A OAB não considera o exercício da advocacia como uma atividade econômica qualquer, regida pela lei da oferta e da demanda. Por isso, a defesa apaixonada do que seria, em qualquer outro ramo da atividade econômica, um cartel para prejudicar os consumidores.
Essa é a natureza do argumento: baixar preços seria, no final do dia, uma prática “puramente mercantil”, incompatível com a advocacia. A advocacia seria uma atividade tão nobre, tão pura, que não pode ser comparada com um armazém de secos e molhados. Não! Os nobres causídicos estão acima dessas realidades comezinhas que tocam apenas a nós, pobres mortais. Por isso, seus serviços não podem ser “vendidos” (desculpem-me o termo grosseiro) a qualquer preço.
O resultado disso, claro, é dificultar a vida de advogados com menor experiência, e que estariam dispostos a receber menos pelos seus serviços, além de, claro, levantar a barra de quem pode contratar advogados. O processo foi instaurado em 2005 (!) e só agora vai a julgamento, o que, por si, demonstra o poder da catchiguria de impor uma prática flagrantemente ilegal.
Abaixo vai a entrevista concedida por Luis Braido, relator do caso da Oi no Cade e voto vencido contra a venda da operação móvel da empresa para as suas três concorrentes. Se a qualidade de seu voto foi a mesma da dessa entrevista, não causa surpresa que tenha saído derrotado. Vejamos.
O relator começa dizendo que a margem de lucro das outras empresas gira ao redor de 40%. Este é um fact checking simples. Nos seus últimos balanços completos disponíveis (2020), observamos que a Vivo e Tim tiveram lucro líquido de 11%. A Claro não tem capital aberto no Brasil, então não achei o seu balanço.
E mesmo que tivesse sido de 40%? Qual o critério para definir a margem de lucro “razoável” para o negócio? Se é com base nessa “margem de lucro razoável” que as decisões são tomadas, seria mandatório definir o critério.
Em seguida, o conselheiro afirma que a Oi praticava uma política de descontos em suas tarifas, e que esta política provavelmente não terá continuidade. Bem, em primeiro lugar, talvez tenha sido por precisar dar descontos que a Oi foi à falência. Em segundo lugar, se a Oi realmente oferecesse preços menores ajustados pela qualidade do serviço, terminaria levando seus concorrentes à falência, monopolizando o mercado. Se, mesmo com tarifas mais baixas, a Oi não conseguiu atrair clientes em número suficiente para evitar a bancarrota, provavelmente a qualidade de seus serviços não compensava os preços mais baixos. Não existe almoço de graça.
O relator reclama que “as empresas estavam pouquíssimo dispostas a ceder”. Sério? O que ele esperava? Que as empresas assinassem um papel em branco apresentado pelo Cade? É muita ingenuidade para um membro sênior da administração pública. As empresas sabiam que tinham uma carta na manga, que era a falência da Oi, o que as deixaria virtualmente na mesma posição sem precisar conceder nada.
Aliás, o conselheiro chama de “terrorismo” a ameaça da falência da Oi. Segundo o bravo relator, somente os credores perderiam com a falência da empresa, não os consumidores. Oi? (sem trocadilho). É o mesmo que dizer que a morte do pai de família endividado é um problema só dos seus credores, não dos seus filhos menores. Um processo de falência descontinua, de uma hora para a outra, os serviços da empresa falida. Os usuários ficam na mão do dia para a noite. No processo de compra, pelo menos há uma transição ordenada, dando tempo para os usuários decidirem o que querem da vida. Fora que dizer “só os credores sairiam prejudicados” mostra uma incrível insensibilidade com os efeitos nefastos de um calote na economia das empresas e das famílias.
O relator tem uma bagagem acadêmica respeitável, é PhD por Chicago e professor da GV. Para o Cade, no entanto, talvez o perfil ideal de conselheiro, sem prejuízo de sua formação acadêmica, seja o requisito de ter encostado a barriga do balcão em um negócio de verdade, nem que fosse uma padaria. As discussões poderiam ser mais pé no chão, sem ideologias acadêmicas abstratas.
A história é a seguinte (leia aqui): Bolsonaro indicou dois conselheiros técnicos para o CADE, um indicado por Sérgio Moro e o outro por Paulo Guedes. No entanto, o presidente do Senado, o pequeno Davi, não gostou de não ter sido “consultado” antes das indicações. Como é o Senado que tem a prerrogativa de aprovar os nomes, criou-se um impasse.
Mas aí, acontece o plot twist: Bolsonaro, interessado na aprovação do 03 como embaixador em Washington (o que também depende de aprovação do Senado), retirou os nomes indicados para o CADE. Resultado: tudo parado, aguardando a “negociação” entre Bolsonaro e o pequeno Davi.
Nunca pensei que escreveria as palavras “negociação” e “Bolsonaro” na mesma frase. “Negociação” sempre foi sinômino de corrupção no léxico do capitão. Entretanto, bastou que estivesse envolvido algo realmente importante para o presidente, algo de muito significado, para que velhas convicções fossem jogadas ao mar.
Se era para negociar, que se fizesse desde o início. Não estaríamos com o CADE parado há um mês, com efeitos deletérios sobre a atividade econômica (recomendo a leitura do artigo no link). Mas não: Bolsonaro, como sempre, deu uma de durão, indicou sem negociar com ninguém, e agora resolveu recuar porque seus interesses pessoais foram contrariados.
Quem me acompanha aqui sabe que sempre considerei a negociação como parte da Política. Negociação não precisa necessariamente estar identificada com corrupção. Minha ficha caiu com relação a este governo no início da tramitação da reforma da Previdência, quando finalmente entendi que Bolsonaro não fora eleito para negociar com o Congresso. Seu exercício da Política seria feito através da imposição de uma agenda suportada pelo “povo nas ruas”, e pela indicação de quadros técnicos sem o aval de congressistas. Esperar que Bolsonaro adotasse a “velha política” da negociação era pura perda de tempo.
Descobrimos agora que a “nova política” serve somente para assuntos secundários, como a reforma da Previdência. Quando se trata de algo realmente importante, como a indicação de seu filho para a embaixada dos EUA, a “velha política” serve muito bem.