O tabelamento dos juros

Ciro propõe, na prática, o tabelamento das taxas de juros, ao defender que qualquer dívida seria quitada com o pagamento do dobro do valor da dívida. Alguns exemplos de taxas máximas de juros, a depender do prazo do financiamento (taxas prefixadas):

Prazo Taxa máxima

12 meses. 12,7% ao mês

24 meses. 6,95% ao mês

36 meses. 4,57% ao mês

60 meses. 2,7% ao mês

10 anos. 17,1% ao ano

20 anos. 8,25% ao ano

30 anos. 5,45% ao ano

A primeira coisa que notamos é que, com a Selic a 13,75%, fica difícil imaginar algum banco concedendo crédito imobiliário de 20 ou 30 anos cobrando taxas de juros abaixo de dois dígitos anuais. O resultado de uma lei desse tipo seria o fim do financiamento imobiliário de longo prazo.

Para empréstimos de curto prazo, podemos achar que 12,7% ao mês já é uma taxa suficiente para satisfazer a ganância dos bancos. Aliás, Ciro chama a lei por ele proposta com o fofo nome de “lei anti-ganância”. Pode ser. O único problema é que quem decide o quanto vai cobrar pelo dinheiro é o banco. Como em todo tabelamento de preços, se o fornecedor avaliar que vai ter prejuízo ao vender o produto naquele preço, o produto some da prateleira. Pode espernear à vontade, dizer que os bancos já lucram muito etc, etc etc. No final do dia, ninguém tem o poder de obrigar alguém a vender um produto. A saída pode ser usar os bancos públicos, com os efeitos já conhecidos.

E o pior não é que Ciro esteja prometendo o que sabe que não vai conseguir entregar. Ele está prometendo o que realmente acredita que pode fazer. Isso é o que é mais assustador.

Juros altos ou gastos altos?

Não Ciro. Os brasileiros não estão endividados por causa dos juros altos. Os brasileiros estão endividados porque gastam acima da sua renda. Os juros são somente o preço cobrado pela possibilidade de gastar acima da renda.

Os juros são altos? Sim, sem dúvida. No Brasil, os juros são altos porque políticos como Ciro Gomes abusam do populismo, o que acaba cobrando o seu preço ao longo do tempo, na forma de taxas de juros que compensem o risco de se investir em um país regido pela irresponsabilidade.

Os brasileiros precisam pensar muitas vezes antes de gastar acima de sua renda. O preço do dinheiro é alto, e piora a situação muito rapidamente. E para aqueles que ganham pouco e não conseguem viver com sua renda, um conselho: fazer dívidas vai somente piorar a situação.

Equilíbrio fiscal verdadeiro

“Equilíbrio fiscal verdadeiro”.

Desde o “é proibido gastar” do discurso de inauguração do mandato de Tancredo Neves (lido pelo vice, José Sarney, dado que Tancredo encontrava-se hospitalizado), todos os governos da Nova República fazem juras de amor ao “equilíbrio fiscal”.

Destaquei abaixo três trechos de jornais antigos para ilustrar o ponto. O primeiro é do início do governo Sarney, em 1985, quando o então ministro Francisco Dornelles anuncia um pacote de “austeridade”.

O segundo, de um ano depois, mostra o então ministro Dilson Funaro prometendo “equilíbrio dos gastos públicos”.

Já o terceiro indica a expectativa com o Plano Bresser, que seria anunciado alguns dias depois, em junho de 1987: esperava-se “comprimir drasticamente as despesas públicas”.

Poderia continuar empilhando notícias, ano após ano, governo após governo, de promessas de “equilíbrio fiscal”. Talk is cheap, como dizem os americanos.

Agora, Ciro promete um tal de “equilíbrio fiscal verdadeiro”, o que pressupõe que o que estamos vivendo hoje é um falso equilíbrio fiscal. E o que nos está condenando a este “falso equilíbrio fiscal”? Claro, “essa ficção fraudulenta chamada teto de gastos”.

Equilíbrio fiscal é algo relativamente simples: o governo, em todas as suas esferas, precisa gastar menos do que arrecada. Há somente duas pontas: gastos e arrecadação. Se o teto de gastos é uma forma fraudulenta de atingir o equilíbrio fiscal, resta a ponta da arrecadação. Aqui é que entra o pensamento mágico, aquele que anima todas as propostas desse tipo: aumentar a arrecadação passa por “taxar os mais ricos” e “estimular o crescimento econômico”.

Como, cedo ou tarde, os governos descobrem que “taxar os mais ricos” é uma quimera e o “crescimento econômico” não costuma responder a grandes planos mirabolantes desenhados nos gabinetes de Brasília, o equilíbrio fiscal acaba sendo alcançado pelo truque mais manjado da história econômica brasileira: inflação.

O teto de gastos é a única forma honesta de se alcançar o “verdadeiro equilíbrio fiscal”. Fraudulento é Ciro Gomes, não o teto.

A esquerda não está rachada

“A esquerda está rachada”.

Não, meus amigos. A esquerda não está rachada. A esquerda está bem unida em torno de Lula. Até o PSOL, que sempre tem candidato à presidência, deve abrir mão de candidatura própria para apoiar o ex-presidiário.

Ciro, com o apoio inestimável do mago das eleições João Santana, sabe que a única via possível para chegar ao 2o turno é a via do anti-petismo. Até o momento, esse lugar era ocupado soberanamente por Bolsonaro. O pessoal precisa pegar senha para entrar na fila para bater em Bolsonaro. Mas, para bater em Lula, tratado como um estadista por todos os candidatos da “terceira via”, Bolsonaro estava sozinho. Estava.

A bem da verdade, esse posicionamento já vinha sendo construído desde o “Lula está preso, babaca!” de Cid Gomes na eleição de 2018. Foi reforçado pela “fuga para Paris” de Ciro no 2o turno e, desde então, vem num crescendo. Mas o que antes parecia ser uma vingança pessoal, agora toma ares de estratégia eleitoral.

Ciro não está batendo em Lula para tomar os votos dos petistas. Estes estão fechados com Lula. Ciro está batendo em Lula para tomar o voto dos anti-petistas, que hoje estão com Bolsonaro em um eventual 2o turno. Existe uma massa de eleitores arrependidos de Bolsonaro, mas que não deixaram de ser antipetistas. É essa massa que está sendo desprezada por todos os outros candidatos e que Ciro quer conquistar.

Last but not least, bastou Lula abrir a boca pra tropeçar na língua, chamando todos os que pegaram Covid de lesados do cérebro. Ciro teve a virtude de tirar Lula da toca, e seus pontos fracos começam a aparecer. Os outros candidatos da “terceira via” vão esperar quanto tempo para fazer o mesmo?

Caminho certo para a irrelevância

Era 08/03/2015. Estávamos na festa de aniversário do meu sobrinho, no salão de festas do prédio onde mora o meu irmão, na Pompeia (bairro de classe média em São Paulo), quando minha cunhada chama a atenção para um fato inusitado: um panelaço rolava solto no bairro. A então recém-eleita Dilma Rousseff estava na TV, fazendo um pronunciamento pelo dia da mulher. Espontaneamente (eu pelo menos não lembro de nenhuma convocação para aquele panelaço), as panelas diziam Fora Dilma! Uma semana depois, uma manifestação monstro, que colocaria o evento de 07/09 no chinelo, tomou conta da Paulista. Aquele panelaço foi o primeiro ato popular que desaguaria no impeachment de Dilma, cerca de 1 ano e 1 mês depois.

O que leva as pessoas às ruas? Pode-se desfiar aqui uma série de motivos, mas eu resumiria em um só: indignação. As pessoas precisam estar suficientemente indignadas com alguma coisa para se disporem a largar o conforto de seu sofá e juntar-se a uma manifestação política. Nesse sentido, podemos deduzir, avaliando as manifestações de ontem, que são poucos os que estão suficientemente indignados com o governo Bolsonaro.

Os analistas políticos confundem avaliação ruim com indignação. A avaliação do governo Bolsonaro é ruim e vem piorando. Mas isso não é suficiente para levar as pessoas às ruas. É preciso mais do que isso. Alguns dirão: “mas trata-se de um governo que tem quase 600 mil mortes na sua conta!”. A julgar pela adesão às manifestações, essa conta não é de Bolsonaro, ou exclusivamente de Bolsonaro. “Mas é a nossa democracia que está em jogo!”. Sério que alguém acha que o povo vai sair pras ruas pra defender os nossos “poderes constituídos”?. Conta outra.

As manifestações de ontem, a apenas um ano das eleições, deveriam ter enterrado de vez qualquer ilusão de que um impeachment é possível. Não há indignação suficiente na sociedade para que isso aconteça. Diagnósticos como “a oposição se dividiu” ou “a carta de Temer tirou o senso de urgência” só servem como autoengano. Para piorar, notinha de jornalista engajado tentou amenizar o desastre, dizendo que o palanque esteve cheio de “pesos-pesados” da política, sem notar que isso só piora a situação. Primeiro, porque tira a espontaneidade da manifestação. E, segundo e principalmente, estes tais “pesos-pesados” demonstraram que sua presença faz pouca ou nenhuma diferença.

O fato nu e cru é que não há adesão popular à tese do impeachment e, a um ano das eleições, não há tempo hábil para construí-la. Se depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos o povo não está indignado a ponto de sair para as ruas, fariam bem as oposições em começar a pensar em uma estratégia alternativa. Nesse sentido, o PT jogou o seu jogo: com a desculpa de que não iria se misturar com seus algozes, Lula e seu partido não se associaram a um evento que, já sabiam de antemão, seria um fracasso de público e renda. Além, é claro, de não lhes interessar em nada um impeachment de Bolsonaro.

A julgar pelas falas dos “políticos pesos-pesados” presentes neste domingo, a luta pelo impeachment continua, e vão procurar atrair o PT para essa “luta”. Se a estratégia tem como objetivo continuarem irrelevantes e cevarem o caminho de um 2o turno entre Lula e Bolsonaro, estão no caminho certo.

O marqueteiro volta à ativa

João Santana foi contratado por Ciro Gomes.

João Santana foi o marqueteiro do PT nas campanhas de 2006, 2010 e 2014. É um gênio. Logo após um dos debates entre Dilma e Aécio, em que Dilma foi tratorada pelo adversário, a presidente passou mal. Dizem que simulou a mando do marqueteiro, mas isso é difícil de provar. De qualquer forma, Santana viu ali a oportunidade para reposicionar a candidata: sai a mulher forte, entra a mulher frágil, maltratada por um homem. Dali em diante, Aécio precisou se defender a respeito da questão. Também foi dele a peça que destruiu Marina Silva, aquela em que a comida desaparece da mesa do pobre. Um soco abaixo da linha da cintura e, por isso mesmo, muito eficaz.

João Santana e sua esposa foram condenados por Sérgio Moro. Lavagem de dinheiro, foi o crime. Santana recebeu dinheiro de corrupção para prestar os seus serviços, tendo consciência de sua origem, segundo o suspeitíssimo juiz.

Obviamente nada daquilo aconteceu, foi tudo perseguição de um juiz suspeito. Ciro fica, assim, livre para contratar o marqueteiro e ainda posar de 2o ser humano mais honesto do planeta (o 1o todos sabem quem é). Tudo isso graças à máquina de lavagem de reputações que funciona em uma das pontas da praça dos 3 poderes.

O anúncio de Ciro se deu no mesmo dia em que o pleno do Supremo confirmou a suspeição de Moro. Mas foi só uma coincidência.

A busca pela terceira via

Tenho observado com vivo interesse o movimento para encontrar uma terceira via para enfrentar os “extremos” representados por Bolsonaro e Lula. Muitos não querem (eu me incluo) ter que escolher entre os dois no 2o turno de 2022.

Para tanto, muito se tem falado em unificar a candidatura de centro, pois a chance seria maior de passar para o 2o turno contra um dos dois. Será?

Fiz uma pesquisa em todas as eleições desde a redemocratização. As duas únicas eleições em que a soma das votações de todos os candidatos que não os dois mais votados excedeu a votação do 2o colocado (ou seja, esse hipotético “tercius” teria ido ao segundo turno) foram as eleições de 1989 e 2002.

Em 1989, a soma das votações de Brizola, Covas, Maluf, Afif, Ulysses e uma longa lista de outros candidatos somou 50,8%, bem mais do que os 16,7% obtidos por Lula, o segundo colocado. Na verdade, em tese, se somente Brizola e Covas tivessem se unido, os seus 27,2% de votos teriam tirado Lula do 2o turno. Em tese.

Em 2002, as votações de Anthony Garotinho e Ciro Gomes somaram 29,8%, contra 23,2% de José Serra, o 2o colocado naquele ano. Vamos analisar este caso mais de perto.

Digamos que Garotinho tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Ciro. Será que Ciro Gomes teria herdado todos os votos de Garotinho? Não será que uma parte desses votos teria ido para Serra, mantendo-o no 2o turno?

Tivemos uma experiência semelhante na eleição de 2014. Marina Silva era esse “tertius” contra a “polarização” entre PT e PSDB, a que mais chegou perto de tirar um dos dois partidos do 2o turno, tanto em 2010, quando teve 19,3% dos votos, quanto em 2014, quando teve 21,3% dos votos. Mas em 2014, ao contrário de 2010, Marina Silva declarou apoio formal à candidatura de Aécio Neves. Tivemos, então, a oportunidade de observar a migração de votos causada por esse apoio. Foi como se Marina tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Aécio.

Para acompanhar melhor o que aconteceu, vejamos os números desse eleição (os números se referem às votações no 1o e 2o turnos, respectivamente):

  • Dilma: 41,6% / 51,6%
  • Aécio: 33,6% / 48,4%
  • Marina: 21,3%
  • Outros: 3,5%

O resultado: dos 21,3% recebidos por Marina, no mínimo 6,5 pontos percentuais foram para Dilma, que aumentou a sua votação de 41,6% no 1o turno para 51,6% no 2o turno (estou assumindo que os outros 3,5 pontos percentuais que faltam para completar os 10 pontos vieram dos outros candidatos). O restante (no máximo 14,8 pontos percentuais) foi para Aécio. Ou seja, a migração não foi suficiente para dar a vitória a Aécio.

Digamos que, desses 6 que assinaram o tal “Manifesto pela Democracia”, se encontre um candidato único. Quanto dos votos que os outros candidatos teriam migrarão efetivamente para o “candidato escolhido”? Vou dar um exemplo concreto: digamos que esta terceira via seja Ciro Gomes. Quantos votos o coronel vai herdar dos supostos eleitores de Doria ou de Moro? E vice-versa?

Parece-me que aqueles que estão preocupados em encontrar uma terceira via que unifique todas as candidaturas fariam melhor em encontrar um candidato, qualquer um. O triste fato é que há um deserto de opções com chances reais de desafiar o presidente e o ex-presidente. Eu iria além: mesmo que Lula não possa concorrer, não há, hoje, opções com chances reais de desafiar o presidente e qualquer candidato do PT.

Um candidato com chances reais, qualquer que seja, saberá encontrar o seu caminho para ganhar corações e mentes dos eleitores, sem precisar construir estruturas artificiais. O desafio não é encontrar um candidato único. É encontrar um candidato.

Preso ao passado

Eugênio Bucci está desesperado. Já vê despontar no horizonte um regime fascista, que cancelará, entre outras coisas, seu direito a escrever bobagens periodicamente.

Ele chama as “lideranças democráticas” para nos salvar. E quem seriam essas tais “lideranças democráticas”?

FHC, Lula e Ciro.

Ok, pode parar de rir e continuar a ler a minha análise.

Fico me perguntando que tipo de cegueira ou desespero faz uma pessoa inteligente e experiente como Bucci a achar que FHC, Lula e Ciro vão levantar multidões contra o “fascismo”. FHC já não deve liderar nem reunião do condomínio onde mora e Ciro, só se for para liderar um batalhão de retroescavadeiras. Sobra Lula, o único que tem ainda algum apelo popular. Pena que esteja enrolado em outras esferas que não a política.

A propósito, Bucci chama de controversa e açodada as condenações de Lula. Ou seja, ao mesmo tempo que vê o fantasma do fascismo ameaçando as instituições democráticas tupiniquins, coloca em suspeição sentenças emanadas da justiça do país em nada menos que três instâncias diferentes. A justiça é um dos pilares de qualquer Estado democrático, mas Bucci não se incomoda em passar por cima para defender a “democracia”.

Eugênio Bucci, assim como grande parte dos intelectuais de esquerda, está preso ao passado. Desse jeito, Bolsonaro vai continuar no poder por muitos anos.

Qual o centro da política?

Rosângela Bittar, nova colunista do Estadão, defende a tese de que não há polarização na política brasileira. Para provar a sua tese, Rosângela afirma que há pelo menos três “anti-Lulas” na praça, o que indicaria um quadro mais multifacetado. A tese é discutível, mas o que me chamou a atenção foi a classificação que a experiente colunista faz dos “anti-Lula”: Bolsonaro seria “extrema-direita”, Doria seria “direita” e Ciro Gomes seria “centro”!

Ok, classificar Bolsonaro como “extrema-direita” é uma necessidade atávica da imprensa brasileira, o que puxa todos os seus adversários para a órbita da direita. Mas classificar Ciro como “centro” é só a demonstração de como essa classificação é capenga. A classificação mais óbvia seria Bolsonaro à direita, Doria como “centro” e Ciro como “esquerda”. Mas aí teríamos que assumir que Lula é “extrema-esquerda”, o que obviamente não confere com a narrativa.

Imagine o inverso: o “anti-Bolsonaro” da extrema-esquerda seria Lula, da esquerda seria Ciro e do centro seria Doria. É absolutamente simétrico com a classificação anterior, mas seria um Deus-nos-acuda.

Essa classificação entre “direita” e “esquerda” é sempre sujeita a muita discussão. Mas tem coisas que são indiscutíveis. Uma delas é afirmar que Ciro Gomes é uma alternativa de centro. Simplesmente não dá.