Os movimentos pró-democracia estão preocupados com o 7 de setembro. A tal ponto que abriram diálogo com os militares, para garantir que os arroubos autoritários não passem de ameaça.
Estou mais tranquilo agora. Os guardiões da nossa democracia não dormem, estão ”em vigília”. Eu realmente temia que o povo das manifestações do 7 de setembro, insuflado por Bolsonaro, Carla Zambelli e Carluxo, pegasse em armas e, com o apoio das nossas Forças Armadas, tomasse de assalto o Congresso e o Supremo, instaurando uma ditadura sangrenta e violenta.
Mais tranquilo ainda fiquei, sabendo que movimentos sociais pacíficos, como o MTST, estão prontos a cerrar fileiras ao lado dos verdadeiros democratas. No dia 10, o MTST e outros movimentos sociais e sindicatos democratas estarão nas ruas defendendo a nossa democracia. Segundo a reportagem, “também” estarão apoiando a candidatura Lula. Mas isso é algo secundário. O que importa, de fato, é saber que a sociedade civil, representada pelo MTST, continua firmemente ao lado da democracia contra os arroubos autoritários do bolsonarismo.
Na vida tudo passa. Esse grave momento de ameaça às nossas instituições ficará para trás, graças à vigília dos democratas. Então, quando voltarmos à nossa normalidade democrática, o governo poderá voltar a comprar votos no Congresso, saquear nossas estatais e apoiar movimentos sociais que, democraticamente, queimam pneus na Marginal Tietê e invadem propriedades privadas. Seremos, novamente, uma democracia plena, orgulho dos brasileiros.
Bolsonaro não resiste a uma casca de banana. Quando vê uma, corre em sua direção para escorregar. Foi o que aconteceu ontem. Cedeu às provocações de um crítico, saiu do carro onde estava e tentou tomar o celular de sua mão. Se o presidente continuasse em seu caminho, o evento estaria restrito ao público do, até ontem obscuro mas agora globalmente famoso, YouTuber Wilker Leão. Agora, temos a cena de um político truculento avançando para tomar o celular de um cidadão. Parabéns, presidente.
Mas essa não é a parte mais suculenta dessa história. Wilker Leão não é petista. Pelo contrário. É um YouTuber de direita, apoiador de Bolsonaro. Na verdade, apoiador da imagem que Bolsonaro construiu para si mesmo, mas que ele mesmo não segue. O destruidor do sistema, aquele que iria colocar a política brasileira em seu devido lugar, tornou-se a “tchutchuca do Centrão”. Wilker Leão é daqueles seguidores que não entendem o xadrez 4D jogado pelo presidente, uma estratégia que permitirá destruir o sistema alçando seus principais artífices aos mais altos postos do poder.
Mas o mais interessante veio na declaração que o YouTuber tricolor deu ao Estadão: esta seria a única forma de debater com o presidente, usando a sua própria forma de comunicação. Nada menos que brilhante. Bolsonaro se notabilizou pela sua espontaneidade, pela sua forma simples de falar, que beira muitas vezes à grosseria e que, muitas vezes, fere a sensibilidade dos espíritos mais sensíveis. O YouTuber, que bebe na fonte do presidente, usou do mesmo linguajar. Bolsonaro perdeu a esportiva, quando, na verdade, deveria ter parabenizado aluno tão aplicado.
O evento vai tirar votos do presidente? Pouco provável. Wilker Leão e seus seguidores mais radicais continuarão a votar na “tchuchuca do Centrão” contra o PT. Mas o episódio é útil para entender a natureza da fauna que orbita Bolsonaro.
O filme “O ano em que meus pais saíram de férias” conta a história de um garoto que fica sozinho depois que seus pais fogem da ditadura militar. Em uma determinada cena, os terroristas estão assistindo à primeira partida do Brasil na Copa de 70, contra a Tchecoeslováquia, que pertencia então à esfera de influência da União Soviética. Quando os tchecos abrem o placar, os rapazes reagem com frieza, dizendo coisas como “é isso aí”, “muito bom”, “esses milicos precisam aprender uma lição”, e coisas do tipo. No entanto, na medida em que o jogo vai avançando e o Brasil vai construindo a sua goleada, há uma transformação. No gol de empate, os rapazes ameaçam comemorar mas se contém. No último gol, no entanto, a festa é total, se abraçam, gritam gol feito uns loucos. Ou melhor, feito qualquer torcedor normal diante daquele esquadrão.
Lembrei dessa cena quando li essa reportagem sobre a tentativa das marcas de ”resgatar” o simbolismo da amarelinha, supostamente sequestrada por Bolsonaro e seus seguidores.
Antes, uma recapitulação da história.
A camisa da seleção ganhou protagonismo político bem antes da onda Bolsonaro. Foi, digamos, o uniforme dos movimentos pelo impeachment. Portanto, seu significado, antes do bolsonarismo, foi de antipetismo. Uma contraposição à cor vermelha dominante nas manifestações das esquerdas. A camisa da seleção veio bem a calhar para um público que queria usar as cores nacionais, verde e, principalmente, amarelo.
O uso da camisa da seleção foi constantemente ridicularizado pela intelectualidade. Não se conformavam com o “sequestro” de um símbolo nacional para derrubar uma presidenta petista. Diria que metade ou mais da culpa pela politização da amarelinha se deve à própria interpretação da esquerda ao fenômeno. A coisa só piorou de 2018 para cá, com a ascensão de Bolsonaro. Os bolsonaristas continuaram a usar a amarelinha, dessa vez para apoiar o seu mito. A camisa passou a ser símbolo bolsonarista, um significado mais estreito que o antipetismo original.
A campanha da Ambev pretende “resgatar” esse símbolo nacional. Isso significa tentar convencer os petistas (ou, de maneira mais geral, os antibolsonaristas) a vestirem a camisa para simplesmente torcer pela seleção. Guardadas as devidas proporções, é como tentar convencer um bolsonarista a assinar a Carta pela Democracia, dizendo que aquilo significa apoio à democracia e não apoio ao Lula.
Para que a campanha da Ambev funcione, são necessárias três coisas: 1) que o petista não se sinta constrangido ao passear com a camisa da seleção; 2) que, ao ver alguém passeando com a camisa da seleção, a maioria das pessoas não veja um bolsonarista em potencial e 3) que a seleção desperte algum entusiasmo nos brasileiros. Acho que, dessas três condições, a terceira é a mais difícil. Uma seleção como a de 70 poderia unir os brasileiros. Essa aí, difícil.
O professor Rodrigo Zeidan publicou um curto artigo na Folha, citando uma série de artigos acadêmicos que embasariam o desastre do governo Bolsonaro na administração da pandemia no país.
À parte o tom virulento do artigo, que o torna mais um panfleto partidário do que uma análise fria da situação, as citações do professor Zeidan são de difícil localização. Quer dizer, deve ser minha falta de jeito para procurar artigos acadêmicos. Dos artigos citados, só consegui achar um até o momento, More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic, de Ajzenman, Cavalcanti, Da Mata, analisando o efeito do discurso do presidente Bolsonaro em 15/03/2020 sobre o distanciamento social, achando um menor distanciamento após o discurso nos municípios onde Bolsonaro havia recebido mais votos.
Eu já conhecia este paper, e o seu problema, como todos os outros citados pelo autor do artigo, é ligar este fato (falta de distanciamento ou discursos do presidente) com o real aumento dos óbitos. Há, mais entre os bolsonaristas do que em outros grupos da população, dúvidas sobre a real eficácia do distanciamento social, do uso de máscaras e de vacinas como medidas para o combate à transmissão do vírus da Covid-19. Ligar o Bolsonarismo à não adoção de distanciamento social, ou da máscara ou de vacinas, portanto, é chover no molhado. O que realmente importa, no final do dia, é se morreram mais pessoas por conta deste fato. Ainda não vi nenhum artigo que fizesse essa ligação direta. Estamos em julho de 2022, já nos estertores da pandemia, e temos dados mais do que suficientes para fazer este tipo de estudo. Resolvi então, eu mesmo, armado de uma poderosa planilha Excel, tentar concluir algo com os dados até o momento.
A pergunta que este despretensioso artigo tem o objetivo de responder é a seguinte: teriam os bolsonaristas chegado a óbito em maior número do que a média da população durante a pandemia? Notem que não vamos entrar no mérito sobre medidas de prevenção, vacinas, discursos do presidente. Nada disso. A coisa é a mais simples possível: analisando o perfil dos óbitos, é possível tirar alguma conclusão?
Metodologia
Para identificar os bolsonaristas, usarei a mesma metodologia do paper citado acima: verificarei, município por município, a votação de Bolsonaro. Temos dados de óbitos por município, temos as suas populações e temos a votação. Basta procurar identificar se há alguma correlação positiva entre essas votações e o número de óbitos por Covid-19 nesses municípios.
Vamos a um exemplo numérico teórico para entender o conceito. Digamos que tenhamos 3 municípios com os seguintes números de óbitos acumulados até o momento (por milhão de habitantes):
Município A: 2.000
Município B: 2.375
Município C: 3.625
Agora, vamos verificar a votação dos 4 principais candidatos nestes 3 municípios:
Para compatibilizar esta tabela de votação com os óbitos dos municípios, precisamos estimar coeficientes que expliquem os óbitos (nossa variável dependente) com as votações recebidas pelos candidatos (nossas variáveis independentes). Podemos representar essa estimação pela equação a seguir:
As nossas incógnitas são os coeficientes a, b, c e d, que serão estimadas por uma regressão linear (mínimos quadrados) no Excel. Em nosso exemplo, para que a conta feche, os valores dos coeficientes devem ser os seguintes: a=30, b=15, c=5 e d=50. Veja:
Município A: 30 x 20 + 15 x 10 + 5 x 50 + 50 x 20 = 2.000 óbitos
Município B: 30 x 15 + 15 x 15 + 5 x 40 + 50 x 30 = 2.375 óbitos
Município C: 30 x 15 + 15 x 5 + 5 x 20 + 50 x 60 = 3.625 óbitos
Note que cada ponto percentual de voto em Bolsonaro representou 50 óbitos/milhão, enquanto cada ponto percentual de voto em Haddad representou apenas 5 óbitos/milhão. Este é apenas um exemplo teórico, montado para a conta dar exata. Mas veremos que seus resultados não são somente teóricos.
A primeira regressão, usando o total de óbitos de cada município e a votação dos 4 principais candidatos no 1º turno, resultou nos seguintes coeficientes (aproximados):
Ciro: 30
Alckmin: 16
Haddad: 7
Bolsonaro: 48
Rodei a regressão forçando o intercepto a zero, para repetir, da maneira mais fidedigna possível, o exemplo dado acima.
Para os econometristas de plantão, estes resultados têm p-value próximo de zero. Ou seja, são robustos, dentro dos limites do método utilizado. No final, vou sugerir alguns ajustes que não faço aqui por falta de instrumentos.
O resultado é muito próximo quando se controla pelo PIB/capita dos municípios. Tomei esse cuidado porque houve claramente uma clivagem de renda nas eleições de 2018, e talvez a regressão pudesse estar contaminada por esta clivagem.
Podemos observar que cada ponto percentual de voto em Bolsonaro resultou em 48 óbitos durante a pandemia, contra apenas 7 no caso de votos em Haddad. Ou, cada ponto percentual de votos em Bolsonaro significou 7 vezes mais óbitos, em cada município, do que cada ponto percentual de voto em Haddad.
Vamos à interpretação correta desse resultado: na média, considerando todos os municípios do Brasil, aqueles que tiveram mais óbitos foram aqueles com maior votação em Bolsonaro. O número em si NÃO SIGNIFICA que as pessoas morreram PORQUE votaram em Bolsonaro. Não há aqui nenhuma relação de causalidade, há apenas uma correlação. Vamos, mais à frente, gastar um tempo investigando possíveis interpretações para este resultado. Antes disso, vamos explorar algumas variações desse resultado.
Uma outra forma de vermos o mesmo resultado é rodarmos duas regressões separadas, uma com a votação de Bolsonaro e outra com a de Haddad, obteremos os seguintes resultados:
Agora não forçamos o intercepto a zero. Os números acima representam o seguinte: no caso da votação de Bolsonaro, o número-base de óbitos, na média, começa em 1.038/milhão, e cada ponto de voto em Bolsonaro significa 38 óbitos/milhão adicionais. Já no caso de Haddad, o número de óbitos começa em 3.907/milhão, e diminui em 34 óbitos/milhão a cada ponto percentual de voto em Haddad.
É interessante fazer recortes temporais e geográficos neste número.
Para um recorte temporal, segmentei esse coeficiente de Bolsonaro em semestres, conforme a tabela a seguir:
Podemos observar que a influência do voto em Bolsonaro no número de óbitos começa a ganhar força a partir de 2021. Para entender melhor, vamos comparar com a segmentação temporal do número de óbitos na pandemia.
Na última coluna da tabela, podemos observar que, em 2020, ocorreu 29% do total de óbitos até o momento na pandemia. No entanto, apenas 13% dos óbitos relacionados com o voto em Bolsonaro ocorreu em 2020. Algo começa a ocorrer a partir de 2021 para acelerar esse processo. E esse algo, na minha opinião, é a vacina. Mas vamos deixar as conclusões para a sessão de conclusões.
Do ponto de vista geográfico, também é interessante observar que os números de Bolsonaro diferem de estado para estado. É o que podemos ver na tabela abaixo, em que apresentamos o coeficiente de Bolsonaro DENTRO de cada estado:
Observe que em estados como Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o coeficiente do Bolsonaro é muito menor que o da média nacional, indicando que, nesses estados, não houve tanta influência do voto em Bolsonaro no número de óbitos. Por outro lado, em estados como Goiás, Minas Gerais, Ceará e Bahia, o coeficiente é bem maior, indicando uma influência maior do voto no número de óbitos. Difícil explicar por que isso acontece. Tentei fazer alguma correlação com a votação de Bolsonaro em cada estado (terceira coluna) ou o desvio-padrão da votação entre os municípios do estado (quarta coluna), mas não há como se concluir nada.
Conclusões
Todos os estudos citados pelo professor Rodrigo Zeidan no início deste post procuram, de alguma maneira, ligar o presidente Bolsonaro a comportamentos supostamente deletérios para o controle da pandemia. Na minha opinião, trata-se de uma abordagem fraca, por dois motivos:
Apesar de praticamente haver unanimidade científica em relação à efetividade de certos comportamentos (distanciamento social e uso de máscaras, por exemplo) para evitar a piora das condições epidemiológicas, esta não é uma unanimidade social. Há, principalmente entre os bolsonaristas, mas não somente entre eles, sérias dúvidas sobre este tipo de conduta. Relacionar a falta dessas condutas ao aumento de óbitos é um passo não aceito por todos.
Ligar as falas e atitudes do presidente ao comportamento de seus eleitores é algo que necessita de um aparato econométrico de difícil obtenção. O paper citado no início tem o seu mérito nesse sentido, mas ainda se trata de um pre-print sem revisão de pares, mesmo dois anos depois de sua primeira publicação, o que demonstra a dificuldade.
Por tudo isso, acho muito mais simples simplesmente ligar o número de óbitos diretamente à votação de Bolsonaro (e dos outros candidatos) nas eleições. Essa metodologia ultrapassa as duas dificuldades colocadas acima:
Estamos analisando diretamente o número de óbitos por Covid-19, independentemente do que levou à sua ocorrência, se foi falta de distanciamento, máscara, vacina, ou nenhuma dessas hipóteses. A morte é o resultado menos desejado por todos, bolsonaristas ou não, de modo que se trata de algo inconteste. E, com relação ao sempre citado problema da sub ou supernotificação (a depender de que lado se está), isto é irrelevante para este estudo, dado que estamos comparando Brasil com Brasil. A não ser que suponhamos que cidades mais bolsonaristas superestimaram o número de óbitos, o que não orna com a narrativa geral do próprio presidente e seus seguidores.
Não precisamos estabelecer relação causal entre as falas e atitudes do presidente com certos comportamentos de seus seguidores. Não importa o comportamento, o fato objetivo é que morreram mais pessoas em municípios que votaram mais em Bolsonaro.
É neste ponto que vem a parte mais importante deste post. Preste atenção.
Até o momento, o que fizemos foi um exercício de econometria básica. Não há, de maneira alguma, com base nesse exercício, como estabelecer relação de causalidade entre as falas e atitudes do presidente com o comportamento de seus eleitores. A única relação que se estabeleceu foi entre o voto em si e os óbitos posteriores. Pode ser que os eleitores de Bolsonaro sigam cegamente o que ele fala, mas há outra hipótese.
Em econometria, chamamos de variável oculta uma que não conseguimos medir, mas que influencia os resultados das variáveis que estamos medindo. Assim, encontramos uma relação entre as variáveis que estamos medindo, mas uma não causa necessariamente a outra. Há uma variável oculta que influencia o comportamento das duas. A hipótese aqui é que o eleitor de Bolsonaro escolheu Bolsonaro pelo mesmo motivo que escolheu adotar outros comportamentos que, no final, levaram ao óbito mais pessoas durante a pandemia. Existe um mindset por trás dessas escolhas, uma mistura, talvez (e aqui, assumo, já estou extrapolando as linhas desse pequeno estudo) de teorias da conspiração, desconfiança da mídia tradicional e da ordem institucional que tão bem caracterizam Bolsonaro e seu entorno. O ponto é que não precisava Bolsonaro ter falado em máscaras, distanciamento social ou vacinas. Estes foram temas recorrentes para este tipo de mindset, e Bolsonaro, digamos, foi apenas um catalisador dessa corrente. Serviu como um reforço pelo cargo que ocupa, mas longe de ser a origem do problema.
Enquanto se tratava de máscaras e distanciamento, a coisa estava mais para folclore do que algo realmente decisivo para os rumos da pandemia. O jogo começou a virar com a vacina. Aqui temos o erro fundamental de Bolsonaro e do bolsonarismo.
Como vimos na tabela 3 acima, os coeficientes que relacionam a votação de Bolsonaro aos óbitos são negligíveis em 2020. Ou seja, aparentemente não houve, neste primeiro ano, realmente nenhuma influência de seu discurso sobre o que interessa, o número de óbitos. A partir de 2021, no entanto, a coisa muda de figura. E a grande virada chama-se VACINA.
Aqui não se trata somente do discurso do presidente, aquela história de “liberdade” e “não vamos obrigar ninguém a tomar uma vacina experimental”. É que esse discurso encontrou uma forma peculiar de ver o mundo por parte dos seus eleitores mais fieis. É possível que, entre os eleitores de Bolsonaro, esteja a maioria dos que se recusaram, no início, a tomar a vacina. Pelo menos, é o que se deduz dos números acima. Assim, o discurso do presidente não prejudicou o país como um todo, mas somente aqueles que já pensavam como o presidente.
Bolsonaro fez exatamente o que seus eleitores mais fiéis esperavam que ele fizesse. De uma coisa não se pode acusar o presidente, de não ser fiel ao seu modo de pensar o mundo, compartilhado com seus eleitores. O triste é que, no caso das vacinas, isso aparentemente custou vidas.
Um esclarecimento final: quando comecei o exercício acima, não sabia o que ia encontrar. Estabeleci um compromisso comigo mesmo de publicar o que encontrasse, fosse o que fosse. Aí está.
Post Scriptum
Reconheço que este é um estudo limitado, produzido com as ferramentas disponíveis no Excel. Seria interessante que alguém que entenda de econometria pudesse pegar esses dados e fazer algo mais refinado em um software dedicado, tomando cuidados técnicos como efeitos fixos de municípios e estados, além de usar outras metodologias que não o de mínimos quadrados, que não é das mais robustas.
Bolsonaro nos revela que há um plano. Um plano que somente ele e seus apoiadores conhecem. Um plano que não envolve “um novo Capitólio”, mas algo a ser feito “antes das eleições”.
No que consistiria esse plano? O que “sabemos o que temos que fazer”? Se não é uma invasão ao Congresso ou ao STF, o que seria? Não consigo imaginar, mas deve ser algo muito eficaz para garantir a eleição do mito.
O que quer que seja, já é do conhecimento dos bolsonaristas, pois estes já sabem “como temos que nos preparar”. Fico cá imaginando como este plano foi comunicado a toda comunidade bolsonarista. Certamente não foi via redes sociais, pois senão já todos nós estaríamos sabendo. Não. Deve haver um canal secreto de comunicação, de modo que os bolsonaristas, e somente eles, “sabem o que têm que fazer”.
Político nunca mente. Político diz a verdade nas entrelinhas. Cabe ao interlocutor ler nessas entrelinhas. Tomar a valor de face o que político diz é querer ser enganado. Os que exigem sincericidio de políticos chamam de hipócrita o discurso que, como dizia Roberto Campos a respeito de biquínis e estatísticas, “mostram tudo e escondem o essencial”. A entrevista de Flávio Bolsonaro, hoje, no Estadão, é um exemplo acabado de mentira sincera. Destaco dois trechos.
No primeiro, o senador afirma que o pacote de bondades em tramitação no Congresso não tem nada a ver com as eleições, tendo como único objetivo “ajudar os mais pobres”.
Claro, claro. A coisa fica ainda mais ridícula quando vemos o bolsonarismo tentando nos convencer de que o país está indo de vento em popa, crescendo e gerando empregos. Pra que, então, o tal pacote? Mas nada seria capaz de fazer o político cometer sincericidio e admitir o fim eleitoreiro das medidas. Essa interpretação cabe ao interlocutor.
No segundo trecho, o senador afirma que Trump não teve nada a ver com a invasão do Capitólio. Seus seguidores simplesmente se insurgiram contra denúncias de fraudes eleitorais e o presidente não teria como controlá-los.
Aqui, a entrelinha não é tão explícita quanto no caso da PEC eleitoreira, mas também não é difícil de ler. Donald Trump passou o seu mandato inteiro desqualificando o sistema eleitoral norte-americano e, durante as eleições, repercutiu dezenas de boatos falsos a respeito de fraudes. (Tive a oportunidade de escrever um longo post a respeito, esclarecendo – para aqueles que querem ser esclarecidos – sobre cada um desses boatos). Além disso, o ainda presidente americano juntou uma galera ao lado do Capitólio para pressionar os senadores a não reconhecerem o resultado das eleições. Claro, ninguém ouviu uma ordem explícita do ex-presidente para a invasão. E precisava?
O paralelo com a situação atual no Brasil é cristalino. Ao dizer que o presidente não tem como “controlar seus seguidores”, o senador quer nos fazer crer que, depois de passar 4 anos dizendo que as eleições de 2018 foram fraudadas, que o sistema eleitoral brasileiro é vulnerável e, provavelmente, durante as eleições, espalhar boatos de fraudes, o presidente não terá qualquer responsabilidade por invasões a lá Capitólio ou qualquer outra manifestação violenta. Como se fosse necessária uma ordem explícita.
É óbvio que Flávio Bolsonaro nunca vai dizer explicitamente que a PEC em tramitação no Congresso tem fim unicamente eleitoral, ou que seu pai seria o responsável por manifestações violentas pós-eleições. Não precisa. Basta ler nas entrelinhas.
Grande parte da população brasileira tomou vacinas contra Covid.
“Urnas eletrônicas não são confiáveis!”
A contagem dos votos nas eleições brasileiras será feita pelas urnas eletrônicas e o resultado servirá para eleger os novos mandatários a partir de 2023.
“Pesquisas eleitorais não são confiáveis!”
Pesquisas continuarão guiando as estratégias eleitorais, como sempre aconteceu.
Deve ser muito frustrante conhecer a verdade e não conseguir convencer a maioria das pessoas.
É simplesmente impressionante a semelhança de discurso entre anti-petistas e anti-bolsonaristas. Posso dizer que tenho uma rede diversificada de amigos aqui, mais pendente para a direita mas, mesmo assim, com vários amigos que são anti-bolsonaristas convictos, além dos anti-petistas, que são em maior número.
Tanto anti-petistas como anti-bolsonaristas não são, em princípio, bolsonaristas e petistas respectivamente. Pelo menos, não se colocam como tal, chegam a tecer críticas a Bolsonaro e a Lula (respectivamente). Mas são vistos pelo outro lado como bolsonaristas ou petistas enrustidos.
Em ambos os casos, o voto em Bolsonaro ou Lula, respectivamente, representa a luta pela decência na política, pela verdadeira democracia, pela limpeza, na medida em que evita que o outro lado chegue, ou permaneça, no poder. O outro lado representa tudo o que é oposto a isso.
O mais incrível é que todas essas pessoas são decentes, trabalhadoras, cidadãos respeitáveis. Simplesmente não é possível que somente um lado seja desonesto intelectualmente ou tenha sido acometido de cegueira ideológica. O ponto é que veem o mundo de sua própria perspectiva, com seus próprios óculos.
Acho isso tudo fascinante. É realmente incrível como uma mesma realidade tenha o condão de gerar avaliações morais opostas. O ser humano é surpreendente.
PS.: tenho certeza que os comentários irão comprovar a tese.
A esquerda está em uma enorme enrascada do ponto de vista de simbolismos. O vermelho, que desde sempre representou o PT e outras siglas de esquerda, tornou-se um fardo difícil de carregar.
Em reportagem de ontem, o novo marqueteiro do PT sugere “desarvermelhar a sigla”.
Já tentaram isso na eleição passada. É tão crível quanto a Manuela D’Ávila comungando. Ainda mais depois de Alckmin ser flagrado cantarolando a Internacional Socialista. O vermelho está na alma.
Mas o buraco encontra-se mais embaixo, como diz o outro. O PT conviveu com o vermelho sem problemas até poucos anos atrás. As grandes manifestações pelo impeachment mudaram a equação. Mas, antes de continuarmos, voltemos um pouco no tempo.
As manifestações pelo impeachment de Collor também envolveram cores. No seu pior momento, o então presidente conclamou seus apoiadores a vestirem verde e amarelo nas ruas. Os caras-pintadas, por outro lado, se vestiram de preto para marcar o seu protesto. O preto prevaleceu, mostrando que o presidente não contava com o apoio das ruas. Collor tentou se apropriar das cores nacionais e não conseguiu. Mas foi o preto que venceu, não o vermelho.
Voltemos para 2015. As ruas foram tomadas por manifestantes vestindo amarelo. Essa era a cor predominante, ainda que não tivesse havido uma coordenação central, nem o pedido explícito de algum político, como havia sido o caso de Collor. O amarelo pegou como a cor das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Essa escolha incomodou e incomoda até hoje. Em 2018, a Paraíso da Tuiuti desfilou na Sapucaí um enredo sobre o “golpe”, vestindo uma ala com as “indefectíveis” camisas amarelas da seleção, os passistas sendo “manipulados” como se fossem marionetes.
A palavra “indefectíveis”, aqui, não está à toa. Essa exata palavra foi usada pela repórter na matéria que comentei mais cedo, para se referir às cores usadas pelos manifestantes na Paulista.
“Indefectível”, no caso, serve como termo pejorativo, indicando algo que se espera que aconteça, vindo de quem vem. Quase que uma vergonha alheia.
O incômodo cresceu quando as manifestações de apoio a Bolsonaro também passaram a ter a cor amarela como predominante. Parece uma continuidade das manifestações pró-impeachment, mas é apenas um subconjunto daquelas manifestações, que usa o amarelo como símbolo patriótico. No impeachment, o amarelo era usado como um contraste ao vermelho do PT. No apoio a Bolsonaro, como uma reafirmação patriótica. As duas coisas têm regiões de intersecção, mas não são exatamente a mesma coisa. Tanto é assim, que uma parcela relevante dos que apoiaram o impeachment vestidos de amarelo se recusam, hoje, a vestir as mesmas cores para apoiar Bolsonaro.
De qualquer forma, esse, digamos, novo uso das cores nacionais, exacerbou a reação da esquerda. Tivemos, por exemplo, a defesa da tese de que a seleção deveria mudar a cor da sua camisa para branco. Foi em um texto no blog do Juca Kfouri, em maio de 2020.
Caiu no vazio, obviamente. Mais recentemente, no entanto, temos visto manifestações no sentido contrário: não podemos deixar as cores nacionais serem sequestradas por um político. E que político!
A ideia desse texto nasceu de uma coluna de hoje de Robson Morelli, comentarista esportivo, que defende que o “verde-amarelo é de todos os brasileiros”.
Vai na mesma linha da manifestação de Anitta, que outro dia afirmou que ”as cores da bandeira pertencem a todos os brasileiros”, ela mesma vestindo verde e amarelo.
A quem escrevem Robson Morelli e Anitta? Óbvio: para a esquerda, que se sente constrangida em vestir as cores usadas por “golpistas” e “fascistas”. Mas essa não é a primeira vez que cores universais são, de certa forma, capturadas por certos grupos. O arco-íris, por exemplo, foi capturado pela militância LGBT. Hoje, ninguém pode usar roupas com arco-íris sem ser identificado como apoiador da causa. As manifestações de Morelli e Anitta são sinal de que o mesmo começa a acontecer com as cores da bandeira.
Existe algo que pode ser feito pela esquerda? Acho que não. Dizer que posso usar a camisa da seleção ou roupas verde-amarelo sem que isso signifique apoio a Bolsonaro é uma confissão de que a batalha já está perdida. A carga simbólica já está lá e, vamos ser sinceros, com a ajuda prestimosa da própria esquerda, que não se cansou de tratar com desdém os “patriotas com camisa da seleção”. O feitiço virou contra o feiticeiro, e agora tentam correr atrás do prejuízo.