57 anos.
Segundo a última tabela de mortalidade do IBGE, minha expectativa de vida é de mais 23 anos. Trata-se de uma estimativa bayesiana, ou seja, condicionada ao fato de que cheguei aos 57 anos. Hoje, o brasileiro que tem 57 anos pode esperar viver até os 80 anos, ao passo que o brasileirinho que nasce hoje pode esperar viver até os 73,5 anos. Essas estimativas são para os homens, para as mulheres são uns 3 anos acima, na média. Também trata-se de uma estimativa para o brasileiro médio, sem considerar a renda. Brasileiros que, como eu, estão no topo da pirâmide de renda (ganhos acima de 10 salários mínimos), certamente têm uma expectativa de vida maior do que a média nacional. Feliz ou infelizmente, o IBGE não faz o cálculo segundo essa estratificação.
Em 1965, quando nasci, minha expectativa de vida era de 52,5 anos. Ao atingir 57 anos, e tendo mais 23 anos pela frente, já ultrapassei em muito aquela expectativa. Se eu tivesse falecido há 4,5 anos atrás, todos seriam unânimes em dizer que eu era muito jovem para partir.
O IBGE não tem uma bola de cristal. As expectativas de vida são calculadas com base no perfil de mortalidade atual. As pessoas vão morrendo cada vez mais tarde, puxando para cima a expectativa de vida ao nascer. Durante a pandemia, a expectativa de vida recuou porque houve um excesso de óbitos em relação ao normal estatístico. Esse recuo foi somente um efeito estatístico, não uma regressão civilizacional.
Civilização, esse é o nome do jogo. A história do progresso civilizatório é, no fundo, uma história dos avanços da humanidade na tarefa de escapar das garras da morte. A humanidade nasce na natureza material, mas aspira à imortalidade divina. A civilização é esse caminhar do barro para o divino. Não à toa, quando os sociólogos da ONU criaram o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para substituir o PIB como medida do bem-estar das nações, escolheram a expectativa de vida como um dos fatores relevantes, além do nível educacional e do próprio PIB.
Hoje, quando falo com minha filha do outro lado do mundo usando o vídeo do WhatsApp, não consigo deixar de me lembrar dos Jetsons, desenho animado da minha época. Além dos carros voadores e da empregada-robô, eles tinham esses videofones, que eram coisa de ficção científica. Hoje, poucas décadas depois, temos o mesmo aparelho disponível e massificado. Quando vejo um bebê nos braços de sua mãe, ponho-me a imaginar o que o futuro lhe está preparando. Coisas que não verei com esses olhos, assim como meus antepassados não viram os “videofones”. E esse avanço que faz parte de nossas vidas é uma diminuta fração da miríade de avanços que permitiram à humanidade chegar um pouco mais próxima da imortalidade.
Há uma espécie de seita catastrofista, que prevê o apocalipse como resultado dessa tentativa da humanidade de escapar de seu destino mortal. A natureza, tal qual madrasta traída, não suportaria essa presunção dos Homens, e se vingaria sem dó, afogando a humanidade em alagamentos, tufões, frios marcianos e calores mercurianos, sem direito a uma arca para o salvamento. Os índios, em sua pureza selvagem, seriam o símbolo máximo desse respeito pelo destino traçado pela mãe-natureza. O culto aos índios é parte indissociável dessa purificação prometida pela seita ambientalista, em que não resta outra saída a não ser abrir mão da busca pela imortalidade. A civilização, como desafio aberto à mortalidade, será castigada, e a única saída é imitarmos os índios em seu respeito ao nosso destino incontornável.
Particularmente, prefiro pensar que a civilização encontrará as respostas aos desafios impostos pela natureza, como tem sido a regra ao longo dos séculos. Nesses dias, o hemisfério norte tem enfrentado ondas de frio extremo, e já se conjectura se não teriam sido causados pela ação do Homem na natureza. Pode até ser que sim. A questão, no entanto, é que muito menos seres humanos perecem hoje de frio do que há um século, mesmo com todas as supostas catástrofes causados pelas mudanças climáticas. A expectativa de vida continua subindo, apesar de tudo. Se Malthus pudesse ver o grau de riqueza e prosperidade que usufruímos hoje (cujo sinal é o aumento da expectativa de vida), mesmo com 8 bilhões de almas sobre o planeta, certamente revisitaria as suas premissas.
As conquistas civilizatórias não abrangem toda a humanidade, dizem. A péssima distribuição de renda, entre países e dentro dos países, não permite que todos os homens desfrutem dessa centelha de imortalidade na mesma proporção. Verdade. Como também é verdade que a expectativa de vida vem crescendo no mundo inteiro, sem exceção. Ao mesmo tempo em que a expectativa de vida ao nascer de um, digamos, etíope médio, hoje, é a mesma de um americano em 1950 (67 anos), o mesmo etíope tinha expectativa de vida ao nascer de apenas 33 anos em 1950. Os ganhos civilizatórios chegam para todos, ainda que em velocidades diferentes, determinadas pelos arranjos institucionais dos países.
Fazer 57 anos e ainda ter 23 anos de expectativa de vida pela frente seria inimaginável para o brasileiro de 100 anos atrás. Quando vejo um bebê, olho para o futuro com otimismo. Apesar de tudo, a humanidade caminha em direção à imortalidade. Nunca seremos imortais, claro, mas a nossa capacidade de nos arrancar do determinismo da natureza já está mais do que provada. Longa vida à humanidade, a obra-prima de Deus.