banco, e não do consumidor. Ou seja, o risco de crédito da maquininha é o banco. Por isso ela pode cobrar “os juros mais baixos do mercado” do lojista. A inadimplência dos consumidores acaba no colo dos bancos, que precisam cobrar juros proporcionais a essa inadimplência. Não vamos esquecer que toda essa conversa começou com os juros estratosféricos do rotativo do cartão. Os bancos disseram: querem diminuir os juros do rotativo? Sem problemas. Vamos compensar com os juros do pagamento das compras parceladas.

Algum tempo atrás, os bancos dominavam o setor de maquininhas, com a Cielo (Bradesco/BB) e Redecard (Itaú) liderando esse mercado. Assim, o que os bancos perdiam nos cartões era compensado com o que ganhavam com as maquininhas. Com a abertura desse mercado, os bancos ficaram com o osso da inadimplência dos consumidores enquanto as maquininhas ficaram com o filé mignon das vendas parceladas a perder de vista “sem juros”.

A solução para o parcelado sem juros é deveras simples: basta eliminar os bancos no processo. Assim, as empresas de maquininhas suportariam o peso da inadimplência dos consumidores. Desconfio que, nesse caso, a taxa de juros cobrada dos lojistas não permaneça “um dos menores juros do mercado”.

Boa sorte para todos

Tuíte do Amoedo dizendo que o governo deveria rever sua decisão de baixar o teto dos juros do consignado.

As respostas dividem-se em 4 categorias:

1) Invocação da “consciência de classe”

2) “Obrigar” os bancos a concederem o crédito

3) Dizer que os bancos continuam a ganhar dinheiro com esse teto

4) Usar BB e Caixa para substituir os bancos privados

A primeira é legal, mas não vejo como a “consciência de classe” ajudaria, no caso.

A segunda parece que é contra a Constituição, que define a liberdade de empresa como um dos seus princípios.

A terceira vai meio contra a matemática: com imposto de 46% sobre o lucro (IR + CSLL), uma taxa de 1,7% ao mês gera um lucro líquido de 11,5% ao ano. Com a Selic a 13,75%, melhor deixar o dinheiro no título público mesmo.

O quarto, aí sim, é o uso correto das estatais: dar prejuízo para ajudar o povo. Tomando dinheiro a, no mínimo, 13,75% e emprestando a 11,5%, BB e Caixa estarão cumprindo sua missão social, que é manter os aposentados endividados.

Por fim, uma palavra para o Amoedo: boa sorte para todos.

Banqueiros, um inimigo conveniente

Quer ganhar alguém para a sua causa? Coloque “os banqueiros” como inimigos. É batata! Não há coisa mais demoníaca do que banqueiro.

Talvez seja uma herança dos tempos em que cobrar juros era considerado pecado. Ganhar dinheiro assim, sem fazer nada, aproveitando-se da necessidade do próximo, só podia ser coisa do demônio. Essa ideia medieval ainda sobrevive entre nós.

Lula não perde oportunidade de aproveitar-se da ojeriza natural do latino-americano médio aos banqueiros para defender suas ideias. Hoje não foi diferente. Ele diz que não vai tirar a comida da mesa do pobre pra pagar juro para banqueiro. Sim, Lula tem bom coração.

Essa fala de Lula tem dois erros assombrosos.

O primeiro é que os detentores da dívida pública (para quem o governo brasileiro precisa pagar juros) não se resumem aos bancos. Estes representam apenas 22% do total dos credores. Os restantes 78% da dívida estão nas mãos de fundos de investimento (25%), Fundos de Previdência (25%), Investidores Estrangeiros (13%), Seguradoras (5%) e Outros – incluindo Tesouro Direto (10%). Ou seja, pessoas físicas e jurídicas que depositam suas poupanças nas mãos do governo. Então, ao dizer que não vai “pagar juros para banqueiro”, Lula, na verdade, está dizendo que não vai pagar juros para mim, para você e para todos os que investem, direta ou indiretamente, em títulos públicos.

E aqui vem o segundo erro: o que Lula quer dizer com “não vou pagar juros?” Estará pensando em alguma forma de calote? Obviamente não é isso, mas esse tipo de fala, no limite, pode ser interpretado como uma espécie de ameaça. Se tem bicho mais covarde é investidor. Diante de qualquer ameaça, mesmo tênue, foge para um abrigo. Esse tipo de fala não contribui em nada com a tarefa hercúlea de rolar uma dívida pública de quase R$ 6 trilhões.

A demonização do credor da dívida (“o banqueiro”) é uma forma idiota de lidar com o problema criado pelo próprio governo. Afinal, ninguém obrigou os diversos governos brasileiros a tomarem dívida. Endividaram-se porque sempre há “necessidades sociais urgentes” a serem financiadas. O resultado é que pagamos de juros algo como R$ 800 bilhões por ano, 4 vezes mais do que o waiver pedido para gastar neste ano. E, cada vez que o voluntarismo populista se propõe a “resolver o problema dos pobres”, essa conta aumenta.

Não quer pagar juros? É simples: não se endivide. Claro, para isso é preciso que o governo gaste somente o que arrecada. Mas isso é pedir demais para governantes populistas. Mais fácil demonizar “os banqueiros”.

Claro que Lula sabe disso

Lula afirma que o teto de gastos foi estabelecido para satisfazer “banqueiros gananciosos”, que queriam, vejam só, que o dinheiro que emprestaram para o governo fosse pago.

Como sempre, são várias as questões envolvidas nessa, digamos, fala do “candidato-que-não-vai-fazer-o-que-diz-que-vai-fazer”.

A primeira é técnica: conforme estatística do Tesouro Nacional, os “banqueiros” detém somente 29,47% da dívida pública. Tirando os 4,63% detidos pelo próprio governo, restam 65,90% nas mãos de pessoas físicas ou empresas, através de fundos de pensão e fundos de investimento.

Ou seja, não são somente os “banqueiros” que estão preocupados com que o governo pague a sua dívida. É a poupança das famílias que está em jogo. Claro que Lula sabe disso.

Em segundo lugar, essa dívida existe porque governos irresponsáveis do passado, entre os quais os governos do PT merecem o ponto mais alto do pódio, torraram dinheiro como se não houvesse amanhã. Reformas que poderiam mitigar a situação, como a da Previdência e a Administrativa, sempre foram impiedosamente bombardeadas pelo PT. Os “banqueiros” financiaram a festa petista. Claro que Lula sabe disso.

Lula afirma que “um governo sério não precisa de teto de gastos”. De fato, não precisa mesmo. Por isso, um teto para os gastos é essencial para que um novo governo do PT não signifique uma catástrofe econômica para o Brasil. Lula pode afirmar que, em seu governo, o país produzia superávits primários. Verdade. Só não vai lembrar que a semente do desastre do governo Dilma, com um descontrole total das finanças públicas e a maior recessão da história do Brasil, foi plantada em seu governo. Dilma apenas colheu o que ela e Lula plantaram no segundo governo Lula. Claro que Lula sabe disso.

Lula sabe que os banqueiros são seus parceiros, que a dívida pública não surgiu do nada e é o lastro da poupança das famílias, que Dilma não foi um desastre nascido de geração espontânea. Lula sabe de tudo isso, mas discursa como se não soubesse, com o objetivo de animar o seu próprio público. O resultado é esse discurso que transpira hipocrisia, mas que é saudado pelas esquerdas como uma esperança de redenção.

Como tudo o que Lula diz, seu governo será melhor se ele fizer o justo oposto. Claro que Lula sabe disso.

Em meio à pandemia

“Em meio à pandemia”.

“Em plena pandemia”.

Quando você lê ou ouve uma dessas expressões, saiba que elas estão lá para causar indignação. “Em meio” ou “em plena” pandemia significa um estado de coisas que exige circunspecção, resguardo, perda, luto. Coisas boas “em meio à pandemia” causam revolta. Ninguém está autorizado pela patrulha do comportamento a ser feliz “em plena pandemia”.

O Bradesco teve “lucro recorde em meio à pandemia”. Enquanto você, seu ph@odido, está aí sofrendo com a pandemia, os bancos continuam tendo lucros obscenos “em plena pandemia”. Esta é a mensagem.

Se a manchete fosse apenas “Bradesco teve lucro recorde”, já seria em si uma distorção. Como já expliquei em um post anterior, ficar comparando números mensais ou trimestrais deste ano com os de anos anteriores leva a grandes distorções, pois houve um impacto gigantesco na atividade econômica no 2o trimestre e uma recuperação igualmente forte nos dois trimestres seguintes. Então, é só natural que tudo, inclusive os lucros, sejam “os maiores” nestes dois trimestres, se comparados a trimestres de anos anteriores. Isso não quer dizer absolutamente nada, está tudo distorcido.

Mas, ao acrescentar “em meio à pandemia”, a manchete não está apenas distorcida. Ela é falsa. Feique nius. O impacto da pandemia na atividade econômica se deu no 2o trimestre, não no 4o trimestre. Assim, não estamos “em meio à pandemia” no que se refere à atividade econômica. Estamos, ao contrário, “em meio a uma recuperação”.

Na verdade, “em meio à pandemia”, no ano de 2020, o Bradesco teve QUEDA de lucro de quase 25%. Mas isso você só vai saber se não ficar apenas na manchete.

Foi a maior queda anual de lucros do banco desde o início do Real. Mas a quem interessa os fatos como eles são?

PS.: minha agenda não inclui “defender os bancos”. Eles são bastante crescidinhos para se defenderem a si mesmos. Meu único interesse é esclarecer os fatos por trás das narrativas.

O bode expiatório perfeito para governos incompetentes

“Temos que enfrentar os bancos. Bancos foram feitos para serem enfrentados. Nós não temos mais paciência com esses caras.”

Esse é Fernando Haddad, na Paraíba, ontem.

Banco é um troço muito simples: trata-se de um lugar que faz a intermediação entre pessoas com excesso de dinheiro e pessoas que precisam de dinheiro. A isso chamamos de crédito.

O crédito, segundo o programa do PT, deve ser a mola propulsora do novo ciclo de desenvolvimento do país.

Assim, ligando uma coisa à outra, o que Haddad disse foi: “vamos obrigar os bancos a fornecerem crédito barato”.

Lembro como se fosse hoje. Corria o ano de 2004 e, certo dia, meu finado pai me contou, todo contente, que tinha aberto uma conta no Citibank. Além do status, o banco lhe havia garantido uma linha de crédito no cheque especial de R$10 mil.

“Tenho conta no Bradesco há 30 anos, e o meu cheque especial tem mil reais de limite”, contou, não sem uma ponta de mágoa.

Pensei cá com meus botões: se o Bradesco, com 30 anos de histórico, deu só mil reais de limite, motivo deve ter.

Não deu outra. Pouco mais de 10 anos depois, coube a mim renegociar as dívidas de meu pai na esteira da maior recessão da história (isso foi anos antes do programa Limpa Nome do Ciro que o PT roubou). Adivinha quem era, de longe, o maior credor? Exato, o banco americano que achou que sabia dar crédito no Brasil. O resto é história: poucos anos depois, o Citi encerraria suas operações de varejo no país, ajudando a concentrar, ainda mais, o mercado bancário.

Intermediar crédito é uma arte. Significa antecipar a inadimplência esperada, e cobrar um spread suficientemente alto para compensá-la. Para isso, o histórico do cliente e uma certa previsão sobre o ciclo econômico são as únicas bases sobre as quais o banco se apoia.

Quando, em 2012, Dilma “perdeu a paciência” com os bancos e forçou a redução dos spreads por parte dos bancos públicos, os bancos privados recuaram e perderam market share. Pensei cá com meus botões: se os bancos privados não acompanharam a redução dos spreads, aí tem.

Foi só uma questão de tempo para que a inadimplência aumentasse, na esteira da maior recessão do País.

O curioso é que, no raciocínio do PT, tanto na época quanto hoje, o crédito mais barato faria “a roda da economia girar”, o que, por si só, garantiria o pagamento desses empréstimos. Faltou combinar com os russos, ou melhor, com os agentes econômicos, que se retraíram diante da crescente intervenção do Estado no domínio econômico. Se ontem foi o setor elétrico e hoje são os bancos, amanhã poderei ser eu a sofrer nas mãos de um governo discricionário. Ninguém investe em um ambiente desses e, sem investimento, a demanda criada pelo crédito fica pendurada na broxa.

Mas Haddad, claro, é diferente de Dilma. Ele sabe que não se reduz spread por decreto. Por isso, ele propõe um imposto sobre o spread. Alexandre Schwartsman, em recente artigo na Folha, demonstra que esse imposto aumentaria o spread justamente para os que mais precisam de crédito, pois o custo seria repassado pelos bancos.

No limite, os bancos saem do mercado, deixando de dar crédito. Talvez seja esse mesmo o sonho de Haddad e dos economistas do PT: um mercado de crédito dominado pelos bancos públicos, que teriam, ao mesmo tempo, sensibilidade social e sentido de missão. Sensibilidade e sentido que seriam pagos, no final do dia, pelo contribuinte, quando o Tesouro fosse chamado a capitalizar esses bancos para cobrir a inadimplência de empréstimos mal dados.

Bancos são o bode expiatório perfeito para governos incompetentes.

Diagnóstico errado

Esboço de um “plano econômico” do PT foi publicado hoje no Valor.

É incrível como, depois de dois anos da mais brutal recessão da história brasileira, os caras vêm com as mesmíssimas ideias que nos levaram para o buraco. Por exemplo, insistir no crédito às famílias como a alavanca que vai “despertar” a economia, em um contexto de alto endividamento.

A ideia de “usar o compulsório” mostra quanto esses caras não entendem como funciona o mercado financeiro. Os bancos não estão emprestando não por falta de funding, mas por falta de tomador! As famílias já estão super endividadas, e não tem mais como tomar empréstimos. Refinanciar para emprestar mais significa aumentar o endividamento das famílias, o que não se daria a um custo baixo. A não ser que os bancos públicos fossem usados para dar crédito “baratinho”, e já vimos onde isso termina.

A gênese dos juros altos

Imagine você a Febraban fazendo um anúncio de página inteira acusando as indústrias de cobrarem preços abusivos se comparados às suas congêneres globais. Por exemplo, comparando um carro ou um computador vendido aqui e lá fora.

Faz lembrar a verborragia da Dilma, que tentou baixar os juros na marra, usando os bancos públicos. Deu no que deu.

Enquanto não forem resolvidos problemas estruturais da economia brasileira, incluindo essa excrescência chamada BNDES, que irriga boa parte do caixa das empresas da FIESP com juros subsidiados, vamos continuar convivendo com juros altos.