Guerra & Paz

A proposta de “paz total” do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, levou a um aumento da violência. Quem diria…

A natureza do ser humano é beligerante. A guerra é a norma, a paz é a exceção. Isso vale nas famílias, nas instituições, entre os países. Os quase 80 anos sem guerras de grandes proporções na Europa (vamos desconsiderar a Ucrânia) é o recorde de todos os tempos.

“A guerra é horrível, muita gente inocente morre” é o tipo de platitude que não muda a natureza humana. “Sou contra qualquer tipo de guerra” é o mesmo que dizer “sou contra a lei da gravidade”. Chamberlain rules só serve para dar vantagem ao adversário, que sempre existe.

Como diz um aliado de Petro, “não existe um processo de paz no mundo que não seja acompanhado de uma política de segurança sólida”. E uma especialista acrescenta: “os acordos de cessar-fogo foram um presente tático para esses grupos. Sem nenhum Exército para pressioná-los, eles ficaram livres para se rearmar, recrutar e reabastecer”.

Claro que não consigo deixar de pensar sobre os clamores por um cessar-fogo em Gaza. Como a especialista salientou, o cessar-fogo somente servirá para que o Hamas “se rearme, recrute e reabasteça”, pois o grupo terrorista não está realmente interessado em paz. E, como lembra o aliado de Petro, Israel deveria se concentrar em desenvolver uma política de segurança sólida como condição para qualquer processo de paz. Bingo!

Sim, a guerra é horrorosa. Pior que ela, no entanto, é a ilusão de que a paz se faz com boas intenções. A respeito de Chamberlain, Churchill afirmou que, ao escolher entre a desonra e a guerra, o primeiro-ministro inglês teria os dois. A história lhe deu razão.

Sangue, suor e lágrimas é para poucos

Winston Churchill assumiu o posto de 1o ministro do Reino Unido em 10/05/1940, exatamente no mesmo dia em que Hitler começava a campanha que tinha como destino Paris, invadindo os Paises Baixos. Em 22/06/1940, França e Alemanha estavam assinando um armistício no mesmo vagão de trem onde havia sido assinado o Tratado de Versalhes.

Churchill, em seu primeiro discurso no parlamento inglês, 3 dias após assumir o cargo, avisou ao povo inglês que não tinha nada mais a entregar do que “blood, toil, tears and sweat” (sangue, luta, lágrimas e suor). Um discurso clássico de estadista, em que o governante não esconde do povo as dificuldades, nem foge delas, quando se trata de defender a própria vida e a vida de seus concidadãos.

Muitos lamentam que hoje não tenhamos líderes à altura do desafio, como se mostrou Churchill na 2a Guerra. Isso é verdade, mas parece-me que ainda não chegamos no ponto em que o paralelo histórico se torna verdadeiro. O fato nu e cru é que a Ucrânia não vale o “sangue, suor e lágrimas” das potências ocidentais. Não por outro motivo, as sanções anunciadas foram cirurgicamente planejadas para causarem a menor dor possível às populações dos EUA e Europa. E Biden, em sua patética coletiva de imprensa, fez questão de informar que não levaria tropas para a Ucrânia. Nem a frase clássica “todas as opções estão sobre a mesa” o presidente dos EUA foi capaz de dizer, dado que poderia causar danos aos mercados e, consequentemente, à poupança de seus concidadãos. Não, “sangue, suor e lágrimas” não estão no cardápio dos líderes ocidentais.

A Ucrânia que se vire, esta é a mensagem. A situação tem semelhança com a agenda de combate às mudanças climáticas: muitas reuniões, muitos discursos, muitas boas intenções, mas tirar um pouco de conforto da população para diminuir a emissão de carbono, isso não está no cardápio. E, assim, fazem de conta que estão apoiando a causa, enquanto o planeta continua esquentando e a Ucrânia continua sangrando. Entregar “sangue, suor e lágrimas” não é para qualquer um.

A Yalta tupiniquim

É a segunda vez que vejo referência ao fato de Chruchill ter se aliado a Stálin para vencer Hitler como um exemplo a ser seguido para vencer Bolsonaro. E de pessoas que respeito. Mas, com toda a vênia, parece-me que a comparação traz um problema sério.

Pra começo de conversa, não custa lembrar que Stálin e Hitler celebraram um pacto de não agressão, o que deixou Hitler com as mãos livres para fazer sua campanha na Europa. Pior: Stálin pegou carona na invasão da Polônia e tomou sua parte no butim.

Stálin só procurou Churchill depois de ser traído por Hitler. Se não fosse a megalomania de Hitler, além de seu erro de cálculo, pois esperava que a Inglaterra não se intrometesse em sua invasão à URSS, Stalin teria repartido a Europa com Hitler, não com Churchill.

Churchill aceitou aliar-se a Stálin porque a guerra era contra Hitler. Mas sabia que se tratava de um aliado pouquíssimo confiável. O pós-guerra mostrou quanto: Stálin impôs seu regime totalitário a metade da Europa. A história de que a aliança Churchill-Stalin libertou a Europa de um regime totalitário é meia-verdade: vale para a metade ocidental.

Então, o problema dessa imagem é este: os democratas estão se aliando com totalitários para vencer um totalitário. Só que, neste caso, não sobrará uma metade democrata. O Brasil é um só, ao vencedor as batatas. E, enquanto a batata do Brasil vai assando, os nossos democratas acham que o nosso Stalin tupiniquim é uma opção melhor do que o nosso Hitler tupiniquim.

Escolhendo a desonra

Ainda sobre a candidatura de Lula mesmo contra a Lei da Ficha Limpa, como uma solução de compromisso para “preservar a democracia”, ou para “garantir a governabilidade”.

Essa situação me faz lembrar a leitura completamente equivocada das potências ocidentais em relação a Hitler antes da 2a Guerra e em relação a Stálin após a 2a Guerra.

Kissinger, em sua monumental obra Diplomacia, descreve com precisão: as potências ocidentais (Inglaterra e França antes da guerra, EUA depois da guerra) queriam a paz a qualquer custo. Desconsideravam os objetivos do seu interlocutor. Ou melhor, assumiam que o objetivo era o mesmo. E, com isso, fizeram concessões e mais concessões, até que ficou claro que Hitler não iria parar até conquistar a Europa e Stálin tivesse instalado governos-títeres em todos os países da Cortina de Ferro. Mas aí, já era tarde demais.

Enquanto as forças que jogam o jogo democrático continuarem achando que o PT joga o mesmo jogo, continuarão a ceder terreno, até ser tarde demais. Aí, só restará a luta com “sangue, suor e lágrimas”, como disse Churchill, um dos poucos que entenderam a real natureza dos seus oponentes. Sangue, suor e lágrimas que nossos vizinhos venezuelanos estão vertendo nesse momento.

Parafraseando Churchill, entre o descumprimento da lei e a guerra, eles escolheram o descumprimento da lei, e terão a guerra.

Ouvindo a voz do povo popular

Sérgio Cabral saiu algemado e acorrentado do presídio.

Os intelectuais ficaram chocados.

Os advogados de defesa ficaram indignados.

Os analistas disseram que poderia enfraquecer a operação lava-jato.

O pessoal da barbearia onde corto o cabelo (R$30 o corte, que já acho caro pela quantidade de trabalho no caso) achou foi é pouco.

Ontem assisti The Darkest Hour, filme que conta os bastidores da decisão da Inglaterra de resistir ao ataque nazi, ao invés de tentar chegar a um acordo de paz.

A situação estava realmente perdida. Todo o exército inglês estava cercado em Dunquerque e a única alternativa parecia ser a capitulação. Churchill acabava de assumir o governo por pressão dos trabalhistas, que exigiram seu nome para apoiar uma coalizão com os conservadores. No entanto, Chamberlain (o primeiro-ministro que deu lugar a Churchill), Halifax (ministro do exterior, preferido pelo rei para ser o primeiro-ministro) e o próprio rei preferiam uma saída negociada, que preservasse a paz. Como se isso fosse possível tendo Hitler do outro lado.

Churchill estava encurralado, sem apoio de seu partido e com a situação militar perdida. Resolveu então ouvir o povo (aqui é meio que um spoiler, mas que não tira a emoção da cena): toma o metrô e conversa com os passageiros, que são unânimes em dizer que a Inglaterra deve resistir.

O povo popular, aquele que anda de trem e ônibus e sustenta essa cambada com os seus impostos, está cansado de quem defende ladrão. O político que souber ouvir a sua voz ganhará as eleições.