Um conto de duas justiças

– No dia 20/08/2000, o então diretor de redação do Estadão, Antônio Marcos Pimenta Neves, assassina a ex-namorada, a também jornalista Sandra Gomide, com dois tiros pelas costas. Pimenta Neves é preso preventivamente por 7 meses, mas consegue liberdade provisória através de Habeas Corpus enquanto não é julgado.

– Em maio de 2006, Pimenta Neves é condenado em 1ª instância a 19 anos e 2 meses de prisão.- Em dezembro de 2006, o Tribunal de Justiça de São Paulo reduz a pena para 18 anos de prisão. Pimenta Neves recorre a um Habeas Corpus para continuar em liberdade enquanto todos os recursos não são julgados.

– Em setembro de 2008, o STJ confirma a sentença, mas reduz a pena para 15 anos de prisão.

– Em 24/05/2011, o STF confirma a pena das instâncias inferiores. Pimenta Neves começa a cumprir pena.- Em fevereiro de 2016, Pimenta Neves progride para o regime aberto por bom comportamento.

– Hoje o ex-jornalista tem 83 anos de idade, e cumpre pena em sua casa.


– Em 10/12/2008, os filhos de Bernard Madoff, um corretor bem-sucedido e diretor da NASDAQ, denunciam o pai às autoridades financeiras a respeito do que veio a ser a maior fraude do mercado financeiro norte-americano, um esquema que tungou bilhões de dólares de entidades de filantropia.

– Em 11/12/2008 Madoff é preso, mas paga fiança de US$ 10 milhões e fica em prisão domiciliar.- Em 12/03/2009, o juiz de 1ª instância revoga a fiança, e Madoff é preso em uma penitenciária regional. Os recursos para aguardar a sentença em liberdade não são aceitos.

– Em 29/06/2009, Madoff é sentenciado a 150 anos de prisão, a serem cumpridos em Penitenciária Federal. A sentença pode ser diminuída para 130 anos de prisão se houver bom comportamento.

– Hoje o ex-corretor tem 82 anos de idade, e cumpre pena em uma prisão federal em North Carolina, a cerca de 800 km de sua casa.


Vamos a um breve resumo dos dois casos:

Número de dias entre a confissão do crime e a sentença final:

– Pimenta Neves: 2.929 dias

– Madoff: 201 dias

Sentença:

– Pimenta Neves: 15 anos de prisão

– Madoff: 150 anos de prisão

Situação atual:

– Pimenta Neves: cumprindo pena em casa

– Madoff: cumprindo pena em penitenciária federal

Se você acha que a libertação de um traficante internacional de drogas com duas condenações em 2ª instância é apenas um acidente de percurso, pense novamente.

A justiça brasileira é uma piada de mau gosto. Mas, pelo menos, o Estado Democrático de Direito está preservado no Brasil.

O paraíso do crime

Cena 1: Bernard Madoff, ex-presidente da NASDAQ, era o gestor de um dos mais badalados fundos de investimento nos EUA, que produzia retornos bastante interessantes sem volatilidade alguma. Ou seja, uma espécie de mágica. Descobriu-se que era tudo falso, desde a contabilidade até os relatórios, e não se tratava de nada mais do que uma gigantesca pirâmide, no valor de 50 bilhões de dólares. O esquema foi descoberto, e no dia 11 de dezembro de 2008 Madoff foi preso em Nova York, tendo confessado o seu crime em 11 de março de 2009. Seu julgamento ocorreu em 28 de junho de 2009, e o fraudador foi condenado a 150 anos de prisão. Sem direito a recurso.

Cena 2: Pimenta Neves, à época jornalista do O Estado de São Paulo, assassina a também jornalista Sandra Gomide no dia 20 de agosto de 2000. Em 24 de agosto do mesmo ano, o jornalista confessa o crime. Depois de várias condenações e recursos, o STF condena Pimenta Neves no dia 23 de maio de 2011 a 15 anos de prisão.

A tabela abaixo resume tudo.

Recordei-me destes dois casos ontem, quando se discutia o indulto do presidente Temer. A justiça no Brasil é lenta e está cheia de fissuras bem aproveitadas por advogados regiamente pagos. Ano que vem a prisão em 2a instância será novamente discutida e mais uma fissura será aberta. E quando tudo o mais der errado, um indulto sempre pode resolver a questão.

O crescimento econômico não é apenas uma questão de políticas econômicas corretas. Os países que “dão certo” têm instituições que funcionam, sendo que a justiça para todos não é a menor delas. Se o crime compensa, por que respeitar as regras?

O Brasil é o paraíso dos criminosos que podem pagar bons advogados. A Lava-Jato foi apenas um breve interregno, em que sonhamos tornar o Brasil um país onde o crime não compensa. Moro é o ministro da Justiça, mas tem contra si todo um aparato formado por uma casta intocável. A luta é titânica para libertar o Brasil das corporações que o sequestraram. Não estou otimista hoje.