Economia = Matemática + Bom Senso

Certa vez, um professor meu da Poli definiu Engenharia como Física mais bom senso. Poderíamos fazer o mesmo paralelo entre Matemática e Economia: a Economia seria Matemática mais bom senso.

Uma das críticas mais comuns dos “desenvolvimentistas” é que os economistas ortodoxos seriam “cabeça de planilha”, ou seja, estariam presos à Matemática, não deixando espaço ao bom senso que faz a boa economia.

No entanto, ao ouvir certas propostas de “desenvolvimentistas”(como por exemplo, o governo tirar todos os nomes do SPC), parece o contrário: da Matemática retira-se o bom senso, e resta uma peça de ficção.

Um exemplo é a resposta universal que todo economista heterodoxo dá quando lhe perguntam de onde sairá o dinheiro para as suas políticas. Ora, do próprio crescimento econômico gerado pela política adotada, respondem. É o moto-perpétuo das políticas que estimulam a demanda. Se funcionassem, não haveria país pobre nesse mundo de Deus.

Quando não funcionam, os culpados são “a má-vontade da mídia”, “as pautas-bomba do Congresso”, “a sabotagem da plutocracia”, etc. Nunca as políticas adotadas.

Claro, a Economia é uma ciência humana, não se resume à Matemática. Mas assim como a Engenharia não pode desafiar a Física, a Economia não pode desafiar a Matemática. Mas desafiar a Matemática não é a única proeza dos economistas heterodoxos. A própria Economia sofre nas mãos desse pessoal. São sempre propostas de uma nota só: estimular o consumo e o investimento com recursos governamentais. Não consideram nada sobre o comportamento dos consumidores e das empresas, as consequências não intencionais das políticas adotadas, as expectativas racionais dos agentes, o papel das instituições, enfim, tudo que é mainstream nas economias mais desenvolvidas lhes é estranho.

Adaptando a equação do meu professor da Poli, a Economia seria Matemática mais bom senso. Para Ciro Gomes e os economistas do PT, a equação é outra: Economia não é nem Matemática e nem bom senso.

Todo mundo é trouxa

Esta proposta do Ciro é errada de várias maneiras combinadas.

1. O Banco do Brasil e a Caixa serão obrigados a aceitar um desconto sobre a dívida inscrita no SPC. Não será como em um feirão de renegociação, como na comparação mal-intencionada do candidato. Em um feirão, os bancos negociam um a um, e têm um budget para negociar. Na renegociação do Ciro, a ordem vem de cima para baixo, forçando um cancelamento de dívida que pode estar acima de sua capacidade de conceder. No final, o governo precisará capitalizar seus bancos. Com que dinheiro? Já vimos BB e Caixa sendo usados para implementar políticas de juros no governo Dilma, e o resultado não foi dos melhores.

2. Os bancos privados também serão chamados a colaborar, mediante uma redução do depósito compulsório. Ou seja, além de liberar espaço no balanço das famílias, os bancos privados terão mais dinheiro para emprestar. Será um novo voo de galinha, baseado exclusivamente no crédito, e que termina em mais inflação. Novamente, já vimos esse filme antes.

3. É o governo que vai pagar a dívida dos inadimplentes (“são só R$1.800 por família!”), não são os próprios, como em um feirão de renegociação. De onde sairá o dinheiro?

4. Mas talvez o efeito mais deletério seja sobre o comportamento do devedor. Se eu sei que não precisarei pagar a dívida, então vou me endividar pra valer! No final, o governo paga. É o efeito Refis. “Ah, mas nunca mais o governo vai fazer isso, é só uma vez!” Quem disse? Se fez uma vez, por que não pode fazer de novo? Os endividados sempre esperarão outro “limpa-nome”. E, enquanto isso, se endividarão mais.

Ciro está comprando os votos dos endividados com o dinheiro de todos os contribuintes. Aqueles que não se endividaram ou que pagam suas dívidas em dia são trouxas, no final do dia.

É isso: Ciro é o candidato que acha que todo mundo é trouxa.

As estratégias dos candidatos

Reportagem hoje no Estadão traça o perfil dos “irmãos Weintraub”, Arthur e Abraham, assessores de Bolsonaro há mais de um ano.

Professores universitários, os irmãos Weintraub têm larga experiência na iniciativa privada e na academia, e são especialistas em Previdência.

Mas o que me chamou a atenção foi a migração de suas preferências políticas. Em 2014 apoiaram Marina Silva, contra “o roubo epidérmico, o patrulhamento ideológico, o narcotráfico, a ameaça do totalitarismo bolivariano”.

Ora, a migração de Marina para Bolsonaro não se encaixa em uma clivagem “esquerda x direita”. Nada indica que, em 2014, Marina fosse uma alternativa melhor ao “patrulhamento ideológico” ou ao “totalitarismo bolivariano” do que Aécio. Aparentemente, tínhamos uma clivagem “establishment x anti-establishment”, que se acentuou muito nos últimos 4 anos. Somente isso justifica a migração Marina —> Bolsonaro, opostos no campo ideológico.

Se a posição dos irmãos Weintraub indicar uma tendência importante, está clara a estratégia dos candidatos para chegar ao 2o turno:

– Alckmin, estando praticamente sozinho no campo do establishment, deve investir na clivagem “esquerda x direita”, procurando tirar votos da direita que iriam para Bolsonaro. Ana Amélia se encaixa nessa tática, assim como o discurso liberal e de segurança pública.

– Bolsonaro não está sozinho no campo anti-establishment, mas está praticamente sozinho no campo “direita”. Então, deve investir sobre outros candidatos “anti-establishment”, como Marina, atraindo votos como os dos irmãos Weintraub.

– Ciro e o candidato do PT estão no campo congestionado da esquerda, onde também estão Marina e, para os bolsonaristas, Alckmin. Portanto, devem procurar unificar os votos da “esquerda” em torno dos seus respectivos nomes. Ciro especificamente não conseguirá tirar a bandeira de “anti-establishment” de Bolsonaro ou Marina. O candidato do PT, por sua vez, é establishment e, portanto, só lhe resta apostar na clivagem “esquerda x direita”.

A última princesa do baile

A última princesa do baile saiu da festa sem se casar com ninguém.

Com a definição do PSB pela neutralidade, temos apenas um candidato à presidência com uma coligação para chamar de sua: Alckmin.

A neutralidade do PSB tem sido apontada como uma vitória de Lula sobre Ciro, o que é verdade. Sozinho no PDT, diminuem as chances do coronel de Sobral passar para o 2o turno representando “a esquerda”.

Mas o outro ganhador, reforçando a fama de jogar parado, foi Alckmin. Garantiu a máquina do governo de São Paulo para a sua campanha, pois Marcio França, sua quinta-coluna dentro do PSB, poderá trabalhar livremente por sua candidatura no maior colégio eleitoral do Brasil, sem as amarras de uma aliança nacional.

Alckmin está juntando dezenas de exércitos em pontos estratégicos do tabuleiro para atingir seu objetivo. Resta saber se jogará bem os dados quando começarem as batalhas.

O que eles não gostam de ouvir

O “mercado” representa a poupança de todos nós, brasileiros. Ao dizer coisas de que o “mercado” não gosta, Ciro, na verdade, está ameaçando todos os que têm investimentos e, consequentemente, todos os que precisam de crédito, a começar pelo próprio governo. Ou Ciro e Lupi acham que o “mercado” vai continuar financiando essa esbórnia fiscal?

Mistérios

Ciro defende um “câmbio competitivo” para ajudar na “reindustrialização” do país.

Ao mesmo tempo, Ciro defende a ideia de vender US$ 200 bilhões das reservas para pagar a dívida.

Como Ciro pretende internalizar US$ 200 bilhões e, ao mesmo tempo, desvalorizar a moeda, é desses mistérios que somente um gênio da raça como o Coronel domina.

A lógica do preço da gasolina

Mauro Benevides, responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes deu entrevista hoje no Valor.

Na primeira pergunta, já mostrou toda a sua ignorância de como funciona a microeconomia. Perguntado sobre a politica de preços da Petrobras, Benevides solta a pérola: “qualquer empresa no mundo fixa os preços por custo de produção”.

Não, Benevides, os preços não são definidos pelos custos de produção. Os preços são definidos por oferta e demanda. Os custos vão definir somente se a empresa vai sobreviver ou não em um determinado ambiente de oferta/demanda.

Por exemplo, o custo dos caminhoneiros cresceu com o aumento dos combustíveis. Segundo Mauro Benevides, então, o preço do frete deveria aumentar. Sim, deveria, se a demanda pelo serviço se mantiver constante no novo preço. Se a demanda cair, alguns caminhoneiros deverão sair do mercado no novo preço. Ou o preço não sobe, e ficarão no mercado apenas aqueles caminhoneiros que conseguirem trabalhar com margem mais baixa.

O caso da Petrobras é um pouco diferente, por ser uma empresa, na prática, monopolista. A competição vem apenas dos combustíveis importados. Por que, então, a Petrobras não pode simplesmente vender combustíveis com base no seu preço de custo, adicionando apenas uma “margem de lucro cidadã”?

Temos dois cenários possíveis: no primeiro, o custo está maior do que o preço internacional. Neste caso, o preço praticado pela Petrobras seria maior do que o do produto importado. Então, seria uma questão de tempo para a Petrobras perder todo o mercado de comercialização de combustíveis, quebrando a empresa.

Mas é o segundo cenário que nos interessa, quando o custo está bem menor do que os preços internacionais. Neste caso, por que a Petrobras, sendo monopolista, simplesmente não vende mais barato o combustível no mercado doméstico, beneficiando o cidadão brasileiro? Esse é o brilhante raciocínio de Mauro Benevides e, com certeza, da maioria dos brasileiros.

Para entender porque este raciocínio leva, no longo prazo, à inviabilidade da empresa, é preciso entender que o petróleo é uma commodity global, cujo preço é determinado, ao longo do tempo, por um tênue equilíbrio de oferta e demanda. Este preço, em tese, paga o risco de extração do petróleo do produtor marginal mais caro. Se há um excesso de oferta (ou falta de demanda), o preço cai, inviabilizando o produtor com maior custo de produção e, portanto, diminuindo a oferta e aumentando a demanda até se encontrar um novo equilíbrio. E vice-versa.

Claro que, neste processo, os produtores com menor custo de produção acabam por auferir maiores lucros. Mas não há modo de ser diferente pois, por ser um mercado aberto, o preço é global, e cada produtor, do mais barato ao mais caro, tem o seu papel no tênue equilíbrio entre oferta e demanda.

Agora, suponhamos que a Petrobras oferecesse aos brasileiros a bênção de uma gasolina mais barata do que aquele preço ditado pelo mercado internacional, baseando-se apenas nos seus custos. Ocorreriam duas coisas: 1) haveria uma pressão exportadora de combustíveis. Traders poderiam comprar o combustível para revender com lucro no mercado global. Claro, isso poderia ser proibido, mas sabe como é o tráfico clandestino em um país como o Brasil, né? E 2) o combustível mais barato daria um sinal de abundância para o consumidor, o que aumentaria a demanda, forçando a Petrobras a importar o produto mais caro e subsidiá-lo para o consumidor local. Foi basicamente isso que aconteceu em 2012-2013, provocando prejuízos bilionários para a empresa.

Além disso, sempre resta a discussão de qual seria a tal “margem de lucro cidadã” a ser praticada pela Petrobras. A margem de lucro deve cobrir as despesas operacionais, os investimentos a serem feitos para manter e, eventualmente, aumentar a produção, e o custo do capital, que deve ser proporcional ao risco da atividade. E, convenhamos, o risco de explorar petróleo não é baixo. No final, o preço internacional do petróleo, ao longo do tempo, procura remunerar estes três componentes. Não tem muita mágica em um mercado extremamente competitivo como o do petróleo.

Por fim, se nada disso foi convincente, então dá uma olhada na Venezuela. A PDVSA está quebrada e a produção de petróleo está despencando, mas você enche o tanque com poucos centavos. Claro, vão lhe dizer, não queremos chegar neste ponto. Sim, ninguém quer. Mas quando ideias brilhantes como a de Mauro Benevides são postas em prática, os preços passam a ser apenas um detalhe na mão de populistas. Aí, o inferno é o limite.

Ciro tem razão

Nunca pensei que um dia iria dizer isso, mas Ciro tem razão.

Se não for para subsidiar combustível quando necessário, pra que serve a Petrobras?

Só faz sentido o governo controlar uma empresa se puder usá-la para seus interesses. Inclusive, dar prejuízo “quando necessário”. Se esse prejuízo terá que ser pago mais cedo ou mais tarde pelo povo, não vem ao caso. O que importa é a política populista de curto prazo, para enganar os trouxas.

A Petrobras não será privatizada nunca.

A tungada escondida

Ainda Ciro Gomes.

Pedro Nery, em excelente artigo hoje no Valor, usa as próprias ideias de Nelson Marconi (principal assessor econômico de Ciro) para desmascarar o que realmente significa o projeto “desenvolvimentista”.

O Santo Graal dos economistas desenvolvimentistas é um certo “câmbio de equilíbrio industrial”, que permitiria que a indústria local se tornasse competitiva. Em recente entrevista ao Valor, Marconi teria indicado que um câmbio entre R$ 3,80 e R$ 4,00 cumpriria este papel. (Não se iluda, este alvo é móvel, quando o câmbio chegar lá, o novo “câmbio de equilíbrio industrial estará mais para cima. Mas sigamos).

Pois bem: o que Pedro Nery vai garimpar em um livro do próprio Nelson Marconi, em co-autoria com Bresser-Pereira (!), é a admissão dos efeitos desse câmbio mais desvalorizado: diminuir os salários reais, via inflação. Ou seja, os trabalhadores precisariam ser convencidos a não terem seus salários reajustados, de modo a tornar as empresas mais competitivas com o novo câmbio! Caso contrário, aquela desvalorização real se torna apenas nominal, não servindo para aumentar a competitividade da indústria.

O trecho destacado abaixo descreve como Marconi resolveria a questão: através de um papo franco entre empresários e trabalhadores, intermediado pelo governo! Muito fofo. Faz lembrar as “câmaras setoriais” da Dorothea Werneck no governo Sarney, em que se tentava lidar com a inflação na base do papo.

Trabalhador: saiba que, quando alguém fala em “incentivos para a indústria” e “câmbio no lugar certo”, na verdade estão querendo tungar você.