A roda-gigante da democracia

A respeito do meu post sobre a democracia no Brasil e a probabilidade de “virarmos uma Venezuela”, vários seguidores desta página argumentaram mais ou menos na seguinte linha: o judiciário está mancomunado com o PT, e é só uma questão de “quando”, não de “se”, vamos virar uma Venezuela. Meu argumento, naquele post, era de que o centro político (não confundir com o “centrão”, ainda que este último faça parte do primeiro) é muito forte no Brasil, e não tolera extremismos. Nosso problema é patrimonialismo, não extremismo.

A confirmar essa visão, uma matéria e uma coluna de hoje no Estadão trazem aspas importantes. A matéria, sobre o “isolamento de Lula na cúpula do Mercosul”, traz falas de Carlos Siqueira e Luciano Bivar, repercutindo as declarações de Lula sobre a Venezuela. Bivar é um expoente do Centrão, mas Siqueira é nada menos que o presidente do PSB, demonstrando que o centro político é mais abrangente que o “centrão”.

Mas o mais importante, e que ganhou pouca repercussão, foi o tuíte do decano do STF, Gilmar Mendes, publicado logo após Lula ter afirmado que a democracia seria um “conceito relativo”, e reproduzido na coluna de Marcelo Godoy. O mesmo Gilmar Mendes que impediu Lula de assumir a Casa Civil no governo Dilma e foi instrumental para que Lula fosse solto e recuperasse seus direitos politicos, esse mesmo Gilmar agora mostra o cartão amarelo ao presidente. É a roda-gigante a que me referi no meu post.

Godoy, em sua coluna, afirma que Lula perdeu o habeas corpus que tinha para falar o que bem entendesse no momento em que os direitos políticos de Bolsonaro foram cassados. Lula era o que havia à mão para o sistema se livrar de Bolsonaro. Agora, Siqueira, Bivar e Mendes alertam que a licença de Lula expirou.

Os grupos de renovação política e os partidos

Já tive oportunidade de escrever sobre este assunto por ocasião da expulsão de Tabata Amaral e Felipe Rigoni do PDT e do PSB na época. Minha opinião era de que a democracia no modelo ocidental é representativa e gira em torno de partidos. Outros países até admitem candidaturas avulsas, mas estas não costumam ir muito longe. Eleições são empreendimentos grandes e custosos, e é difícil alguém sozinho ter sucesso. O caso de Bolsonaro em 2018, que foi praticamente um candidato avulso, foi uma exceção à regra.

Pois bem. Os tais “movimentos de renovação política” criaram uma jabuticaba: o parlamentar avulso dentro de um partido. O truque foi a assinatura de uma tal “carta compromisso”, que libera o congressista para ter suas próprias posições sem ser punido pelo partido. Foi esta carta compromisso que livrou Tabata Amaral e Felipe Rigoni de perderem seus mandatos ao saírem de seus partidos.

PDT e PSB são partidos ideológicos (mais o primeiro do que o segundo). Ambos fecharam questão contra a reforma da Previdência. Isso não deveria ser surpresa para ninguém, mas Tabata e Felipe se filiaram a esses partidos assim mesmo. Provavelmente procuravam partidos de esquerda (afinal, quem não é esquerda no Brasil é porque não tem coração) mas queriam manter uma visão moderna dos problemas econômicos. Uma contradição em termos.

Os caciques do PDT e do PSB avisaram que não vão mais aceitar “cartas compromisso”, no que estão muito certos. Costumamos reclamar que ao Brasil faltam partidos fortes, definidos ideologicamente. Então, PDT e PSB avisaram que não têm mais espaço para parlamentares com suas próprias ideias. Quer dizer, pode debater à vontade, mas a votação é definida pelo partido nos temas que importam.

Isso favorece os caciques? Sim. Não está satisfeito? Funde o seu próprio partido. Marina Silva, por exemplo, se indispôs com o cacique do PV e tentou fundar o seu próprio partido. A Rede hoje corre o risco de morrer de inanição. Em 2018 elegeu 14 parlamentares no Brasil inteiro, contra 31 do PV.

Há também a possibilidade de se filiar a um partido-ônibus, onde cabem todas as opiniões. PMDB, PSD e o novo União Brasil são exemplos. Felipe Rigoni entendeu a mensagem e vai se filiar ao União. Já Tabata Amaral se filiou ao PSB, o mesmo PSB que puniu Rigoni pelo mesmo motivo que ela, Tabata, foi punida pelo PDT. Pode parecer uma contradição, mas o coração tem razões que a razão desconhece.