O futebol feminino e a lógica econômica

O governador de NY defende que, como as mulheres jogam um melhor futebol que os homens, deveriam ganhar mais. Essa seria uma lógica “econômica”. Receio pelos moradores de Nova York ter um governador com esse entendimento de “economia”.

Alguns dados: a liga masculina de futebol dos EUA é disputada por 24 equipes, com média de público de 22.173 pagantes em 2017. A liga feminina de futebol é disputada por 9 clubes. Não encontrei uma média de público mais recente, mas o recorde de público de todos os tempos foi de um jogo em 2016, com 23.403 pagantes. O seja, o público máximo em um jogo feminino foi a média do público na liga masculina.

E tem um detalhe importante: ao contrário do Brasil, onde a liga masculina foi fundada décadas antes da liga feminina, nos EUA ambas as ligas são praticamente contemporâneas. O primeiro campeonato da liga masculina ocorreu em 1996, enquanto o primeiro da liga feminina foi jogado em 2001. Ou seja, o tempo de desenvolvimento foi praticamente o mesmo.

Na verdade, a atual liga feminina foi fundada em 2013, sucedendo duas outras que foram fundadas anteriormente. A primeira teve duração curta, de 2001 a 2003, e fechou depois de acumular 100 milhões de dólares de prejuízos. A segunda também fechou após prejuízos. Para evitar o mesmo fim das duas primeiras ligas, a atual estabeleceu um TETO DE SALÁRIOS para as atletas.

A final da Copa do Mundo feminina foi assistida por 20 milhões de pessoas no Brasil e por 15,6 milhões de pessoas nos EUA, segundo dados da FIFA. A final masculina de 2018 entre França e Croácia foi acompanhada por 14,6 milhões de americanos. Ou seja, mesmo com a própria equipe na final, o público atraído foi praticamente o mesmo.

O governador de NY e todos os que defendem “equal pay” deveriam queimar os miolos para encontrar formas de tornar o soccer feminino mais popular nos EUA. Qualquer coisa diferente é mera militância política.

Mentalidade

Entrevista com a nova guru do pedaço, Kate Raworth, autora do best-seller “Doughtnut Economics – 7 ways to think like a 21st century economist”.

Não li o livro, mas já dá pra ver por onde vão os tiros só lendo a entrevista. As empresas estão dominadas pelo sistema financeiro, que exige crescimento contínuo de lucros a qualquer preço. Mas os jovens já não querem mais isso, querem trabalhar em empresas que “façam algo de bom para o mundo”.

Acho que o que resume a imbecilidade de tudo isso é a pergunta da jornalista (no caso, a Sônia Racy): “o que sugere para que ESSAS PESSOAS mudem?”

O problema estaria nos empresários e financiadores, que são maus por natureza. Não ocorre à entrevistadora que ela também faz parte do sistema. Tudo, desde o carro que dirige (ou o Uber que toma), passando pelo seu iPhone, até a refeição requintada que faz à noite, são produzidos e chegam até ela através de uma cadeia de produção gigantesca, que passa muitas e muitas vezes por empresas que estão buscando o crescimento de seus lucros. E que, não fosse isso, provavelmente estaríamos hoje tendo que sair para caçar toda noite o nosso almoço de amanhã, além de dormir em uma caverna sem banheiro.

Esse pessoal tende a ver as empresas e os empresários, juntamente com o sistema financeiro que os financia, como um bando de abutres, uma classe à parte, não solidária, responsável por tudo de mal que ocorre no mundo. Quando, na verdade, os empresários estão aí apenas para atender os desejos dos consumidores, entre os quais se encontram a jornalista e a economista do século XXI. Os consumidores somos os verdadeiros chefes, aqueles que mandam.

Somente acreditarei na boa intenção de qualquer um que venha a criticar o “capitalismo predatório”, se abrir mão de todas as benesses da civilização tecnológica, que não teriam sido possíveis sem a busca incessante por crescimento de lucros.

Cadê os americanos?

Lembro, no início da era dos telefones celulares na década de 90, do surgimento de uma empresa finlandesa revolucionária, que em pouco tempo dominou a indústria com seus produtos inovadores: a Nokia.

Passou o tempo (pouco tempo), e os celulares viraram commodities. A Nokia foi comida por baixo pelos coreanos (e depois pelos chineses) e por cima pela Apple. Dez anos após o seu auge, a Nokia havia desaparecido.

Sim, a tecnologia do 5G é detida por empresas chinesas e finlandesas. Cadê a empresa americana?

Eu respondo para o general Mourão: a empresa americana que vai dominar o próximo ciclo tecnológico ainda não surgiu. Está morando anonimamente em algum dormitório de uma grande universidade americana.

Lógica incompreensível

O território da Venezuela situa-se sobre as maiores reservas de petróleo do mundo. Maiores até do que as dos países do Oriente Médio. Mas falta gasolina nos postos de Caracas.

As gigantescas reservas de petróleo da Venezuela são comumente associadas à cobiça dos EUA, e motivo último de seus interesses sobre a região. Segundo a narrativa esquerdo-debiloide, os estadunidenses estariam interessados em implantar ali um governo-fantoche de modo a controlar as reservas. Por isso, estão estrangulando o regime chavista com um bloqueio econômico que está deixando à míngua a pobre população venezuelana.

A coisa não tem a mínima lógica. Senão, vejamos.

Apesar de estar sentada sobre as maiores reservas do mundo, as bombas de gasolina estão vazias. Por que? Ora, petróleo não é gasolina. É preciso encontrá-lo, tirá-lo da terra e refina-lo, em um processo industrial complexo, para que o ouro negro tenha alguma serventia. Caso contrário, só servirá para sujar as mãos de presidentes populistas em ridículas campanhas de “o petróleo é nosso”.

Pois bem. Para prospectar, extrair e refinar petróleo, são necessários capitais de risco. Como toda atividade econômica, a indústria de petróleo envolve riscos. Risco de encontrar poços vazios, risco da queda da produtividade de poços já funcionando, risco da demanda por combustíveis fósseis, risco do preço do petróleo no mercado internacional. Roberto Campos dizia que era uma imbecilidade colocar em risco o dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos em uma atividade que poderia muito bem ser financiada por capitalistas de risco. Mas enfim, essa foi a opção na maioria dos países. Em países desenvolvidos, como a Noruega, o dinheiro do petróleo foi usado para fazer uma poupança de longo prazo. Nos países cucarachos, foi gasto em uma orgia populista até o país quebrar, como foi o caso da Venezuela.

Como dizia então, para que o petróleo saia do solo e chegue aos tanques de combustível são necessários capitais. Capitais esses que, em um regime capitalista, estão nas mãos dos capitalistas de risco. Já em um regime socialista, os capitais têm origem nos impostos pagos pelos cidadãos. Ocorre que, como sobejamente sabido, os capitalistas são muito mais competentes no uso de seu próprio capital do que o Estado no uso dos impostos. Sem contar a corrupção do sistema.

Bem, a Venezuela optou por um regime socialista, e o petróleo é deles. Ao mesmo tempo, os chavistas culpam o bloqueio econômico duzamericanu pela situação de penúria do país, inclusive pela falta de gasolina. Ora, se os capitais estadunidenses não são bem-vindos, por que reclamar do bloqueio? O Estado venezuelano não teria capitais suficientes para produzir sua própria gasolina? Aqui reside a falta de lógica da argumentação esquerdista: ao mesmo tempo que rechaça o capital dos capitalistas, aponta o bloqueio econômico como fator fundamental para a penúria em que o país vive, ao não deixar entrar o capital que não é bem-vindo pelos venezuelanos. Vai entender! (Não vou aqui nem entrar no mérito dos capitais chineses que vêm sustentando a ditadura chavista. Afinal, imperialistas são os EUA).

Eu sei que tentar extrair alguma lógica de narrativa esquerdista é uma tarefa complexa. Mas não desistirei, continuarei tentando.

Quem realmente faz a diferença

Reportagem do NYT (traduzida no Estadão) conta a triste história de Peter Ashlock, motorista do Uber desde 2012. Ashlock não vai ficar bilionário como os fundadores do Uber, nem vai ganhar rios de dinheiro como os investidores Softbank e Fidelity. Triste.

Seria trágico se não fosse cômico.

Isso me faz lembrar a introdução de um livro de Scott Adams, criador das tirinhas do Dilbert, chamado O Princípio Dilbert. A tese de Adams é simples: o mundo tem, no máximo, umas 10 mil pessoas realmente inteligentes. O restante são idiotas como eu e você (e o autor se coloca entre os idiotas), que são bem treinados para apertar botões e fazer funcionar as coisas criadas pelos 10 mil caras inteligentes. Este é o mundo.

Olhe o mundo à sua volta. Praticamente 100% do que você consome você não faz a mínima p. ideia de como chegou até você. O mundo todo é fruto do intelecto de uma meia dúzia de gênios que conseguiram transformar ideias em indústrias. E não se trata do tipo de gênio que tem uma brilhante ideia. Como diz o fundador do Nubank, em matéria de hoje no Valor Econômico, um produto é 5% ideia e 95% execução. Ideias são commodities, ele diz, todo mundo tem. O diabo está em transformá-las em algo que dê lucro e seja sustentável economicamente.

Voltando ao pobre Ashlock: motoristas de Uber se encontram aos milhões, basta estalar os dedos. Fundadores de Uber, por sua vez, fazem parte daquele universo de 10 mil inteligentes que mudam o mundo. Por isso, merecem ficar bilionários, enquanto nós, os intercambiáveis Peters do mundo, suamos para pagar as contas no final do mês.

Peter Ashlock dirige para o Uber há 7 anos. Não saiu do sistema, apesar de odiá-lo, porque certamente não encontrou algo melhor. Se o Uber não existisse, provavelmente Peter Ashlock estaria trabalhando em outro lugar, mas com o mesmo ressentimento. O problema não é o Uber. Peter estaria ressentido em qualquer lugar, achando que vale mais do que realmente vale.

Marx convocou todos os operários do mundo a se unirem. Onde isso aconteceu, a vida inteligente (os 10 mil que sustentam o mundo) desapareceu, e o sistema entrou em colapso. Este é o mundo onde “todos são iguais”.

Essa é a realidade. Se você acha muito dura, pode tomar a pílula azul e voltar ao seu mundo onde um motorista do Uber é equiparado ao fundador da empresa, como faz a reportagem do NYT.

Quanto vale um CEO?

A reportagem era sobre o retumbante sucesso do novo filme da franquia Marvel, primeiro filme a ultrapassar um bilhão de dólares de bilheteria no fim de semana de estreia.

Mas não poderia deixar de haver dois parágrafos com a “polêmica” criada pela “ativista” Abigail Disney, que sugeriu que parte dos ganhos do CEO da Disney deveria ser repartido com os funcionários que ganham menos. Abigail, como o sobrenome sugere, é herdeira do império Disney.

O que é o CEO de uma empresa? Gosto de compará-lo com um maestro. Eu não entendo nada de orquestra sinfônica, e fico confuso com a proeminência dada ao maestro. São para ele principalmente as palmas, é ele quem entra por último e para ele vai toda a deferência da plateia. E o cara não faz mais do que mexer um pauzinho no ar! Para o leigo, como eu, os músicos estão tocando sozinhos, e o maestro fica ali só fazendo aquelas piruetas.

Mas sabemos que não é assim. Cada músico ali pode ser um virtuoso de seu instrumento. Se não estiver ali o maestro, aquilo se transforma em uma cacofonia insuportável. Basta ouvir o momento da afinação dos instrumentos, antes do início da peça. O maestro junta as peças em um todo harmonioso, que pode chegar a fazer inveja aos anjos. Mérito dos instrumentistas? Sim, mas, principalmente, mérito do maestro.

Assim também em uma empresa. São poucos, muito poucos, no mundo, que nasceram para serem CEOs de sucesso. Não é nada fácil ficar mexendo o pauzinho no ar, e a empresa funcionar como música. É preciso capacidade de liderança, visão, formação de equipes que funcionem e entreguem resultados. Não é fácil. Não é nada fácil.

Bob Iger, CEO da Disney desde 2005, liderou as aquisições da Pixar, Marvel e Lucas Films, criando um império de franquias cinematográficas. As ações da Disney valiam US$20 quando Iger assumiu, e ontem fecharam a quase US$140. Sete vezes mais, uma valorização de mais de 15% ao ano nesse período. Em dólares. Para comparação, o S&P500 valorizou-se 140% no mesmo período, ou 6,7% ao ano.- Ah, mas o mérito é de todos os funcionários, que deveriam receber mais pelo seu trabalho.

Com todo respeito aos funcionários da Disney, todos eles muito simpáticos e trabalhadores, atendentes de bilheteria se encontram aos milhões em todo o mundo. Inclusive, tem muito filho da classe média brasileira que daria o dedo mindinho pra trabalhar uma temporada nos parques Disney. Basta ver o concorrido processo de seleção para summer job. Agora, um CEO como Bob Iger, que cria valor para os acionistas e mantém milhares de empregos bem remunerados, trata-se de uma agulha no palheiro. E sim, 15 dólares/hora é um senhor salário, mesmo nos EUA. Quantos no mundo não adorariam ganhar uma fração disso?

Abigail Disney é “cineasta”, e dedica sua filmografia a “temas sociais”. Sua fortuna é avaliada em meio bilhão de dólares, o que deve bastar para financiar sua “luta”. Pelo menos enquanto Bob Iger continuar trabalhando para gerar os lucros que a sustentam.

Consertando o capitalismo

Com a queda do Muro de Berlim (já lá se vão 30 anos!), sumiram do mapa (com a exceção dos lunáticos de sempre) os que defendiam o socialismo como uma alternativa viável ao capitalismo.

Mas a academia é pródiga em criar “soluções” para “consertar” o capitalismo. A ideia mais nova na praça é a dos “leilões permanentes”.

O plano seria mais ou menos o seguinte: todas as propriedades precisariam necessariamente ter um “preço de venda” associado. O proprietário pagaria um imposto sobre este preço de venda, de modo que haveria um incentivo para que este preço não fosse demasiadamente alto. Assim, qualquer um que quisesse comprar aquela propriedade, poderia fazê-lo por aquele preço. Isto, em tese, aumentaria o giro da propriedade na economia, prevenindo a formação de monopólios e diminuindo as “desigualdades” (efeito mágico que logo chama a atenção dos militantes de sempre). Todos os bens privados passariam a ser, na prática, públicos, através de um mecanismo que é um dos motores do capitalismo: os leilões.

Tentei imaginar a coisa. Eu tenho um apartamento. Este meu apartamento, que comprei com anos de poupança do meu trabalho, deveria ter um preço associado. Como eu não quero vendê-lo, colocaria um preço não convidativo, pagando o respectivo imposto. O efeito líquido, no limite em que ninguém quisesse vender suas propriedades, seria o aumento da arrecadação de impostos. Até aqui, trata-se apenas de mais uma forma de tungar o cidadão.

Mas digamos que eu perca o emprego e não consiga mais pagar o imposto sobre a propriedade. Serei obrigado a baixar o preço para deixar de pagar o imposto, deixando de ter uma das poucas garantias de bem-estar durante o período de desemprego.

– Ah, mas o favelado ou o sujeito que mora de aluguel já não têm essa garantia.

Você pode ter certeza de que quem vai comprar o meu imóvel por esse sistema não será o favelado. O comprador será alguém capitalizado, só esperando o momento de dar o bote. O autor do livro diz que se inspirou nas desigualdades do Rio para parir suas ideias. Pois bem, não consigo pensar em nada mais concentrador de renda do que esse sistema: quem já tem capital claramente tem vantagem sobre quem não tem, se todas as propriedades devem ser vendidas compulsoriamente. Por um motivo simples: quem já tem capital, pode pagar impostos mais altos por mais tempo. Claro que a coisa mudaria de figura se todo o capital fosse redistribuído a zero de jogo. Mas aí voltamos ao bom, velho e utópico comunismo.

O problema comum a todas essas ideias “mágicas” para consertar o capitalismo ou a teoria econômica é que a prancheta não consegue mapear todas as consequências não intencionais das ações propostas. No caso, mapeei uma, mas certamente existem muitas outras.

Confesso que não li o livro ainda. Procurarei fazê-lo, porque posso estar sendo injusto e não ter entendido a ideia. Não dá para julgar alguém por uma reportagem de jornal. Depois de ler, volto aqui e comento.