Motoristas “irregulares”

O que são “motoristas irregulares”? São aqueles que não têm a autorização de alguma autoridade para circular. Não têm o chamado “registro”.

O Uber, quando começou, foi acusado pelas associações de taxistas de ser “irregular”. Os motoristas da plataforma não tinham o “registro” requerido para carregar passageiros. A lógica do mercado foi soberana, neste caso. Em um mercado onde a oferta é restrita e os preços são regulados, falta o produto. Era esse o mercado de táxis no Brasil antes do advento do Uber. Não à toa, um “registro” de taxista chegava a valer algumas centenas de milhares de reais em São Paulo. Este era o valor para a “reserva de mercado”.

O Uber chegou para acabar com essa lógica, aumentando a oferta de motoristas. A única forma de fazê-lo era empregando motoristas “sem registro”. A bem da verdade, essa é a situação até hoje. Um motorista do Uber, para se cadastrar na plataforma, precisa apenas ter um carro em determinadas condições. Não é necessário um “registro” junto às autoridades.

Agora, os usuários do Uber vêm enfrentando o mesmo problema que os usuários de táxis enfrentaram no passado: escassez de oferta. Com as margens apertadas pelo aumento do combustível, os motoristas têm “selecionado” as viagens que lhe interessam, quando não dispensado totalmente a intermediação da plataforma, como é o caso dos motoristas “irregulares” de Guarulhos. Estes motoristas estão apenas atendendo a uma demanda reprimida, que não é atendida pelos táxis ou pelo Uber.

A reportagem não cita reclamação de um usuário sequer, a não ser um em um site de reclamações, que diz que pagou R$600 em uma corrida, mas não deixa claro quais foram as circunstâncias. Quem se coloca contra são os suspeitos de sempre, os taxistas, que veem ameaçado o seu monopólio em Guarulhos, parcialmente reconquistado em função da deterioração do Uber.

Chamar de “irregulares” esses motoristas é prestar homenagem ao Brasil cartorial, que demanda o carimbo da “otoridade” para qualquer atividade econômica. Os usuários que pegam carona com um desses motoristas o fazem de caso pensado. Estão dispostos a eventualmente pagar mais para ter o conforto de chegar mais cedo em casa. Quem não quer pagar a mais, pode continuar aguardando um táxi (que é caro também) ou tentar a sorte no Uber. Existe uma demanda, por isso a oferta está lá. Mas, pelo visto, no Brasil, continua sendo pecado atender à demanda do consumidor.

Um cartório pra chamar de seu

Peguei um Uber agora pela manhã.

O motorista me contou (eu não sabia) que a Câmara de Vereadores de São Paulo está discutindo um projeto para limitar o número de motoristas de aplicativos na cidade.

Surpreendentemente, ele é a favor do projeto. Segundo ele, existem hoje 300 mil cadastrados no sistema, mas somente 130 mil são “Uber full time”, o resto dirige como um bico ou complemento de renda. Ele acredita que, limitando aos 130 mil “profissionais”, o serviço para o usuário iria melhorar, seria um “ganha-ganha”.

Tentei argumentar que, limitando o número de motoristas, poderia haver falta do serviço justamente nos momentos de pico, como saída de shows ou horário de rush. Ele tentou me convencer que não, pois os motoristas “profissionais” dirigiriam mais horas nestes casos.

E qual seria o critério de seleção? Simples: seria pela nota e pela taxa de cancelamentos. Aí argumentei se o próprio aplicativo já não faz essa peneira, se precisaria de uma lei. No que ele retrucou: o aplicativo não faz isso, precisa de uma lei.

O Uber veio para acabar com o cartório dos táxis e revolucionou o transporte público nas grandes cidades. Agora, a prefeitura vai criar o cartório dos Ubers. Afinal, todo brasileiro quer um cartório pra chamar de seu.