A solução já existe

Prevaleceu o bom senso, e Maia decidiu engavetar o projeto que tabela os juros do cheque especial e do cartão de crédito. Mas o presidente da Câmara exige dos bancos uma “solução” para o problema.

Ocorre que essa solução já existe: chama-se crédito pessoal. Qualquer um pode substituir o saldo do rotativo do cartão ou do cheque especial por uma linha de crédito pessoal, que normalmente conta com taxas muito mais baixas. Aliás, a regra do rotativo do cartão já conta com uma linha de crédito pessoal embutida: se depois de 30 dias o cliente não saiu do rotativo, o banco é obrigado a oferecer um parcelamento daquele saldo.

Mas (e tem sempre um mas), para grande parte das pessoas que rodam sua vida no cheque especial e no rotativo do cartão, o problema está no déficit de seu orçamento pessoal. Depois de renegociar a dívida, essas pessoas voltam a usar o cheque especial e o rotativo, simplesmente porque não conseguem controlar seus gastos.

A diferença fundamental entre o cheque especial/rotativo do cartão e o empréstimo pessoal está na exigência, por parte deste último, de pagamentos periódicos. O crédito pessoal tem dia para terminar, enquanto o cheque especial e o rotativo podem ser rolados ad eternum sem que o nome do devedor vá para o Serasa. Por isso, essas linhas são mais caras, é muito mais difícil o banco reaver o dinheiro.

No limite, o problema dos juros do cheque especial e do rotativo acabariam com o fim desses produtos. Seria um tombo na receita dos bancos, mas serviria como um poderoso elemento disciplinador para a população: as pessoas seriam obrigadas a rever suas despesas, não seria tão fácil fazer dívidas. Tabelar os juros seria uma forma de fazer isso, pois os bancos deixariam de oferecer esses produtos ao preço tabelado. Na verdade, é até uma pena que esse projeto não vá para frente.

Extorsão

Sem dúvida, os juros cobrados no cheque especial e no rotativo do cartão de crédito são extorsivos. Maia tem razão.

Mas se o jabuti está na árvore, alguém colocou lá, ele não sobe sozinho.

O cheque especial e o rotativo do cartão são duas linhas de crédito que chamamos de “clean”. Ou seja, não tem garantia nenhuma, se o devedor não pagar, é muito difícil para o banco ter o dinheiro de volta. Por isso, são as linhas mais caras do mercado.

Além disso, são duas linhas que atraem o devedor mais arriscado, aquele que já não tem outras linhas de crédito disponíveis e, normalmente, entrou em uma fase de descontrole de suas finanças. É o que chamamos de “seleção adversa”, em que a chance do devedor não pagar a sua dívida é maior do que em outras linhas de crédito.

Mas não para por aí.

Maia levanta uma distorção no cartão de crédito: o tal do “parcelamento sem juros”, uma jabuticaba bem brasileira. Claro que tem juros, que são pagos por quem não paga a fatura em dia, aumentando o custo do crédito. Neste caso, porém, o “culpado” não é o banco. Todo o comércio, com seus grandes players e suas associações, faz lobby pesado para que essa distorção continue. Afinal, é mais fácil vender coisas em “10 vezes sem juros, no cartão”.

Está em discussão no Congresso um teto para a taxa de juros cobrada no cheque especial. 20%, 30%, tanto faz. O fato é que, qualquer que seja o teto, os bancos analisarão a viabilidade econômica do produto, e poderão tomar uma entre três decisões: 1) continuar a oferecer o produto cobrando os juros do teto, 2) simplesmente descontinuar o produto ou 3) continuar a oferecer o produto, mas aumentando os juros de outros produtos para compensar a rentabilidade perdida.

A adoção da alternativa 1 significaria que os congressistas têm razão, e os bancos podem sim cobrar menos por essas linhas. Acho pouco provável, mas, enfim, é uma possibilidade.

Nas alternativas 2 e 3 os bancos vão procurar manter a sua rentabilidade. Afinal, a regra imporá um teto para os juros do cheque especial, não que os bancos operem com remuneração de capital abaixo daquele exigido pelos acionistas. Simplesmente descontinuar o produto parece ser uma alternativa radical e uma afronta política. O mais provável parece ser o subsídio cruzado (mais um!), em que os devedores de menor risco subsidiam os juros dos devedores de maior risco. Haveria um aumento geral do custo do crédito.

A alternativa 3 traz um “moral hazard” de brinde: com taxas mas baixas, as pessoas se sentirão menos intimidadas no momento de fazer dívidas, piorando sua situação ao longo do tempo. Ok, o custo de carregamento dessas dívidas será menor, diminuindo o efeito “bola de neve”. Mas uma bola de neve atinge proporções gigantescas mesmo que role mais lentamente. Apesar de levar mais tempo, o efeito final tende a ser o mesmo.

Essa discussão sobre teto de juros é a típica solução fácil para um problema difícil: a educação financeira das pessoas. A não ser que tenha ocorrido um desastre na vida da pessoa, pegando-a sem reservas (o que já não deveria ter acontecido, todos deveriam ter reservas), na maioria das vezes o uso contumaz do cheque especial ou do rotativo do cartão é sinal de descontrole da vida financeira. Colocar um teto para os juros não vai conseguir resolver esse problema. É capaz até de piorá-lo, na medida em que pode servir de incentivo para o consumo irresponsável.

A queda dos juros do cheque especial

E a sensação de deja vu continua. Na época dos pacotes de congelamento de preços, as manchetes do primeiro mês após o início do congelamento eram mais ou menos desse tipo: inflação cai depois do congelamento.

Claro que cai! Afinal, os bancos são regulados pelo Bacen, e obsedem suas determinações. Manchete seria se os juros do cheque especial não tivessem caído. Teríamos um caso claro de desobediência civil.

Mas este é apenas o primeiro momento, em que existe um estoque de cheque especial que não vai sumir da noite para o dia. Para este estoque, os juros caem mesmo, não tem como ser diferente. O problema não é com o estoque, o problema é com a oferta adicional do produto. A lei de oferta e demanda não foi revogada. Então, com um preço forçadamente mais baixo, o produto vai sumir das prateleiras para os devedores contumazes. Era o que sempre acontecia com os produtos que eram alvo dos pacotes de congelamento de preços, e não tem porque ser diferente agora.

Aguarde. Dentro de alguns meses, a reportagem será sobre a dificuldade de renovação do cheque especial. Muitas pessoas terão que dar um jeito nas suas finanças, ou encontrar um outro agiota que as financie. Porque o produto dos agiotas oficiais terá sumido das prateleiras.

A Caixa é o nosso banco

Já expliquei isso aqui, mas vai de novo: quando os juros são baixados além do nível que compensa a inadimplência, o banco, qualquer banco, quebra. Como os bancos privados normalmente preferem não quebrar, não vão acompanhar a Caixa nessa festa. Resultado: haverá uma “seleção adversa” de clientes. Aqueles com mais dificuldade de crédito migrarão para a Caixa, potencializando as perdas do banco.

Isso já aconteceu no governo Dilma: BB e Caixa baixaram os juros “por decreto” e os bancos privados não acompanharam, perdendo participação de mercado. Depois de alguns anos, os bancos públicos tiveram que arrumar a casa, e os bancos privados voltaram a ganhar participação de mercado.

Quando bancos privados fazem barbeiragem, seus acionistas é que pagam o pato. Daqui a alguns anos, quando Pedro Guimarães estiver trabalhando novamente na iniciativa privada e Bolsonaro estiver cuidando dos netinhos, estaremos todos nós pagando por estas bondades.

O “preço justo” do cheque especial

Entrevista com o diretor do BC, João Manoel Pinho de Mello, no Valor. Faria inveja ao personagem Rolando Lero na tentativa de explicar o tabelamento dos juros do cheque especial.

A diretoria do BC de fato acredita que conseguiu chegar no “preço justo” do cheque especial, o mínimo que garantiria a oferta do produto. A diferença para o preço praticado até então seria devido à “ganância” dos bancos. Não foi usada essa palavra, nem precisaria.

Longe de mim comparar a pretensão de onisciência do BC com aquela que guiou os congelamentos de preços nos anos 80. Naquela época, o governo tinha a ilusão de que conseguiria planejar todos os preços da economia, hoje o BC quer controlar apenas o preço do cheque especial. Uma pretensão bem menor. Em desfavor do BC, no entanto, estão 30 anos de experiências mal sucedidas neste campo. Os planejadores da década de 80 pelo menos tinham a desculpa da ignorância.

O fim do cheque especial

Há alguns dias, escrevi um post defendendo a proibição do cheque especial como modalidade de crédito. Comparei o cheque especial a uma espécie de dose de uma bebida alcoólica para um alcoólatra: o melhor seria a total abstinência, uma espécie de “lei seca”.

Obviamente, não acredito nessa solução. O “mercado paralelo” de crédito substituiria o cheque especial com taxas ainda mais altas. O alcoólatra não se deixa segurar pela falta do produto nas prateleiras oficiais.

E não é que o CMN resolveu acabar com o cheque especial? Não com essas palavras, mas na prática é o que provavelmente vai acontecer. Vejamos.

Há basicamente duas hipóteses: ou o preço da linha estava errado e o BC, em sua onisciência, determinou agora o preço “certo”, ou o preço estava correto. Na primeira hipótese, os bancos vão continuar oferecendo a linha e obtendo lucros “corretos” com o cheque especial. Na segunda hipótese, o produto vai faltar nas prateleiras, como acontece com qualquer tabelamento de preços. Façam suas apostas.

A tarifa que os bancos vão poder cobrar está longe de compensar o teto de juros. Primeiro, porque será descontada dos juros sobre a linha utilizada. Segundo, porque quem não utiliza a linha não vai querer pagar a tarifa. É o meu caso, por exemplo. A primeira coisa que vou fazer é pedir para reduzir minha linha do cheque especial para R$500, limite no qual não há cobrança de tarifa.

Campos Neto, presidente do BC, nega que tenha sido um tabelamento, dado que os bancos vão poder cobrar tarifa sobre os limites não utilizados. Tarifa esta também tabelada, diga-se de passagem. Campos Neto subestima a inteligência do seu público.

Falta concorrência no mercado bancário brasileiro. O tabelamento não vai ajudar. Pelo contrário, vai atrapalhar. Eventuais concorrentes com capacidade de cobrar juros mais baixos já poderiam ter entrado quando os juros do cheque especial estavam a 12%. A 8% esta possibilidade diminui.

Dilma Rousseff, a presidente mais intervencionista da história recente, tentou usar os bancos públicos para baixar as taxas de juros, mas não teve a ousadia de tabelar as taxas de juros de linhas de crédito. O cheque especial é só o primeiro da fila. Depois vem o cartão de crédito e as linhas sem garantia, todas muito caras. O BC, pressionado pelos congressistas, estabelecerá o “preço correto” para todas essas linhas. Meu conselho para você, que vive no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito: comece a procurar um agiota para substituir essas linhas de crédito.

Cheque especial

Que surpresa! O cheque especial cresce mais do que outras linhas de crédito, mesmo depois dos bancos se “autorregularem” para oferecerem outras linhas de crédito mais baratas.

O que aconteceu de tão surpreendente? Bem, depois de tomar outras linhas de crédito mais baratas, o pessoal voltou ao cheque especial. Agora, estão endividados nas linhas mais baratas E no cheque especial. O mesmo deve estar acontecendo também no rotativo do cartão de crédito, alvo também de regulação por parte do BC.

Quem conhece um pouco da natureza humana poderia ter antecipado essa “surpresa”. Afinal, a maioria dos que estão no cheque especial foram parar lá por falta de controle de suas finanças, e não por um “acidente de percurso”. Ora, se a pessoa vive consistentemente acima de suas posses, vai tomar todas as linhas de crédito disponíveis para manter seu consumo. As linhas baratas e as linhas caras. É o que está acontecendo.

A solução para isso é simplesmente proibir o cheque especial (e o rotativo do cartão de crédito também). Se o indivíduo não consegue viver dentro de sua renda, o cheque especial só vai piorar a sua situação, agregando juros escorchantes ao seu buraco. No final, termina pior do que se não tivesse o cheque especial, tendo que fazer um ajuste ainda maior no seu orçamento para equilibrar-se. Acabar com o cheque especial significa forçar o indivíduo a ajustar-se enquanto ainda é tempo, com um esforço menor.

Mas terminar com o cheque especial acaba com uma fonte importante de renda dos bancos. Aí é que está o busílis da questão.

Cheque especial

Que surpresa! O cheque especial cresce mais do que outras linhas de crédito, mesmo depois dos bancos se “autorregularem” para oferecerem outras linhas de crédito mais baratas.

O que aconteceu de tão surpreendente? Bem, depois de tomar outras linhas de crédito mais baratas, o pessoal voltou ao cheque especial. Agora, estão endividados nas linhas mais baratas E no cheque especial. O mesmo deve estar acontecendo também no rotativo do cartão de crédito, alvo também de regulação por parte do BC.

Quem conhece um pouco da natureza humana poderia ter antecipado essa “surpresa”. Afinal, a maioria dos que estão no cheque especial foram parar lá por falta de controle de suas finanças, e não por um “acidente de percurso”. Ora, se a pessoa vive consistentemente acima de suas posses, vai tomar todas as linhas de crédito disponíveis para manter seu consumo. As linhas baratas e as linhas caras. É o que está acontecendo.

A solução para isso é simplesmente proibir o cheque especial (e o rotativo do cartão de crédito também). Se o indivíduo não consegue viver dentro de sua renda, o cheque especial só vai piorar a sua situação, agregando juros escorchantes ao seu buraco. No final, termina pior do que se não tivesse o cheque especial, tendo que fazer um ajuste ainda maior no seu orçamento para equilibrar-se. Acabar com o cheque especial significa forçar o indivíduo a ajustar-se enquanto ainda é tempo, com um esforço menor.

Mas terminar com o cheque especial acaba com uma fonte importante de renda dos bancos. Aí é que está o busílis da questão.