Para que os Correios servem

Há coisa de dois meses atrás, fui a Curitiba a trabalho, e esqueci uma peça de roupa no hotel. Chegando em São Paulo e percebendo o esquecimento, liguei para o hotel e solicitei que me enviassem a peça pelo correio. Assim o fizeram, para retirada em uma agência dos correios. O aviso de entrega chegou no dia 07/06, com data máxima de retirada para o dia 08/06. Se não fosse retirado até essa data, a encomenda seria devolvida ao remetente. Detalhe: o dia 08/06 era Corpus Christie, feriado nacional. Até fui à agência para conferir se não estaria aberta. Obviamente, não estava. No dia 09/06, fui novamente à agência e, claro, o pacote já não estava mais lá. De nada adiantou argumentar que a data máxima de retirada caía em um feriado, e que, portanto, não havia como retirar a encomenda. O fato é que o pacote já estava a caminho de Curitiba. Voltei a entrar em contato com o hotel, que prometeu enviar novamente assim que a encomenda retornasse, e assim o fez. Alguns dias depois, recebi outro aviso de retirada dos correios, fui até a agência, e paguei a taxa de R$ 72,38, a mesma que teria pago se minha peça de roupa não tivesse viajado entre Curitiba e São Paulo em dobro, um evidente desperdício de recursos.

Corta.

Para enviar os meus livros autografados, uso um serviço de entrega chamado Kangu. O frete para os rincões mais distantes não custam mais do que R$ 25 aqui de São Paulo. Recebo e-mails a cada passo do processo, desde a emissão das etiquetas, passando pela postagem até a efetiva entrega. Se a entrega tiver falhado, recebo um e-mail avisando, de modo que posso lidar com a situação. A postagem se dá em inúmeros pequenos comércios conveniados, em muito maior número do que agências dos correios.

Essa comparação me veio à mente ao ler a pequena nota abaixo, informando que os Correios são o objeto de desejo do União Brasil, mas Lula não pretende trocar o seu presidente, o advogado Fabiano Silva. O Sr. Silva é especialista em regimes de previdência e tem um MBA em Gestão de Empresas pela Facamp, mas a real qualificação para o cargo de presidente dos Correios é ser de estrita confiança do presidente da República. O fato de nunca sequer ter tocado um carrinho de pipocas não o desqualifica aos olhos do presidente.

Os Correios, assim, continuarão a cumprir a sua missão: servir como moeda de troca política e preservar os empregos de seus funcionários. O serviço ao usuário mesmo continuará a migrar para empresas de verdade.

Qual a surpresa?

Qual a surpresa? Surpresa haveria se Lula continuasse com o programa de desestatizações. Surpresa houve quando o estatista de quatro costados, Itamar Franco, privatizou a CSN em 1993, a empresa símbolo do Estado empreendedor.

Na verdade, estamos colhendo os frutos da inoperância do “único governo verdadeiramente liberal da história do Brasil”. Guedes assumiu o ministério da Fazenda falando em R$ 1 trilhão em privatizações e venda de imóveis. Chegamos ao fim de seu governo com apenas uma das 15 estatais incluídas no Plano Nacional de Desestatização, a Eletrobras, que já tinha sido colocada na marca do pênalti pelo governo Temer, e só foi privatizada depois que o Congresso pendurou uma “manada” de jabutis no projeto, como recentemente se referiu ao coletivo do quelônio o ministro Haddad.

As outras 14 empresas na lista (Docas do ES, ABGF, Emgea, CBTU/BH, Trensurb, Ceagesp, Casa da Moeda, Serpro, Dataprev, Ceitec, Nuclep, Docas da BA, Correios e EBC) ficaram para as calendas. Como comparação, o “comunista” FHC vendeu “só” a Vale, todo o sistema Telebrás e mais 19 outras empresas menores em seu primeiro mandato.

Lula só está seguindo o seu programa de governo, não deveria ser surpresa para ninguém. Surpresa foi o desempenho pífio do governo Bolsonaro neste campo. Aliás, se há alguma surpresa, é positiva: Lula poderia ter retirado todas as 14 empresas da lista acima, não somente 7. Poderia, inclusive, ter encerrado o PND e estabelecido o PNE – Plano Nacional de Estatização. Seria congruente com seu programa e seu discurso. Podemos dizer que, em termos de privatizações, Lula está sendo mais liberal na prática do que no discurso. Ao contrário de Bolsonaro.

PS.: não adianta vir aqui e mostrar os bilhões de reais obtidos pela venda de participações minoritárias do BNDES, ou a venda de subsidiárias e refinarias da Petrobras. Isso não é venda de controle por parte da União, que é o objeto do PND.

Brincando de empresário

Paulo Bernardo foi ministro das Comunicações no primeiro governo Dilma. Durante o seu período como ministro, os Correios conseguiram virar um lucro recorrente para a produção de prejuízos em série. Por isso, Paulo Bernardo tem autoridade para pontificar sobre a empresa, como faz nessa matéria do Valor Econômico.

Começando pelo fim: Bernardo não vê sentido em “privatizar para entregar a parte mais rentável e deixar para a outra (a parte estatal) as obrigações”. Tenho uma sugestão ao ex-ministro: não pare nos Correios. O governo deveria identificar todas as empresas “rentáveis” e estatizá-las. Afinal, que sentido tem deixar empresas rentáveis nas mãos da iniciativa privada, enquanto o governo fica só com o osso?

Os defensores dos Correios nas mãos do Estado recorrem à sua “função social”. Afinal, quem iria entregar cartas nos cafundós dos Judas, uma operação claramente deficitária? Sem prejuízo de que subsídios para esse tipo de operação seriam suficientes para esse tipo de problema, poderíamos estender esse raciocínio para qualquer tipo de necessidade. Por exemplo, alimentar o povo é uma necessidade social urgente. Assim, seria o caso de ter uma grande estatal que cuidasse da plantação, da produção e da distribuição de comida. Segundo Bernardo, melhor ainda se essa estatal fosse rentável. Assim, seria o caso de estatizar fazendas, indústrias e redes de supermercados, uma cadeia rentável e que não está cumprindo a sua função social, pois há brasileiros passando fome. O que o PT está esperando para anunciar esse plano?

Bernardo, logo no início da reportagem, afirma que os Correios precisam ter preços competitivos para concorrer com a iniciativa privada. Além disso, lembra que uma lei de 2011 permitiu aos correios atuar em áreas como logística, serviços financeiros e comunicação eletrônica, concorrendo com a iniciativa privada nessas áreas. Agora, pense um pouco: qual o sentido de uma estatal “concorrer” com a iniciativa privada? Afinal, a estatal existe tão somente para explorar “falhas de mercado”, onde a iniciativa privada não tem interesse em atuar. Não deveria haver competição, portanto. Aliás, com todas as suas amarras regulatórias e interesses políticos envolvidos, além do sequestro corporativo por parte dos empregados, não há mesmo como uma estatal concorrer com a iniciativa privada de igual para igual.

Os Correios não serão privatizados. O governo do PT prefere continuar brincando de empresário, com os resultados já conhecidos. Nenhuma surpresa aqui.

A grande obra constituinte

O PGR enviou parecer ao STF, contestando a privatização de 100% dos Correios via projeto de lei. Segundo Aras, somente uma mudança na Constituição, através de uma PEC, permitiria a privatização total da estatal.

Fui dar uma olhada na Constituição. Desta vez, devo concordar com o PGR.

Nenhuma descrição de foto disponível.

Em seu artigo 21, sobre as atribuições da União, inciso X, a Carta Magna diz que o “serviço postal e o correio aéreo nacional” são competências da União. Poderíamos pensar (e foi a primeira coisa que pensei): “mas não está dizendo que precisa ter uma empresa para prestar esses serviços, a União poderia conceder para a iniciativa privada, mantendo a sua competência, como aliás acontece em vários outros ramos da economia”.

Sim, poderia haver essa interpretação, se os incisos seguintes, XI e XII, não existissem. O problema é que existem, e determinam justamente isso, que atividades de telecomunicações, energia, transportes etc podem ser concedidas para a iniciativa privada. Ora, se os serviços postais e de correio aéreo não foram incluídos nos incisos XI ou XII, é que o deputado constituinte não previu a concessão como uma das possibilidades de a União exercer a sua (in)competência na prestação desses serviços.

Então, para privatizar os Correios, o governo deve ter maioria constitucional. Não é impossível, mas é muito mais difícil do que aprovar um projeto de lei. Parabéns, deputados constituintes, vocês trabalharam direitinho para manter o povo brasileiro refém de serviços ruins.

Os ratos e a narrativa: o que realmente está por trás do lucro dos Correios

“TIRAMOS OS RATOS, TIVEMOS MUITO LUCRO!!”

Assim começa um post comemorando o resultado dos Correios em 2020: lucro de R$ 1,5 bilhões contra um resultado de R$ 0,1 bi em 2019. Um aumento de R$ 1,4 bi de um ano para o outro.

Como sabemos todos os que analisamos balanços, a última linha esconde mais do que mostra. Por que o lucro dos Correios subiu tanto em 2020 em relação a 2019? Abaixo um resumo da Demonstração de Resultados.

Podemos observar que a receita dos Correios foi menor em 2020 do que em 2019 em cerca de R$ 1,1 bi. No entanto, o custo dos produtos vendidos e despesas administrativas caíram, respectivamente, R$ 1,6 bi e R$ 0,1 bi, outras receitas operacionais subiram R$ 0,3 bi, as receitas financeiras subiram R$ 0,2 bi e houve um ganho com impostos de R$ 0,4 bi. Resumindo, temos:

  • Ganho de receitas: (R$ 0,8 bi)
  • Ganho de custos: R$ 1,6 bi
  • Ganhos financeiros: R$ 0,3 bi
  • Ganhos com impostos: R$ 0,4 bi

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Total: R$ 1,5 bi

Aí vamos para os detalhes do balanço. Claro que a linha que mais fez diferença foi a redução de custos. Basicamente por 3 motivos:

1) Menor despesa com plano de saúde: a participação dos funcionários no custeio do plano foi aumentado de 30% para 50%, o que resultou em uma economia de R$ 0,7 bi.

2) Menor despesa com pessoal: como foi feito um PDV em 2019, a despesa com a folha caiu outros R$ 0,7 bi

3) A despesa com o PDV em 2019 (R$ 0,3 bi) não aconteceu em 2020.Portanto, está aí a explicação para os R$ 1,6 bi de queda de custos.

A receita financeira aumentou porque os Correios detém o chamado DES – Direito Especial de Saque, moeda usada em relações postais internacionais, que se valorizou na medida em que o Real se desvalorizou absurdamente no ano passado.

Por fim, o “lucro” obtido com impostos é uma tecnicalidade relativa ao CSLL que gerou R$ 0,4 bi de lucro adicional este ano em relação a 2019.

Então, o aumento de lucro este ano não tem nada a ver com ratos e nem com petralhas. Isso não passa de propaganda bolsonarista. O aumento do lucro foi o resultado de uma combinação de redução de pessoal com aumento do custo do plano de saúde para os funcionários, valorização do dólar e filigranas tributárias.

Gastei um tempo analisando o balanço dos Correios porque este post enganoso tem dois objetivos:

1) Mostrar que o atual governo combate a corrupção nas estatais e

2) Justificar a não-privatização dos Correios

Este lucro, como demonstrado, não tem nada a ver com combate à corrupção. Foi apenas resultado de alguns fatores administrativos (corte de pessoal e de custos) e alguns fatores meramente contábeis.

Os Correios sempre deram lucro, com exceção do período de 2013 a 2016. A “roubalheira”, portanto, não impediu de a empresa gerar lucro. A inépcia administrativa, sim. Os Correios estão sendo bem geridos neste governo? Aparentemente sim. Assim como o foram durante os governos Temer, Lula e FHC.

Aqui entramos na segunda questão: privatização. Se os Correios são capazes de gerar lucro se bem administrados, por que então privatizar? Bem, não vou me alongar muito. Há vários motivos, desde a aplicação do capital em outras prioridades nacionais mais urgentes até evitar que caia novamente nas mãos de governos ineptos, passando pelo uso como instrumento de corrupção. Mas vou me ater a um só: qualidade dos serviços.

A demonstração de resultados traz uma tabela com o número de reclamações recebidas pela Ouvidoria dos Correios. Em 2018 foram 8 mil, em 2019, 15 mil e em 2020 foram nada menos do que 57 mil! Ou seja, em dois anos, o número de reclamações multiplicou-se por 7!

Aparentemente, o tal corte de pessoal e de custos fez cair a já sofrível qualidade de serviços da empresa. Ou seja, precisamos escolher: ou lucro, ou qualidade de serviços. As duas coisas, que em empresas privadas andam de mãos dadas, nos Correios parece que são incompatíveis.

Vamos ver se a privatização finalmente sai neste governo.

A farra acabou

Nos idos da década de 80, a esposa de um amigo meu trabalhava no Banespa. Os pais dela eram cobertos pelo plano de saúde da empresa, a Cabesp. E não era qualquer cobertura não! Dava direito até ao Sírio!

Bem, o resto é história. O banco quebrou e foi privatizado. Foi por causa do plano de saúde dos pais da esposa do meu amigo? Assim como a queda de um avião, uma falência não tem um motivo único. O plano de saúde nababesco do Banespa era apenas mais um item em uma longa série de benesses e desmandos que acabaram por inviabilizar a empresa.

Estatais são assim: criadas para “servir o povo”, acabam por servir os políticos e os seus funcionários. Enquanto papai Estado tem dinheiro para manter a farra, vai se levando. Quando papai Estado quebra também, não resta outra alternativa a não ser privatizar ou simplesmente fechar a empresa.

Os Correios são somente mais um exemplo dessa crônica de uma morte anunciada. Eu dizia para esse meu amigo: aproveite enquanto é tempo, essa farra um dia vai acabar. E acabou.

Privatizar ou não privatizar?

O presidente dos Correios diz que a empresa é insubstituível.

Os Correios estão sob o ministério da Ciência e Tecnologia. O ministro Marcos Pontes também já se mostrou contra privatizações.

Aqui, estou com o sindicalista, que disse que é preciso que “o governo se entenda”. Não dá pra dizer que quer privatizar e, ao mesmo tempo, colocar estatistas de carteirinha no comando de ministérios e estatais. Afinal, o governo quer ou não quer privatizar?