Com os fatos não se discute

Existem, digamos assim, dois grandes campos em que a imprensa pode assumir posições desagradáveis.

O primeiro refere-se ao campo dos costumes e do comportamento. Estão neste campo o tratamento dado à segurança pública, o que é ou não homofobia, o debate sobre ideologia de gênero, a questão ambiental, e uma longa lista de etceteras.

Neste primeiro campo, existe o lado “progressista”, normalmente defendido por partidos de esquerda, e o lado “conservador”, normalmente defendido por partidos de direita (ou grupos, pois partido de direita, no Brasil, é que nem cabeça de bacalhau – o PSL foi criado ontem, é um catadão).

A imprensa, no que se refere a costumes, é claramente esquerda. Grande parte do que se publica em reportagens tem o viés dos “direitos humanos” e proteção de minorias. Existe uma pauta consensual que abarca e corrobora a agenda da esquerda. Coisas como considerar, por exemplo, que meninos e meninas podem ser diferentes, são consideradas como aberrações, não como um assunto a ser debatido entre dois lados igualmente capacitados. Aliás, toda a pauta conservadora é considerada uma grande aberração.

O segundo grande campo em que a imprensa pode causar desconforto é a crítica ao poder de plantão. Este papel da imprensa incomoda principalmente àqueles muito preocupados com o primeiro campo.

Uma parte dos petistas (aqueles que não tinham boquinhas a perder) estava genuinamente preocupada com o “retrocesso” que o impeachment poderia causar à pauta de comportamento e costumes. Por isso, os petistas negavam todas as notícias de corrupção do governo. Não podia ser verdade, era invenção de uma imprensa apenas interessada em derrubar o governo. A autonegação dos petistas era um sintoma de um apego a um mundo que não podia cair.

Esse longo preâmbulo se fez necessário para entender o que está acontecendo entre alguns bolsonaristas.

A clara distorção da fala da jornalista do Estadão, Constança Rezende, que foi acusada de ter admitido que seu objetivo era arruinar o governo Bolsonaro, é um exemplo claro de que alguns bolsonaristas caminham na mesma direção dos petistas. A fala está gravada (com ruídos e claramente truncada), e ela diz que o caso poderia arruinar o governo, não que ela tivesse esse objetivo. Mas o próprio presidente da República ajudou a disseminar a versão falsa.

O presidente, claro, tem interesse em proteger o próprio filho de suas eventuais enrascadas. Mas qual o interesse de alguns bolsonaristas em propagar uma versão claramente falsa? A mesma dissonância que acometeu os petistas: em nome de uma agenda de costumes, tudo vale para dar suporte ao presidente. É tudo invenção da imprensa esquerdista, que quer derruba-lo.

O que é preciso ficar claro é que a imprensa tem o papel de fiscalizar o governante de plantão. Isso independe de qual seja sua pauta de costumes. A mesmíssima autonegação que afetou os petistas está agora afetando alguns bolsonaristas. Não estou aqui negando haver viés da imprensa. Isso é uma coisa. Outra coisa bem diferente é negar fatos. E os fatos são que Queiroz está enrolado e Constança não disse o que disseram que ela disse.

Podemos debater tudo, menos fatos. Esses devem ser respeitados, sob pena do debate virar briga de torcida.

PT com o sinal trocado

Apesar de todas as promessas, ainda não ouvi um nome de empresa a ser privatizada no governo Bolsonaro. Mas acabamos de ser apresentados a mais uma empresa estatal a ser criada no próximo governo: a “Brasil Barômetro”. Como se não houvesse muitas e boas empresas de pesquisas disponíveis no mercado.

Ah, mas com Bolsonaro vai ser diferente, ele vai tratar as empresas estatais com seriedade.

Acredito. Sinceramente. O problema é que o governo Bolsonaro passa e a estatal fica. Ganha vida própria. E será usada, mais cedo ou mais tarde, como cabide de empregos e fonte de corrupção.

E o que significa “promoção dos veículos éticos e comprometidos com o Brasil”? O governo Bolsonaro pretende usar o dinheiro de nossos impostos para subvencionar veículos de comunicação simpáticos ao governo? O PT fez exatamente o mesmo.

São dois sinais ruins. Espero sinceramente que o governo Bolsonaro não seja um governo PT com o sinal ideológico trocado.

Não é comigo

Bolsonaro fixou o tuíte abaixo em sua TL. Parece que acordou para o problema que uma parte de seus correligionários vem causando à sua campanha.

E chama a atenção para um fato: a fabricação de agressões. Não que estas não existam, muito pelo contrário, que o diga o cidadão baiano morto a facadas. Mas a indústria de fake news está longe de ser uma exclusividade dos bolsonaristas.

Não precisamos de outra seita

Alguns eleitores do Bolsonaro surtaram em relação ao Amoêdo e seus eleitores. A coisa passou muito da crítica política, chegou à ofensa pessoal mesmo. E com argumentos que fariam o orgulho de qualquer petista, pelo seu descolamento da realidade.

Se o objetivo é virar votos para Bolsonaro, receio que seja um tiro no pé. Eu mesmo, que não tinha rejeição ao ex-capitão, estou começando a pensar duas vezes: se este é o tipo de reação que Bolsonaro gera em seus eleitores, então só mudaremos a seita empossada no Palácio do Planalto. E, definitivamente, não precisamos de outra seita.

Amoêdo e a Agenda 2030

Uma das “provas” do suposto “esquerdismo” de João Amoêdo seria seu apoio a tão falada “Agenda 2030 da ONU”. Não conhecia a tal agenda, mas comecei a ver menções cada vez mais frequentes a ela em ataques ao candidato do Novo. Não dei muita importância de início, dada a conhecida “agenda anti-globalista” de vários adeptos da candidatura Bolsonaro, inclusive com a extinção pura e simples da ONU. Não que eu discorde totalmente desse ponto, acho a ONU de uma inutilidade atroz, mas às vezes a coisa parece meio paranoica.

Como eu estava dizendo, não tinha muita curiosidade em ver a tal Agenda 2030, até que um amigo fez um comentário em um dos meus posts, questionando meu apoio a Amoêdo por conta do apoio dele à Agenda. Como tenho em alta reputação este meu amigo, fui atrás para conhecer um pouco mais.

Em primeiro lugar, Amoêdo, quando perguntado (está em vídeo no YouTube pra quem quiser ver), falou o óbvio: a Agenda 2030 foi assinada por 194 países do mundo inteiro, incluindo todos os mais desenvolvidos. Então não faz sentido o Brasil isolar-se, ficar de fora. Segundo, que a co-autoria da vereadora Janaína Lima, do Partido Novo, à implantação da Agenda na cidade de São Paulo, foi uma decisão dela, o Partido não tem orientação específica a respeito. Além disso, o Brasil aderiu à Agenda. Portanto, a cidade de São Paulo somente seguiu aquilo que, como país, o Brasil já tinha aderido. E, em terceiro lugar, Amoêdo disse que há pontos positivos na Agenda de maneira geral, ainda que possa haver pontos que não façam sentido. É este terceiro ponto que resolvi investigar.

A Agenda 2030 é formada por 17 grandes temas, divididas em 168 ações. Fui verificar uma por uma dessas ações, e o resultado está na tabela abaixo, onde procurei classificá-las pelo seu nível de “esquerdismo”. Cada linha é um grande tema, com suas respectivas ações.

Pintei em verde as ações que considerei corretas. Em amarelo, estão as ações que considerei populistas, ou que seguem a agenda ambientalista, ou ainda, que podem dar margem a algum nível de ação esquerdista. Por exemplo, bastou colocar a palavra “empoderamento”, já mereceu um amarelo, mesmo a ação sendo correta. E, em vermelho, ações que seguem claramente uma agenda esquerdista, seja nos costumes, seja na economia. Fica aqui o aviso de que são os MEUS critérios. Convido a que façam o mesmo exercício com os seus próprios critérios, ao invés de simplesmente ficarem repetindo bovinamente verdades ditas por influencers de YouTube.

Podemos observar que Amoêdo está certo em sua afirmação. De fato, grande parte da Agenda é positiva. No entanto, pode-se argumentar que algumas maçãs podres no cesto servem para estragar o cesto todo. É verdade. Mas também é verdade que vivemos em um mundo onde nem todos pensam de maneira igual a mim ou a você, e se não aprendermos a conviver com as diferenças de opinião, acabaremos isolados em nossa seita, vociferando contra o mundo, enquanto o mundo avança na direção do que a maioria quer. O que eu quero dizer é que, queiramos ou não, a Agenda existe, o Brasil aderiu a ela, e precisamos fazer desse limão uma limonada. Negar tudo e ficar isolado não é uma alternativa.

A Agenda tem uma linguagem suficientemente ambígua para abrigar interpretações positivas mesmo em ações claramente negativas. Por exemplo, a ação sobre os “direitos reprodutivos” e “planejamento familiar” claramente está lá para defender o aborto. Mas a palavra aborto não está mencionada, o que já é uma vitória, e uma fresta por onde pode passar a defesa da vida mesmo com a implementação dessa ação. Além disso, o aborto não precisa da Agenda 2030 para ser implementado, como temos visto em diversos países.

Eu encaro a Agenda 2030 como uma grande carta de intenções de políticos e burocratas. Aliás, a ONU é o paraíso da burocracia estatal. Sua implementação é tão segura quanto os programas de governo dos políticos em véspera de eleição.

A “denúncia” do tal “apoio” do Amoêdo a esta agenda é só mais uma tentativa de dizer que o candidato do Novo é um “esquerdista disfarçado”. Seria o mesmo que eu dizer que Bolsonaro é um “esquerdista disfarçado” porque não quer privatizar a Petrobrás e defende que o nióbio seja nacionalizado. Cada um sempre tem alguma ponta de “esquerdismo”. Se você procurar, vai achar.

Extrema-direita

Até mais do que no mundo físico, também na política tudo é relativo.

É o que observamos quando tentamos definir os conceitos de “esquerda” e “direita”.

Além de serem conceitos multifacetados, que envolvem tanto aspectos de moral e costumes quanto aspectos econômicos, definir alguém como “de esquerda” ou “de direita” parece depender da posição daquele que define.

Assim, por exemplo, o PSDB é um partido “de direita” para os petistas e “de esquerda” para os bolsonaristas. Isto o faz ser um partido “de centro” para quem não é nem petista e nem bolsonarista. Então, o PSDB é “de direita”, “de esquerda” ou “de centro”? Depende do ponto de vista de quem define.

Este raciocínio me veio à mente quando eu tentava entender os ataques dos bolsonaristas a Amoêdo. Para os apoiadores do ex-capitão, Amoêdo não é “suficientemente de direita”. Algumas posições ambíguas sobre alguns temas já o fizeram mais vermelho do que carro de bombeiro.

Bolsonaro seria a encarnação da “direita perfeita”, aquela sem mácula. Qualquer impureza já torna a pessoa “de esquerda”. Desconfio que, para piorar a situação, os bolsonaristas não perdoam Amoêdo por ter ousado não abrir mão da sua candidatura em favor do deputado do PSL, em uma “frente de direita”. Esta seria a prova final de seu “esquerdismo”.

Confesso que, não faz muito tempo, quando lia na imprensa que Bolsonaro representava a “extrema direita”, aquilo me incomodava. Como assim? Finalmente aparece alguém que não tem medo de se posicionar firmemente à direita do espectro político, e é apodado pejorativamente de “extrema-direita”? E o que faria de um Boulos simplesmente “esquerda” e de Bolsonaro um “extrema-direita”? Parecia-me tremendamente incorreto e injusto.

E outra questão se colocava: quem seria, então, “direita” no país? Teríamos “esquerda”, “centro” e “extrema-direita”. Do centro para a extrema-direita, sem escalas. Parecia algo sem sentido algum.

Parecia. Até que os apoiadores mais exaltados de Bolsonaro mostrassem a que vieram. Para estes, Amoêdo é “esquerda”. Como Amoêdo claramente está à direita do PSDB, então só tenho como concluir que Bolsonaro é “extrema-direita”, enquanto Amoêdo é “direita”. É uma questão de lógica. Repito, lógica a que me levaram as últimas reações de alguns apoiadores de Bolsonaro.

Não gosto de generalizações. Sempre são injustas. Tenho certeza que a maior parte dos apoiadores do Bolsonaro não apoia esses ataques ridículos a Amoêdo. Seria bom que aparecessem. Mesmo porque, desconfio, este é um modo contraproducente de ganhar votos.