Incentivos never die

Hoje deparei-me com anúncio de página inteira da Abiquim – Associação Brasileira das Indústrias Químicas, reivindicando a continuação do REIQ – Regime Especiação da Indústria Química. Trata-se de uma isenção de imposto para empresas do setor.

Este incentivo foi criado em 2013, no governo de Dilma Rousseff, que entendia tudo de incentivo à indústria. Hoje, os incentivos fiscais totalizam algo em torno de 4,25% do PIB. Em dinheiro, isso significa cerca de R$ 320 bilhões, ou 10 vezes o gasto com o Bolsa Família. No gráfico abaixo, podemos observar que houve um aumento de cerca de um ponto percentual do PIB em renúncias fiscais entre os anos de 2011 e 2014, no primeiro governo Dilma. Em dinheiro de hoje, foi um aumento equivalente a R$ 100 bilhões.

O que é um incentivo fiscal? É uma renúncia de cobrança de imposto. Cobrar menos imposto não deixa de ser interessante. Melhor do que cobrar mais, não é mesmo? O problema ocorre quando se cobra menos imposto mas não se diminui despesas do outro lado. Tem-se, então, um aumento da dívida pública, que deverá ser pago com mais imposto no futuro, seja imposto explícito ou implícito (inflação).

Os defensores dos incentivos fiscais se dividem em duas categorias: as indústrias beneficiadas e os economistas desenvolvimentistas. As indústrias beneficiadas apoiam os incentivos por definição. Como diz o anúncio de página inteira, paga com os incentivos, estes são importantíssimos para manter a competitividade da indústria e os empregos gerados.

O que nos interessa é o argumento dos economistas desenvolvimentistas, que defendem os incentivos de maneira desinteressada. O racional é simples: é importante que o Brasil desenvolva certas indústrias e regiões. Infelizmente, a nossa carga tributária, despreparo da mão-de-obra, direitos trabalhistas e infraestrutura precária não permitem que essas indústrias/regiões compitam de igual para igual com indústrias localizadas em outras regiões/países. Então, é preciso incentivá-los.

Há dois problemas com esse raciocínio: 1) A escolha arbitrária das indústrias/regiões e 2) A solução encontrada para a falta de competitividade.

Existe uma fé quase divina por parte dos economistas desenvolvimentistas de que o governo consegue escolher aqueles setores que “merecem” incentivos. Seriam setores que multiplicam o investimento mais do que outros, ou que desenvolvem tecnologia útil para a soberania do país. Então, estes setores precisam ser incentivados para aumentar a produtividade da economia como um todo.

O problema óbvio é que nada garante que o governo esteja correto. Aliás, pelo contrário: a julgar pelos resultados alcançados, acho que podemos cravar que as escolhas do governo são, na maioria das vezes, incorretas.

E o pior: subsídios não morrem jamais. Quando é para morrer algum subsídio, todo o lobby se junta para impedir. Este anúncio de hoje é só um exemplo. A campanha contra a “taxação do sol” é outro. E assim por diante. Quando a iniciativa privada faz um investimento, avalia se está dando certo ou não, e rapidamente corta o prejuízo, se houver. No caso do subsídio não: eles permanecem eternamente, independentemente da sua eficácia, que não é sequer medida por critérios objetivos de produtividade. O argumento da manutenção do incentivo é sempre os “x mil empregos criados”, como se outros empregos não estivessem sendo eliminados nas empresas que não recebem os subsídios.

Este é o segundo ponto, para mim o principal: ao invés de investir em soluções horizontais, que beneficiem todos os setores econômicos, o governo sai pelo lado fácil: escolhe alguns setores “campeões”, deixando o restante na chuva. Ou pior: os setores que não recebem incentivos precisam pagar mais impostos ainda, pois as despesas não diminuíram, lembram? Isso gera distorções de alocação de capital que diminuem a produtividade da economia como um todo.

A carga tributária é de mais ou menos 33% do PIB. Portanto, os incentivos fiscais representam mais de 12% da carga tributária. Ou seja, se todos os incentivos fossem eliminados, a carga tributária de TODOS poderia ser reduzida em 12%. É só esse o tamanho do prejuízo.

Enfim, esse é um assunto sobre o qual não tenho a mínima esperança de que algo vai mudar. Os nossos presidentes do passado, do presente e do futuro, todos concordam que é preciso “incentivar setores”. E vão continuar fazendo isso. Se você não trabalha em um “setor incentivado”, fique feliz com as supostas “externalidades positivas” geradas pelos incentivos. É o que nos resta.

PS.: para ver uma lista completa de todos os incentivos em vigor, clique aqui.

O que importa é a carga tributária, não o imposto

Está rolando (mais) um ranking de preços internacionais do iPhone. É o ranking do site de comparação de preços Nukeni, mostrando que o iPhone 12 256Gb custa R$ 9.500 aqui no Brasil, contra R$ 5.167 nos EUA. A revolta é geral.

As duas reportagens que li hoje sobre o assunto se concentram na crítica ao imposto de importação, que encarece desproporcionalmente o produto em terras tupiniquins. Acho que as duas reportagens erram o foco.

Não tem dúvida de que o imposto de importação encarece os produtos. Mas sabemos por experiência própria todos os que já viajamos e fizemos compras nos States, que as coisas são sempre mais baratas lá, mesmo comparando com preços de produtos produzidos no Brasil. Roupas, eletrodomésticos, carros, enfim, tudo. Não precisa ser importado para ser mais caro.

Por que isso acontece? A resposta está no gráfico abaixo, retirado de um relatório elaborado pela Receita Federal.

O problema não está tanto na carga tributária, ainda que este seja um ponto importante sobre o qual falaremos em seguida, mas na distribuição dessa carga. Compare a carga tributária sobre bens e serviços do Brasil em relação à média da OCDE: 14,3% contra 11,1% do PIB. Nos EUA, essa mesma carga tributária é de apenas 4,3% do PIB. A diferença lá é cobrada sobre outros fatos geradores, principalmente renda. Ou seja, nos EUA e outros países desenvolvidos, há mais cobrança sobre a renda das pessoas do que sobre os bens e serviços produzidos.

Aqui no Brasil, portanto, os produtos são mais caros, mas o imposto de renda é muito menor. Assim, quando a classe média chora o iPhone caro no país, está analisando apenas um lado da equação. O outro lado é que paga menos imposto de renda do que seu equivalente norte-americano ou europeu. O resultado é que sobra mais dinheiro no bolso do brasileiro (ajustado pela renda de cada país), para gastar em produtos mais caros.

No final do dia, o que faz sentido é a comparação entre cargas tributárias totais. A distribuição do imposto, se pagamos sobre a nossa renda ou sobre os produtos que compramos, do ponto de vista estritamente econômico, importa pouco. Claro que esta é uma simplificação: o nosso sistema tributário é tão caótico, com tantas exceções e regimes especiais, que o nosso consumo é sim influenciado pelas escolhas dos produtos privilegiados. Mas, do ponto de vista de renda total disponível para consumo, o que importa é a carga tributária total do país.

Assim, não chore pelo iPhone caro. Chore pela carga tributária de 33% do PIB, equivalente à média dos países ricos e cerca de 10 pontos percentuais acima da média dos países da América Latina. Nos EUA, a carga tributária é de 25% do PIB. Antes do Biden, claro. E prepare seu bolso: ou você acha que essa dívida pública monstruosa que temos será paga com controle de gastos?

PS.: Não comentei, mas uma grande carga tributária sobre bens e serviços acaba sendo um instrumento de concentração de renda, na medida em que o imposto está embutido no produto, independentemente se é comprado pelo rico ou pelo pobre. Ou seja, o pobre acaba pagando a mesma coisa que o rico, mesmo tendo uma renda menor. Se o imposto fosse sobre a renda, o rico pagaria mais. Por isso, o nosso sistema tributário é altamente regressivo e concentrador de renda. E isto não está endereçado por nenhuma reforma tributária em análise no Congresso.

Em banho-maria

Antes de comentar a declaração de Maia, vamos desenhar o contexto.

O Estado brasileiro gera déficit fiscal primário desde 2014, e ainda vai gerar por mais uns dois anos, pelo menos. Serão quase 10 anos em que o Estado brasileiro não cabe dentro dos impostos arrecadados, tendo que se endividar para pagar suas contas. Isso, com uma carga tributária equivalente a 35% do PIB, a maior, de longe, entre os países emergentes, e comparável a países ricos, como Reino Unido e Alemanha.

Durante esse período, a dívida pública saiu de 55% do PIB (que já era de longe a maior dívida entre os países emergentes) para quase 80% do PIB, nível de dívida comparável ao de países muito mais desenvolvidos, com taxas de juros muito menores. A dívida só não continuou aumentando porque aprovamos uma medida extrema, o Teto de Gastos, o BNDES devolveu uma parte do dinheiro emprestado e conseguimos diminuir as taxas de juros após uma política monetária responsável, que domou a inflação. Mesmo assim, 80% do PIB é uma dívida de gente grande.

Agora, a fala de Maia. Como um liberal responsável, ele não defende o endividamento irresponsável. Não. Ele defende a continuidade das reformas justamente para abrir espaço no orçamento para o investimento estatal. Segundo ele, só com o investimento privado, o Brasil não vai a lugar algum.

Segundo o pensamento de Maia, não há espaço para a redução da carga tributária. O Estado precisa gastar o dinheiro liberado pelas reformas para investir. O pibinho seria uma evidência de como o investimento estatal é essencial para o Brasil crescer. Não lhe ocorre que, com o Estado consumindo a poupança nacional (lembre-se, geramos déficit primário há 6 anos), com uma carga tributária escorchante e um nightmare tributário e jurídico sem paralelo no mundo, pedir investimento privado é quase uma ato de fé. Mas não, o problema é que o “investimento privado não resolve”. Bem ou mal, Maia representa a banda mais liberal do Congresso, aquela que não demoniza a iniciativa privada. Se ele pensa desse jeito, imagine a média do Congresso…

Ontem, ao ser perguntado sobre o pibinho pelos jornalistas, Bolsonaro soprou no ouvido do humorista carioca a resposta: Posto Ipiranga. Para bom entendedor, meia palavra basta: Paulo Guedes é o fiador dessa política liberal, que busca tirar o Estado de atividades produtivas para abrir espaço ao investimento privado. O pibinho, se continuar (e, ao que tudo indica, vai continuar) será cobrado politicamente do ministro da Economia por um presidente que nunca teve convicções liberais. Ontem, Bolsonaro colocou o Posto Ipiranga no banho-maria. E vai aumentar a temperatura da panela daqui para frente.

Vem, Colômbia!

Segundo o Heritage Foundation, a carga tributária da Colômbia é de 16% do PIB. Seguindo recomendações de “organismos internacionais”, o país vai aumentar a sua carga tributária em 3 ou 4 pontos do PIB e usar os recursos “de maneira inteligente”. De maneira inteligente, suponho, significa “tirar dos ricos e dar aos pobres”, através de programas sociais.

Bem, se serve de exemplo, a carga tributária do Brasil, segundo a mesma fonte, é de 34% do PIB. Aqui, estamos aumentando a carga tributária desde 1988, e mesmo assim ainda geramos déficit primário. Ou seja, mesmo com essa montanha de arrecadação, os “usos inteligentes dos recursos” são tantos, que falta dinheiro. Mas, pelo menos, temos um serviço público exemplar, estamos todos muito satisfeitos. Vem, Colômbia!

Explicitando a derrama

Estudo do IPEA concluiu que a alíquota de um teórico imposto sobre consumo seria de 27% para compensar todos os outros impostos que deixariam de existir. Seria uma das mais altas do mundo, só perdendo para os suspeitos de sempre, tipo Suécia.

Essa alíquota explicita o tamanho do peso do Estado na economia brasileira. Isso sem contar o imposto de renda, que não seria extinto. O pesquisador ainda diz que seria possível diminuir um pouco o IVA se o IR fosse aumentado. Gênio.

Bem, essa notícia é de ontem. Destaco notícia de hoje, em que um grupo de trabalho da Embratur chegou à brilhante conclusão de que as passagens aéreas são caras no Brasil por causa dos impostos.

Bem, qualquer grupo de trabalho de qualquer setor brasileiro chegaria à mesma conclusão. Claro que, por trás do trabalho da Embratur, estará um pedido do setor de diminuição de impostos. Como a carga tributária total não pode diminuir, o conjunto dos outros setores seriam onerados. Mas, como é de praxe, o governo populista cacarejaria apenas os “incentivos ao turismo”. O fato incontornável é que os impostos sobre o consumo representam mais de um quarto de tudo o que se consome, entre bens e serviços.

A Inconfidência Mineira foi detonada pela cobrança do “quinto”, um imposto de 20% sobre a extração do ouro. Já estamos pagando 27% sem saber. Entende-se o grande receio da Corte em escancarar esse número.

O tamanho da carga tributária

As discussões em torno da “nova” CPMF desnudam o problema de fundo do País: a carga tributária é muito alta. Exageradamente alta. Pagamos cerca de 35% do PIB em impostos, contra 20% no Chile, 16% no México, 27% na Coreia e 25% na Turquia, países mais ou menos comparáveis.

O efeito disso é que fica cada vez mais difícil “esconder” impostos. A criatividade para “aumentar a base de arrecadação” (eufemismo para esconder impostos) não tem limites, como se viu no caso da CPMF. A oneração da folha de pagamentos é um exemplo: o imposto fica lá, longe dos olhos do grande público. Até que fica claro seus efeitos deletérios sobre a atividade econômica. Mas, e aí é que está o problema, se o imposto for compensado pelo aumento da alíquota sobre a venda dos produtos, ficará claro para todos quanto custa manter aquela arrecadação: seria maior que a maior alíquota da OCDE! A CPMF era uma forma esperta de esconder essa realidade.

A verdade é que tanto faz onde está o imposto. Se continuar onerando a folha de pagamento, este imposto continuará a ser embutido no preço dos produtos, diminuindo o poder de compra dos trabalhadores, do mesmo jeito que se o imposto fosse cobrado diretamente sobre a venda. O problema é a carga tributária em si, não a forma de cobrança do imposto.

Para resolver este problema, somente um grande programa de redução de despesas resolve. Estamos gastando tempo e energia filtrando o mosquito, enquanto o camelo da carga tributária continua lá, tranquilo, sem ser incomodado.

– Ah, mas um país com as carências do Brasil precisa ter programas sociais que mitiguem o problema da pobreza.

Precisamos acabar de nos convencer de que, em um país pobre como o Brasil, os impostos saem do bolso dos pobres. Todos esses “impostos escondidos”, no final do dia, oneram os produtos e serviços comprados pelos mais pobres. O Estado brasileiro tira escondido de um bolso e devolve para o outro bolso com estardalhaço. No meio, aumentamos os lucros das empresas da Zona Franca de Manaus, pagamos o miserê dos procuradores de MG e sustentamos as falcatruas do Petrolão. Se ainda o dinheiro tirado do bolso do pobre voltasse para o bolso do pobre, seria menos mal. Mas nem isso.

Começamos a arranhar o problema com a aprovação da Reforma da Previdência, mas ainda há muito, muito o que fazer. O governo precisa liderar esse debate, ao invés de perder tempo e energia com malabarismos para trocar o bolso de onde os impostos são extraídos.

Resolvendo o problema da pobreza

Para colocar “fim à pobreza”, bastariam R$ 120 bilhões por ano. Isso equivale a aproximadamente 5% da atual arrecadação de impostos. Ou seja, bastaria aumentar a carga tributária dos atuais 32,5% do PIB para aproximadamente 34% do PIB. Não parece ser um impacto relevante.

Mas a coisa não é tão simples assim. Como os impostos não poderiam ser cobrados dessa parcela mais pobre, este aumento da carga deveria ocorrer sobre os 75% mais ricos. Portanto, este aumento deveria ser de 6,66% para essa parcela da população. Continua não parecendo impressionante. Vamos seguir.

Este aumento de impostos deveria se dar na forma direta. Se cobrar indiretamente (sobre produtos e serviços) os mais pobres pagariam também, anulando parte do efeito pretendido.. Então, a alíquota do IR deveria ser aumentada para os 75% mais ricos. Em quanto?

A arrecadação do IR pessoa física é de aproximadamente R$ 120 bilhões/ano. Ou seja, se o IR da pessoa física fosse majorado para “resolver” o problema da pobreza no Brasil, as alíquotas deveriam ser dobradas.

Uma outra forma de resolver o problema é remanejar despesas. O Bolsa-Família, por exemplo, distribui R$30 bilhões/ano para os mais pobres. Para “resolver o problema da pobreza”, este valor deveria ser quintuplicado, para R$150 bilhões/ano. Ao mesmo tempo, a União gasta R$300 bilhões/ano com servidores públicos federais. Ou seja, se estes servidores reduzissem seus ganhos em 40%, estaria resolvida a questão da pobreza no Brasil.

Poderíamos diminuir também os gastos com previdência. A União gasta R$750 bilhões/ano com aposentadorias. Bastaria que os aposentados aceitassem um abatimento de 16% nos seus vencimentos para “resolver o problema da pobreza no Brasil”.

Como vimos, por traz de números aparentemente irrelevantes (aumento de 5% na carga tributária) escondem-se ajustes brutais. Como também puderam observar, coloquei entre aspas o objetivo de “resolver a pobreza”. É muito estreito o conceito de “pobreza” definido como um montante de dinheiro. O que faz o brasileiro mais pobre é a falta de emprego, educação, saneamento básico e segurança pública. Colocar mais dinheiro na mão dos brasileiros pode mitigar certos desejos de consumo de curto prazo, mas essas pessoas continuarão sendo pobres. Amanhã, a tal “barra” que define a linha da pobreza vai subir, e voltaremos a ter pobres no país.

É simplesmente uma ilusão achar que vamos acabar com a pobreza quintuplicando o bolsa-família. O programa tem seus méritos como um programa emergencial, mas a pobreza continuará existindo se continuarmos a ser um país pobre.

Questionamentos sobre a carga tributária

Na superfície parece exatamente o mesmo fenômeno: motoristas protestando contra os preços dos combustíveis. Vivemos isto em maio.

Quando os caminhoneiros fizeram o seu movimento no Brasil, o preço dos combustíveis sofria dois choques: o preço do barril de petróleo superava os US$ 80 e o real havia se desvalorizado mais de 30% em relação ao dólar no ano. A Petrobras repassou esses dois choques para os preços dos combustíveis e estourou a insatisfação dos caminhoneiros.

Mas parece esquisito que o protesto francês tenha vindo à tona justamente quando o preço do petróleo atinge as mínimas do ano, por volta de US$ 50 o barril. Ocorre que, na França, o protesto não é contra o preço do combustível. Lá, o problema são os impostos que incidem sobre os combustíveis, com o objetivo de financiar energias limpas que não se sustentam economicamente.

Além disso, parece que a coisa se transformou em um protesto contra impostos de maneira geral. A perda de poder aquisitivo causada não pela inflação (que na França é baixíssima), mas pela alta carga de impostos, parece ter atingido algum limite.

A carga tributária da França era de 48% do PIB em 2015, segundo dados compilados pela Heritage Foundation. É uma das cargas mais altas do mundo. Superiores a este número temos apenas os paraísos do bem-estar social: Dinamarca (51%), Finlândia (54%), Noruega (55%) e Suécia (50%). Outros países europeus têm carga tributária semelhante. Por exemplo: Bélgica (48%), Alemanha (45%), Itália (44%), Áustria (43%). Por que então foi na França que explodiram esses protestos contra a carga tributária? Sei lá, talvez porque a França seja o berço das revoluções. O fato é que parece existir uma espécie de “malaise”, um mal estar geral com o tamanho da carga tributária. E isso em um país que entrega serviços públicos de primeira. Imagine no Brasil.

Estes protestos parecem-se mais com os protestos de 2013 do que com a greve dos caminhoneiros. O estopim foi o preço do ônibus, mas depois a coisa se tornou um protesto geral contra o governo e seus impostos muito mal gastos.

A carga tributária do Brasil, segundo o mesmo levantamento, era de 34% do PIB em 2015. Comparada com países semelhantes – África do Sul (27%’), Argentina (25%), México (24%), Colômbia (16%) – é excessivamente alta. É comparável com países como Japão (36%) e Reino Unido (34%). É bem mais alta, inclusive, do que a carga tributária dos Estados Unidos (26%).

De onde vem essa sensação (na verdade, uma constatação) de que a carga tributária não está adequada? Tributos nada mais são do que a transferência para o Estado de um grau de liberdade do indivíduo. Quando pagamos um imposto, delegamos ao Estado o que fazer com o fruto do nosso trabalho. Então, a revolta pode se dar em dois níveis: sobre as decisões do governo (que é quem opera as decisões do Estado) e sobre a própria delegação de poderes para o Estado. Na França, a coisa parece ser uma revolta contra o próprio conceito de imposto. No Brasil de 2013, os protestos eram mais na linha de exigir do governo serviços melhores em troca dos impostos.

O ponto disso tudo é que se trata de uma grande ilusão. Pagamos impostos para que o Estado supostamente patrocine políticas que beneficiem aqueles que não conseguem gerar receita por conta própria, como é o caso daqueles que tiveram azar na loteria da vida e nasceram em famílias mais pobres. O que ocorre, no entanto, é que o Estado é sequestrado por corporações dos mais diversos tipos, que agindo em nome dos “direitos adquiridos”, têm poder imenso sobre a máquina arrecadatória. Pagamos impostos para sustentar as aposentadorias dos mais ricos e os salários dos funcionários públicos, todos ganhando muito mais do que seus pares na iniciativa privada. Além de subsidiar os setores e indústrias que plantam seus lobbies em Brasília.

No Brasil, a coisa complica ainda mais pelo simples fato de sermos um país pobre. 34% de um PIB per capita medíocre significa uma arrecadação medíocre que, mesmo com toda a honestidade e competência do mundo, estaria longe de satisfazer o estado de bem-estar social prometido pela Constituição de 1988. Os líderes da socialdemocracia mentiram para o povo esse tempo todo, tentando nos convencer de que era possível ter serviços públicos de 1o mundo em um país com renda medíocre. E o tamanho do Estado para tentar esse objetivo enterrou de vez as chances do país de se tornar um país de renda alta.

Bolsonaro se elegeu prometendo diminuir a carga tributária. Vamos ver como se sai enfrentando as corporações. Não sou otimista. Os protestos na França parecerão um passeio no parque quando o país descobrir que diminuir a carga tributária e aplicar corretamente os impostos não são uma questão de boa vontade do governante de plantão.

O candidato do povo

Essas são palavras de Jaques Wagner, um cara até considerado “moderado” pelo mercado.

Todos os sonhos arrebatadores contidos no programa de governo do PT são financiados por três agentes: o contribuinte (que paga impostos), o mercado financeiro (que empresta dinheiro para o governo) e o povo mais pobre (que tem o seu poder de compra reduzido pela inflação quando nenhum dos outros dois agentes topa a brincadeira).

O contribuinte já mandou avisar que não quer mais impostos.

O mercado também já mandou avisar que vai se curvar sim, mas é para pegar a sua malinha e ir embora.

Adivinha para quem vai sobrar?