Os anti-vacinas ganharam um troféu e tanto: Nelson Sargento morreu de COVID-19 depois de ter tomado duas doses da Coronavac. Aliás, como brinde, foi justamente com a vacina do “calça apertada”.
O que dizer? Melhor seria acabar com essa tolice de vacinação e conformar-nos com a realidade, tão bem sintetizada na frase de nosso presidente, “alguns vão morrer, lamento, essa é a vida”?
Obviamente não, esse raciocínio não faz o mínimo sentido. Vejamos.
Para que ocorra uma contaminação, é necessário que ocorra antes uma transmissão. É muito provável que a pessoa que transmitiu o vírus para Nelson Sargento não tenha tomado a vacina. E, se o fez, muito provavelmente a pessoa de quem adquiriu o vírus não tomou. Em um país onde menos de 25% das pessoas receberam a 1a dose da vacina, é muito provável que essa cadeia de transmissão acabe em alguém que não tenha se imunizado.
Então, são necessárias as duas pontas no processo: alguém que transmita e alguém que se contamine. As críticas à vacina se concentram na parte que se contamina. Afinal, tomou a vacina, por que se contaminou? Ora, porque nenhuma vacina no mundo é 100% eficaz. Se alguém entendeu isso, entendeu errado. As chances diminuem, a probabilidade de ficar doente é menor, de morrer menor ainda, mas a chance não é zero.
Por isso, as campanhas de vacinação focam na imunização do maior número de pessoas possível, com o objetivo de inibir a outra ponta da corrente, a ponta da transmissão. Nelson Sargento, por algum motivo, não desenvolveu as defesas necessárias contra o vírus, mesmo recebendo a vacina. Mas ele provavelmente não teria ficado doente se aqueles que participaram da cadeia de transmissão do vírus tivessem já recebido a vacina. Pois alguns nessa cadeia não teriam desenvolvido a doença, interrompendo o processo.
Por isso, também não faz sentido dizer “eu não vou tomar a vacina, tem gente mais apavorada na frente”. A vacina não é um escudo individual perfeito; antes, a vacina é um escudo comunitário. Individualmente, a vacina tem uma eficácia limitada: funciona para muitos, mas não para todos. Comunitariamente, no entanto, se um número suficientemente grande de pessoas se imunizar, a cadeia de transmissão do vírus se quebra, encerrando o processo.
Portanto, a morte de Nelson Sargento não prova que a vacina não funciona, mesmo porque já sabíamos que não funciona em 100% dos casos no nível individual. O que sim a morte de Nelson Sargento prova é que a velocidade da vacinação não está suficientemente rápida para evitar a transmissão. Se há algo ou alguém culpado pela morte de Nelson Sargento não é a Coronavac.