O capitalismo ético

Esse assunto finanças eticamente responsáveis me fascina. Ontem publiquei um post sobre a queda das ações da Natura, empresa nota 10 em sustentabilidade. Os investidores não pareceram muito sensibilizados pelo tema. Aliás, os clientes da Natura tampouco, caso contrário teriam topado pagar mais caro pelos seus produtos “corretos”. Não foi o que se viu, a julgar pelo balanço da empresa.

Hoje, um banqueiro catalão defende um “banco ético”. Na busca de exemplos do que seria essa tal “ética” das finanças, cita o caso de uma camisa de grife que usa mão de obra que trabalha em “condições desumanas” em Bangladesh. As pessoas deveriam evitar essa grife, por ser pouco ético.

Vou mandar a real aqui, e já aviso que pode ferir a suscetibilidade de corações mais sensíveis: se você deixar de comprar a camisa fabricada com a mão de obra de Bangladesh, essa mesma mão de obra ficará desempregada e perderá o pouco de renda que tem. A hipótese de que a fábrica da camisa irá pagar mais para essa mão de obra não existe. A empresa só tem uma fábrica em Bangladesh justamente porque a mão de obra é barata. Não há hipótese de usar mão de obra em Bangladesh com salários espanhóis.

A questão é: porque os salários em Bangladesh são menores do que na Espanha? Ora, porque é um país mais pobre, onde a mão de obra é, em geral, menos qualificada. Vai de cada país, através de decisões econômicas acertadas, sair do estágio de fábrica do mundo para o estágio de produtor de tecnologia. A China está conseguindo fazer isso, tanto que várias fábricas estão saindo de lá e se mudando para países como Vietnam, Camboja e Bangladesh.

Portanto, ser fabricante de camisas é um primeiro estágio. Não existe isso de saltar estágios, cada país precisa conquistar seu lugar ao sol. As tais “finanças éticas” não vão mudar essa realidade. Pelo contrário: ao deixar de consumir produtos fabricados por esses países, estarão negando a eles o ponto de partida. O que darão em troca? Cestas básicas?

Um segundo ponto, e que sempre levanto, é o seguinte: “ética” custa caro. Não comprar camisas fabricadas em Bangladesh significa pagar mais caro pelo produto. Quantos podem se dar a esse luxo? E essa lógica vale para toda a economia “ética”, dos orgânicos à energia limpa. Novamente, os mais pobres estariam alijados da sociedade de consumo caso a “ética” prevalecesse como lógica de mercado.

Termino com a frase de efeito do entrevistado: “o dinheiro não pode valer mais do que as pessoas”. Uma frase que arranca suspiros, mas que, se você tentar entender o que significa, se desmancha no ar. É o mesmo que dizer que “saúde não tem preço”, como se não custasse nada.

Talvez o entrevistado tenha querido dizer que “os lucros não podem valer mais do que as pessoas”. Aí sim, temos uma discussão. Os lucros são o combustível do capitalismo, aquilo que permite às empresas levantarem financiamento para as suas atividades. Já tivemos experimentos de sociedades que tentaram viver sem o lucro capitalista, e vimos no que deu. Sempre haverá a discussão de se os lucros são excessivos ou não. Sou daqueles que acreditam que o lucro excessivo chama concorrência, ainda mais no mercado de camisas. Ou seja, o lucro excessivo não é permanente. Mas concordo que se trata de uma discussão pertinente. O que não dá é contrapor lucro a pessoas, como se as pessoas fossem prejudicadas pelos lucros. Nada mais distante da realidade: sem lucros, não haveria empreendedorismo e, sem empreendedorismo, estaríamos vários degraus abaixo em termos de bem-estar. Inclusive, e principalmente, os mais pobres.

Enchendo os bolsos com consciência social

Não importa onde você leia uma análise da série Round 6. Pode ser positiva, negativa, focar no sucesso do audio-visual coreano ou na violência, pouco importa. Estará lá, indefectível, a alusão à “crítica ao capitalismo” ou à “desigualdade de renda”.

Se isto pode ser verdade para Parasita, está longe de sê-lo para Round 6. Na reportagem, os personagens são caracterizados como “desempregados em dificuldades financeiras”. Bem, não sei a que série o repórter assistiu. Na série a que eu assisti, o protagonista está super endividado porque é um tremendo de um preguiçoso irresponsável. A tal “sociedade capitalista” não marginalizou o sujeito. Ele se auto-marginalizou.

Ok, sem dúvida há um imenso fosso entre ricos e pobres, principalmente em sociedades onde alguns são tratados melhor do que outros pela lei. Por outro lado, tratar as pessoas como incapazes de melhorar suas próprias vidas através das suas escolhas livres, é falsear a realidade. Essa discussão sobre desigualdade de renda é um pouco como a questão do aquecimento global: todo mundo concorda que algo precisa ser feito, cobra dos governos alguma atitude, mas ninguém quer se mover um milímetro do seu lugar. O problema são sempre os outros.

O mais paradoxal nessas obras ditas de “crítica social” (a matéria cita também o filme Coringa) é que seu resultado prático final é concentrar ainda mais a renda nos bolsos dos seus produtores, no caso, a Netflix. A série Round 6 já vale quase US$ 1 bilhão, e os acionistas da empresa não devem estar reclamando. E se, como no caso, o dinheiro vem junto com uma “crítica social”, melhor ainda. Afinal, nada como ganhar dinheiro construindo um outro mundo possível.

Capitalismo na selva

Estudo patrocinado pela Natura mostra que o PIB das cadeias produtivas da “sociobiodiversidade” no Pará é 3 vezes maior que o PIB do próprio estado. Este PIB “oculto” não estaria sendo captado pelo IBGE porque o acesso aos produtores seria “muito difícil”, segundo a reportagem.

Bem, não tive acesso ao tal estudo, não conheço a metodologia. Mas sei que PIB é a soma de tudo o que é vendido para as pessoas. Portanto, imagino que o que deve ter sido feito foi encontrar os produtos das tais cadeias de produção no Pará (açaí, castanha do Pará, palmito etc) à venda em todo o país e somar seu valor de venda. A reportagem menciona a pesquisa em mercados de outros estados. Portanto, a diferença entre este “PIB” e o PIB oficial seria a diferença entre o valor de venda desses produtos para outros estados e o valor da venda nos mercados desses outros estados. Além disso, como várias dessas comunidades não devem ser registradas, sua produção não aparece no PIB oficial.

Mas o que mais me chamou a atenção na matéria foi a declaração final da diretora da Natura. Segundo sua avaliação, essas cadeias “biodiversas” são um exemplo de como é possível gerar riqueza sem “concentrar renda” e “gerar desigualdade”. Quase caí da cadeira.

Antônio Seabra e Guilherme Leal, fundadores da Natura, são literalmente bilionários, estão entre os 100 indivíduos mais ricos do Brasil com certeza. Mesmo a tal diretora deve receber um salário que um produtor de açaí do Pará nunca jamais poderá imaginar um dia ganhar. A Natura é a prova viva de como qualquer atividade produtiva, por mais socioambiental que seja, concentra renda.

Quem me acompanha aqui sabe que não tenho absolutamente nada contra que empresários se tornem bilionários, muito pelo contrário. Se conseguiram, foi porque tiveram habilidade para criar valor para os seus clientes. Não fossem Antônio Seabra e Guilherme Leal, provavelmente grande parte da “riqueza” natural brasileira continuaria enterrada na floresta, e várias comunidades não teriam a sua fonte de renda. Portanto, os bilhões dos donos da Natura são muito merecidos.

O que não dá é patrocinar esse conto-de-fadas idílico, em que os “povos da floresta” e as “comunidades ribeirinhas” podem explorar as riquezas da natureza sem agredir o meio ambiente e, ainda assim, ganhar muito dinheiro. Quem ganha dinheiro é o empresário que transforma e leva esses produtos para quem está disposto a pagar por eles. O resto é narrativa para sair bem na foto.

A função social dos empresários

Príncipe William dá lição de moral em Jeff Bezos e Elon Musk.

Outro dia (publiquei aqui), Lula escreveu o texto que acompanhou a indicação da empresária Luiza Trajano como uma das 100 personalidades mais influentes da revista Time. Lá pelas tantas, o ex-presidente saca o elogio máximo: Luiza não é desses empresários que queimam dinheiro em brinquedos espaciais. Não! Ela tem consciência social.

Príncipe William e Lula podem se dar as mãos. Ambos sabem melhor do que Bezos e Musk onde eles devem aplicar o seu dinheiro. Os dois estão entre os caras mais ricos do mundo, mas é o príncipe e o ex-presidiário que determinam onde é moralmente permitido investir.

Desde a década de 60, sabemos que o investimento em viagens espaciais têm relevância em muitas outras áreas. A tecnologia desenvolvida para levar um foguete até a órbita da Terra é usada em muitas outras atividades.

Além disso, o princípio da diversificação dos investimentos sugere que alguns empresários investirem em viagens espaciais é saudável. Afinal, pode ser que os investimentos para tornar a Terra habitável falhem, então é melhor ter um plano B. Se ninguém investir em viagens espaciais, lá na frente pode fazer falta.

Mas esses argumentos, apesar de importantes, são secundários. O principal é que ninguém designou príncipe William ou Lula como juízes morais dos investimentos de ninguém. Quem são eles para julgarem como Bezos, Musk ou qualquer outro empresário gera valor para a humanidade? Por trás desse julgamento há uma mal disfarçada ojeriza à atividade empresarial, que somente pode ser perdoada se cumprir uma “função social”. Função social esta, claro, definida pelos oráculos do bem, como príncipe William e Lula.

Claro que Jeff Bezos e Elon Musk estão C&A para o que pensam o príncipe e o plebeu. Ainda bem.