Eu sou você amanhã

A fábrica da Marcopolo na China paralisou as suas atividades no início de fevereiro (fim do Ano Novo Chinês) e retomou parcialmente no início de março, com carga total em meados de março. Um mês e meio entre paralisar e retomar.

Se fizermos tudo certo e nada errado, é isso que nos espera a partir do momento em que paralisarmos tudo.

Políticas sociais e desenvolvimento

Duas notícias ontem na capa do Valor.

A China está se aproximando rapidamente da fronteira tecnológica, várias companhias chinesas de tecnologia estão entre as mais valiosas do mundo e a Huawei está brigando de igual para igual na tecnologia 5G, que é a próxima fronteira.

Não, a China não tem um sistema universal de saúde (a não ser para as áreas rurais, onde funciona mal), o pessoal tem que pagar seguro-saúde. Também não tem universidade pública gratuita, o pessoal tem que pagar também. E também não tem sistema público universal de aposentadoria.

Não estou aqui sugerindo que há uma dicotomia entre investimentos públicos de bem-estar social e desenvolvimento de tecnologia. Ambas podem caminhar juntas, assim como pode existir uma sem existir a outra. Meu único ponto é que a China resolveu ficar rica antes de desenvolver seu sistema de proteção social. E a desigualdade do país não a está impedindo de avançar rumo ao seu objetivo. E antes que digam que a China é uma ditadura e, portanto, seu exemplo não vale, Coreia e Japão fizeram exatamente o mesmo.

Enquanto isso, não conseguimos montar uma mísera fábrica de chips. Mas a saúde e a educação públicas, ó…

Universidades na China

Trecho de um artigo sobre a procura de cursos de português nas universidades chinesas.

Na China só tem universidades públicas. Mas são pagas.

Esse é um modelo fracassado. Basta ver a imensa vantagem tecnológica do Brasil em relação aos chineses, graças ao nosso sistema de universidades públicas gratuitas, o que garante a nossa “autonomia universitária”.

Quando a China finalmente tornar-se um país comunista, certamente adotará o nosso sistema de universidades públicas gratuitas.

Vender a alma

Eu realmente gostaria de entender essa frase do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Se alguém tem uma boa explicação, agradeço.

De que forma um país “vende a sua alma” em uma relação de comércio? Isso aqui está parecendo as diatribes dos petistas contra os EUA (lembra da diplomacia “altiva” do Celso Amorim?). Uma bobagem, que agora só troca de alvo.

“Os chineses podem comprar coisas do Brasil, mas não comprar O Brasil”. Esta é outra frase, cunhada pelo próprio presidente, que a rigor não significa porcaria nenhuma.

Parece-me que Bolsonaro se referia a terras e infraestrutura. Como se o risco fosse dos brasileiros e não dos chineses. Não, os chineses não vão pegar as terras e as usinas hidroelétricas, colocar debaixo do braço e ir embora no dia seguinte, deixando os brasileiros no escuro. Na verdade, quem corre risco são os chineses, em terras onde o que está escrito em contrato não vale a tinta gasta, e o histórico de desapropriações forçadas é longo.

Faria bem o governo Bolsonaro ter uma abordagem pragmática em relação ao comércio exterior e ao fluxo internacional de capitais. Como dizia Deng Xiao Ping, o premiê chinês que revolucionou aquele país no final da década de 70 e permitiu que a China se tornasse a 2a maior potência do mundo, “não importa a cor do gato, desde que cace os ratos”.

Concentração de renda e crescimento: o caso chinês

Reportagem hoje no Estadão descreve o surgimento de grupos “marxistas radicais”. Formados por estudantes das melhores universidades chinesas, esses grupos pregam a volta ao “marxismo puro”, aquele que “nunca foi implementado direito”.

Esses grupos reconhecem que a implementação de reformas capitalistas ajudou no crescimento econômico chinês das últimas décadas, mas os frutos desse crescimento não estão de acordo com a cartilha marxista, que é a da “distribuição igualitária” da riqueza gerada.

A apoiar seu raciocínio, nada melhor do que uma estatística que, como diria Roberto Campos, “como um biquíni, mostra tudo, mas esconde o essencial”. Segundo a reportagem, citando dados da World Inequality Database, os 1% mais ricos da China detinham 15% da renda em 1995 e hoje (suponho 2017), os mesmos 1% detém 30% da renda. Um escândalo, que deve estar fazendo Marx revirar-se no túmulo.

No entanto, vamos colocar alguns números nessa análise, para torná-la, digamos assim, mais completa.

Segundo dados do FMI, em 1995, a renda per capita dos 99% chineses mais pobres era de 1,8 mil dólares internacionais, que medem o poder de compra dos habitantes de um determinado país, o Purchase Power Parity. Usando o PPP, isolamos a questão cambial da análise. Em 2017, esta mesma renda per capita era de 11,8 mil dólares internacionais, o que resulta em um aumento do poder de compra dos 99% mais pobres de 635% neste período, ou 9,5% ao ano.

Mas, dirão os marxistas, o crescimento de renda dos mais ricos foi muito maior! Sem dúvida: os 1% mais ricos aumentaram a sua renda, no mesmo período, em 1.686%, ou 14% ao ano.

Os marxistas puros têm a ilusão de que se fossem dadas as condições para diminuir a concentração de renda neste período, os 99% estariam hoje mais ricos. Não conseguem entender que as reformas capitalistas que concentraram a renda são as mesmas que fizeram a China crescer de maneira espetacular nas últimas décadas. Hoje, os chineses mais pobres estão 6 vezes mais ricos do que estavam há pouco mais de 20 anos. E isto não teria sido possível sem as reformas capitalistas que concentraram a renda.

Um contraexemplo é o caso brasileiro. Desde 1995, tivemos TODOS os governos muito preocupados com a distribuição de renda. Proteções trabalhistas, aumento real do salário mínimo, bolsa-família, foram todas políticas que tiveram como objetivo melhorar a vida dos mais pobres. O que se conseguiu?

O World Inequality Database nos informa que o 1% mais rico concentrava 26% da renda em 2001 e 28% da renda em 2015. Esse é um primeiro dado interessante: anos de “políticas distributivas” não fizeram cócegas nos dados de distribuição de renda.

Vamos assumir, só para efeitos de simulação, que a concentração de renda no Brasil tenha ficado constante entre 1995 e 2017 (mesmo período do estudo chinês) em 27%. Sendo assim, em 1995, os 99% mais pobres no Brasil tinham uma renda per capita de 7,0 mil dólares internacionais, contra 1,8 mil dos chineses. Em 2017, a renda per capita tinha subido para 13,1 mil dólares internacionais, contra 11,8 mil dos chineses. O crescimento da riqueza dos 99% foi de 87% neste período, ou 2,9% ao ano.

Ou seja, mesmo com um aumento brutal da concentração de renda, os chineses mais pobres melhoraram seu padrão de vida quase 3 vezes mais que os brasileiros. Quem se saiu melhor, os pobres chineses ou os pobres brasileiros?

A ênfase na distribuição de renda não funcionou nos últimos 30 anos. Será que não está na hora de mudar o disco, e concentrar esforços no crescimento da economia?

A maior ameaça à paz mundial

A respeito da prisão da herdeira da Huawei, Jeffrey Sachs conclui, em artigo na imprensa americana, que Donald Trump é, hoje, a maior ameaça à paz mundial.

No dia em que um professor de alguma universidade chinesa puder escrever um artigo, na imprensa daquele país, afirmando que Xi Jinping é a maior ameaça à paz mundial, voltamos a conversar.

Rabo abanando o cachorro

Eliane Catanhêde ataca novamente.

Segundo a jornalista, a China desbancou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil porque Celso Amorim promoveu uma política externa Sul-Sul.

Relevando o fato curioso e irrelevante de que a China está ao Norte da linha do equador, Catanhêde simplesmente desconsidera que a China cresceu a dois dígitos por mais de 20 anos, com forte concentração em investimentos em infraestrutura, demandando todo o minério de ferro do mundo e mais um pouco. E adivinha qual o maior exportador de minério de ferro do mundo?

Além disso, a China virou o maior consumidor de soja do mundo, pois não é fácil prover proteínas para a maior classe média emergente do mundo. E adivinha quem é o maior exportador de soja do mundo?

Ao atribuir à política externa de Lula um fenômeno que é global (a China passou a ser o maior parceiro comercial de grande parte dos países do mundo), Catanhêde só está repetindo bovinamente uma “verdade” muito cara ao lulopetismo: a de que o mundo e o Brasil como eram no final da década passada foram invenções de Lula. Neste mundo, o rabo abana o cachorro sem a mínima cerimônia.

Engenharia social

Em 1965, a taxa de fertilidade da China era de 5,9 filhos por mulher. Em 1980 era de 2,6 e hoje é de 1,6.

No mesmo ano, a taxa de fertilidade do Brasil era de 5,8 filhos por mulher. Em 1980 era de 3,1 e hoje é de 1,8.

Esta mesma curva de fertilidade pode ser observada em todos os países emergentes, com exceção da África, que está um estágio atrás, mas segue na mesma direção.

O governo chinês patrocinou uma política dacroniana de controle da natalidade a partir do fim da década de 70. A política do filho único autorizava o aborto do 2o filho e punia severamente quem não a seguisse.

Tudo isso para conseguir exatamente o mesmo resultado que países democráticos alcançaram sem qualquer política de natalidade. A urbanização e a educação fizeram o serviço.

Agora, a China tenta reverter essa política, estimulando os casais a terem filhos. Funcionará? Tanto quanto funcionou a política do filho único: se esta for a tendência global, funcionará. Senão, não.

Muito do que os governos fazem é propaganda a respeito de tendências sobre as quais não têm o mínimo controle. O Brasil cresceu acima da média na década passada porque surfou a onda das commodities, sobre a qual não tinha controle. Isso não impede, até hoje, de que as viúvas do Lula exaltem seus feitos.

O máximo que os governos podem fazer é evitar atrapalhar a livre iniciativa dos indivíduos e fornecer alguma garantia de propriedade que não dependa da força bruta individual.

Essas grandes “engenharias sociais”, como vimos no caso da China, são, na melhor das hipóteses, inócuas. Na pior, acabam em miséria e falta de liberdade, como nos casos de Cuba e Venezuela.