Sergio Sebastião Moro

Escrevi muito sobre Sergio Moro na época da Lava-Jato. Seu papel na maior operação anti-corrupção da história brasileira o guindou a astro da política nacional. Ele se convenceu dessa nova posição, e abandonou a carreira no Judiciário para continuar sua luta contra a corrupção na arena política, ao aceitar o cargo de ministro da Justiça no governo Bolsonaro.

Moro simbolizava, de fato, a luta por melhores modos de conduzir a coisa pública. Tanto foi assim, que se tornou o único nome que chegou a ameaçar seriamente a polarização entre Lula e Bolsonaro. Antes de desistir oficialmente de sua candidatura presidencial, Moro chegou a ter 10 pontos percentuais em algumas pesquisas de intenção de votos, repetindo o fenômeno Joaquim Barbosa em eleições anteriores, que navegava na mesma faixa de onda.

Em retrospectiva, vê-se que o ápice de Moro foi a sua indicação para o ministério da Justiça. Depois daquilo, foi ladeira abaixo. Sua passagem pelo ministério foi pífia, não conseguindo avançar a sua agenda anti-corrupção. Saiu batendo a porta, em um evento em que a montanha pariu um rato. O fato é que Moro foi comido com farinha pelos políticos, incluindo Bolsonaro.

Seu estoque de votos foi o suficiente para ser eleito senador pelo Paraná. Provavelmente será cassado, pouco importa se justa ou injustamente. Para todos os efeitos relevantes, Sergio Moro estará, dentro de pouco tempo, na planície, pronto para ser devorado pela classe política que desafiou sem ter as armas para tal. Lula não descançará enquanto não colocá-lo na cadeia.

Somente nesse contexto, em que Moro busca novos amigos para a próxima etapa de sua vida, pode-se entender o seu abraço fraternal em Dino, que foi acompanhado pelo seu voto. Sim, é óbvio que Moro votou pela aprovação de Dino. Não existe isso de “voto secreto”. Se o voto de um governista é mantido em segredo, é porque o governista votou contra o governo. Se o voto de um oposicionista é mantido em segredo, é porque o oposicionista votou a favor do governo, e este é certamente o caso de Moro. Esconder-se atrás do biombo do “voto secreto” é só mais uma demonstração, dentre tantas, da falta de habilidade política do ex-juíz.

Somos um país sedento de explicações para o nosso fracasso como nação. A corrupção é uma dessas explicações fáceis, em que o efeito se confunde com a causa, simplificando a solução de nossos problemas no imaginário do povo. E neste caso, a solução simples é um sebastianismo que alça figuras como Moro (e Bolsonaro, diga-se de passagem) ao panteão dos heróis nacionais. (Lula é também fruto desse sebastianismo, mas o “mal” que o demiurgo de Garanhhuns vem combater não é a corrupção, mas a “ganância dos ricos”).

Não há soluções fáceis quando se trata de diminuir o patrimonialismo que domina a sociedade brasileira, o nosso verdadeiro problema. Todos nós temos a nossa meia-entrada, e a defendemos com unhas e dentes, em um campeonato em que se disputa cada quinhão do Estado brasileiro. Um Estado balofo, do tamanho de nossos “direitos”. A corrupção é somente um sintoma, não a causa.

Moro, como vimos, estava longe de ter os instrumentos para lidar com essa realidade. O problema foi ele ter sido picado pela mosca azul, e ter acreditado que seria D. Sebastião.

O paraíso internacional da corrupção

Para quem não entendeu, deixe-me explicar o que aconteceu aqui: a OCDE pregou na testa do Brasil a frase “paraíso internacional da corrupção”. Assim como o assaltante de bancos Ronald Biggs e o terrorista Cesare Battisti procuraram o refúgio das praias brasileiras pela nossa fama de impunidade, os esquemas globais de corrupção podem buscar o Brasil como porto seguro para suas atividades. Claro, tudo sempre em nome do sacrossanto Estado Democrático de Direito.

Nosso subdesenvolvimento não é fruto de um golpe de azar.

A sociedade brasileira é estruturada em torno da corrupção

Segundo a Lei da Ficha Limpa, membros do MP não podem se candidatar a cargos eletivos se houver algum processo administrativo contra si. Quando Deltan Dallagnol pediu exoneração, não havia. Portanto, sua candidatura era limpa, conforme a lei. Assim havia sido o entendimento unânime dos juízes do TRE-PR, que deferiram a sua candidatura. No entanto, os juízes do TSE, por unanimidade, entenderam que os procedimentos contra o ex-procurador no MP iriam se tornar processos se Deltan não tivesse pedido para sair. Portanto, viram nisso uma “manobra” para burlar a lei.

Não vou aqui entrar no mérito da decisão. A interpretação dada pelos juízes é possível, ainda que possamos discutir sua justeza até o fim dos tempos. O fato é que há juízes, e quando os juízes decidem, acabou, mesmo que não concordemos com o mérito. A questão de fundo é como lidar com uma legislação e um sistema de justiça montados para proteger o criminoso, principalmente o de colarinho branco.

Com o benefício de olhar pelo retrovisor, podemos concluir que a tática usada por Moro, Dallagnol e Cia para lidar com o arcabouço jurídico/político corrente não deu certo. Por outro lado, penso ser ingenuidade achar que a turma da Lava-Jato poderia atingir os resultados desejados seguindo os trâmites by-the-book da justiça brasileira. Não que eu ache que eles tenham passado a risca em algum momento. Mas é disso que são acusados: “combinação juiz-promotor”, “delações forçadas”, “juiz não natural” e outras cositas más. Aliás, é por isso que Dallagnol tinha procedimentos contra si no MP. Digamos que tivessem evitado todas essas cascas de banana. Teriam chegado a algum lugar? E se tivessem chegado, outras cascas seriam encontradas nesse nosso maravilhoso arcabouço jurídico tupiniquim.

A sociedade brasileira é estruturada em torno da corrupção. A pequena e a grande. A corrupção, como já afirmou alguém, é a graxa que mantém as engrenagens funcionando. Essa é a realidade que nos condena à eterna mediocridade. Qualquer tentativa de mudar essa realidade estará fadada ao fracasso.

Corrupção sempre será corrupção

O PT fez muito mal ao Brasil durante a sua longa passagem pelo governo federal. Difícil eleger o pior, mas certamente um dos maiores males foi mudar o patamar da corrupção. O Petrolão transformou em escala industrial o que era feito de maneira artesanal. A Petrobras realizou uma baixa contábil de R$ 6 bilhões por conta de contratos superfaturados. Isso fora o dinheiro devolvido por delatores, que somaram mais de um bilhão. Só o gerente Pedro Barusco devolveu quase R$ 200 milhões!

O problema dessas cifras, e esse foi o mal que o PT fez ao Brasil, além da corrupção em si, faz esses casos denunciados recentemente parecerem coisa normal. Lendo a coluna de Felipe Moura Brasil, podemos ficar tentados a nos perguntar se é sério que devemos nos preocupar por desvios de alguns milhões de reais. Afinal, esse é o Brasil de sempre, voltamos ao normal.

Os desmandos do PT curtiram a pele nacional, e agora não sentimos mais a gravidade da corrupção. E não deveria ser assim. Em primeiro lugar porque corrupção é corrupção, independentemente se tratamos de milhares, milhões ou bilhões. Trata-se apenas de oportunidade, não de caráter. O cara que rouba milhões vai roubar bilhões se tiver oportunidade.

Mas, no caso em tela, a coisa é ainda pior. O PT foi acusado, com razão, de transformar o Estado brasileiro em um balcão de negócios para sustentar o seu projeto de poder, ferindo de morte a democracia. O que faz o governo Bolsonaro senão a mesma coisa? A exemplo do PT, seu apoio político e seu projeto de poder são comprados na base da corrupção. A única diferença, ao que se saiba até o momento, é que, ao contrário do PT, Bolsonaro, ele mesmo, não desviou dinheiro para si próprio. Mas o efeito sobre o processo democrático de exercício de poder é o mesmo que do Mensalão e do Petrolão, e não são três zeros a menos que mudam a natureza da coisa.

Lembro quando, no início do governo Bolsonaro, eu defendia aqui que não existe “governo do povo” em democracia representativa, e que Bolsonaro, que havia sido eleito sem qualquer coligação e com base de pouco mais de 10% dos deputados, deveria se dedicar a montar uma base no Congresso. Recebia como resposta “aqui não tem toma lá dá cá!”, ou “o presidente vai governar com a força das ruas!”. Hoje Bolsonaro governa na base do “toma lá dá cá”, enquanto as “ruas” de Bolsonaro estão mais preocupadas com o STF.

Continuo pensando da mesma forma que quatro anos atrás: não existe solução fora da política, que supõe compartilhamento de espaços de poder. A corrupção como meio de fazer política é uma doença brasileira, que os bolsonaristas davam como curada há quatro anos e hoje preferem olhar para o outro lado. Se tem algo que Bolsonaro involuntariamente provou é que essa doença brasileira não se cura na base de voluntarismos heróicos. Na verdade, não existe cura definitiva, mas creio que um presidente que saiba fazer política pode tornar o problema administrável. Eu, tal qual Diógenes, continuo à procura de um homem com minha lanterna acesa durante o dia. Este homem, certamente, não é Lula nem tampouco Bolsonaro.

Lula está livre, mas não por ser inocente

Como era de se esperar, o caso triplex prescreveu. Os advogados de Lula escrevem que o caso “não tinha nenhuma materialidade”. No entanto, a anulação da sentença não tem nada a ver com o mérito da acusação, mas com a suposta parcialidade do juiz do caso.

Em 13 de janeiro de 2018, escrevi um longo texto, analisando a sentença de Sergio Moro, rebatendo, ponto por ponto, os argumentos da defesa de Lula. Não, não sou operador do direito, por isso não entro nas tecnicalidades do processo. Minha análise é apenas lógica, baseada nas evidências que serviram de base para a condenação. Não é preciso ser advogado ou juiz para entender quando um político recebe propina.

A passagem do tempo pode nublar a memória de algumas pessoas. Este texto serve como um lembrete de tudo o que aconteceu. Lula está livre, mas não por ser inocente.

Os ratos e a narrativa: o que realmente está por trás do lucro dos Correios

“TIRAMOS OS RATOS, TIVEMOS MUITO LUCRO!!”

Assim começa um post comemorando o resultado dos Correios em 2020: lucro de R$ 1,5 bilhões contra um resultado de R$ 0,1 bi em 2019. Um aumento de R$ 1,4 bi de um ano para o outro.

Como sabemos todos os que analisamos balanços, a última linha esconde mais do que mostra. Por que o lucro dos Correios subiu tanto em 2020 em relação a 2019? Abaixo um resumo da Demonstração de Resultados.

Podemos observar que a receita dos Correios foi menor em 2020 do que em 2019 em cerca de R$ 1,1 bi. No entanto, o custo dos produtos vendidos e despesas administrativas caíram, respectivamente, R$ 1,6 bi e R$ 0,1 bi, outras receitas operacionais subiram R$ 0,3 bi, as receitas financeiras subiram R$ 0,2 bi e houve um ganho com impostos de R$ 0,4 bi. Resumindo, temos:

  • Ganho de receitas: (R$ 0,8 bi)
  • Ganho de custos: R$ 1,6 bi
  • Ganhos financeiros: R$ 0,3 bi
  • Ganhos com impostos: R$ 0,4 bi

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Total: R$ 1,5 bi

Aí vamos para os detalhes do balanço. Claro que a linha que mais fez diferença foi a redução de custos. Basicamente por 3 motivos:

1) Menor despesa com plano de saúde: a participação dos funcionários no custeio do plano foi aumentado de 30% para 50%, o que resultou em uma economia de R$ 0,7 bi.

2) Menor despesa com pessoal: como foi feito um PDV em 2019, a despesa com a folha caiu outros R$ 0,7 bi

3) A despesa com o PDV em 2019 (R$ 0,3 bi) não aconteceu em 2020.Portanto, está aí a explicação para os R$ 1,6 bi de queda de custos.

A receita financeira aumentou porque os Correios detém o chamado DES – Direito Especial de Saque, moeda usada em relações postais internacionais, que se valorizou na medida em que o Real se desvalorizou absurdamente no ano passado.

Por fim, o “lucro” obtido com impostos é uma tecnicalidade relativa ao CSLL que gerou R$ 0,4 bi de lucro adicional este ano em relação a 2019.

Então, o aumento de lucro este ano não tem nada a ver com ratos e nem com petralhas. Isso não passa de propaganda bolsonarista. O aumento do lucro foi o resultado de uma combinação de redução de pessoal com aumento do custo do plano de saúde para os funcionários, valorização do dólar e filigranas tributárias.

Gastei um tempo analisando o balanço dos Correios porque este post enganoso tem dois objetivos:

1) Mostrar que o atual governo combate a corrupção nas estatais e

2) Justificar a não-privatização dos Correios

Este lucro, como demonstrado, não tem nada a ver com combate à corrupção. Foi apenas resultado de alguns fatores administrativos (corte de pessoal e de custos) e alguns fatores meramente contábeis.

Os Correios sempre deram lucro, com exceção do período de 2013 a 2016. A “roubalheira”, portanto, não impediu de a empresa gerar lucro. A inépcia administrativa, sim. Os Correios estão sendo bem geridos neste governo? Aparentemente sim. Assim como o foram durante os governos Temer, Lula e FHC.

Aqui entramos na segunda questão: privatização. Se os Correios são capazes de gerar lucro se bem administrados, por que então privatizar? Bem, não vou me alongar muito. Há vários motivos, desde a aplicação do capital em outras prioridades nacionais mais urgentes até evitar que caia novamente nas mãos de governos ineptos, passando pelo uso como instrumento de corrupção. Mas vou me ater a um só: qualidade dos serviços.

A demonstração de resultados traz uma tabela com o número de reclamações recebidas pela Ouvidoria dos Correios. Em 2018 foram 8 mil, em 2019, 15 mil e em 2020 foram nada menos do que 57 mil! Ou seja, em dois anos, o número de reclamações multiplicou-se por 7!

Aparentemente, o tal corte de pessoal e de custos fez cair a já sofrível qualidade de serviços da empresa. Ou seja, precisamos escolher: ou lucro, ou qualidade de serviços. As duas coisas, que em empresas privadas andam de mãos dadas, nos Correios parece que são incompatíveis.

Vamos ver se a privatização finalmente sai neste governo.

Perseguição

“Perseguição”.

Ouvi muito esse substantivo da boca de Lula, de seu advogado e de petistas de maneira geral. Ao invés de se defender no mérito da acusação, o político pego com a boca na botija normalmente tira da manga a carta da “perseguição”, levando para o campo político um julgamento técnico.

Lembro quando Lula tentou se defender no mérito da questão do triplex. Segundo a defesa, o dono da OAS, Léo Pinheiro, teria tentado agradar Lula, oferecendo o triplex com várias melhorias. Mas, no final, o casal Lula decidiu não comprar o apartamento. Quer dizer, o dono da construtora compra uma cozinha Kitchen no valor de 150 mil, fora todas as outras reformas, só para seduzir um potencial comprador, sem garantia da venda. Ok.

O mesmo mambo jambo o filho 01 tentou fazer colar para explicar as movimentações de sua incrível loja de chocolates. Vimos novamente que, quando a coisa vai para o mérito, não se sustenta. Resta levar para a arena política.

Não me espanta que a tese da “perseguição” tenha vindo à tona novamente. Nada de novo debaixo do sol.

A corrupção artesanal nossa de cada dia

O PT fez muito mal ao país. Ao montar um esquema industrial de corrupção, o partido de Lula, na prática, fez parecer aceitáveis esquemas artesanais de corrupção.

Alguns anos atrás, ao matricular minha filha na auto-escola, havia dois pacotes disponíveis: o “normal” e o “fast track”, este último com a aprovação garantida. O Brasil é o país do jeitinho, corrupto em todos os níveis. Quem lida com o setor público sabe do que estou falando.

Esta é a corrupção nossa de cada dia, aquela que foi chamada por um deputado petista de “graxa do capitalismo”. O PT, com sua obra, fez essa corrupção artesanal parecer aceitável.

Nessa linha, ontem o presidente afirmou que essa tal “lei da improbidade” precisa ser revista, pois estaria amarrando os gestores públicos. De fato, é mais difícil governar sem a “graxa”.

Nessa linha, Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, vem defendendo o fim da criminalização do nepotismo no serviço público, que, não por acaso, é um dos dispositivos da lei da improbidade administrativa. Faz sentido. Afinal, qual o crime em dar gordos salários para familiares? É só uma corrupção artesanal, muito aceitável perto do que o PT fez.

Muito mais aceitável também são as rachadinhas, prima-irmã do nepotismo. O 01 livrou-se ontem do inquérito, em mais um movimento de volta ao velho normal da corrupção artesanal, aquela que é aceitável diante do que o PT fez.

Ao defender a revisão na lei da improbidade, Bolsonaro rasga mais uma bandeira de campanha. Assim como o “presidente liberal” era uma miragem, o “presidente anti-corrupção” também vai se mostrando um engodo. Voltamos ao Brasil normal.

O fim da corrupção

Em seu momento Lula, que afirmou que a miséria havia acabado no país, Bolsonaro afirma que a corrupção acabou em seu governo. Vão longe os tempos em que o mote era “se o PT ganhar, a Lava Jato acaba”.

O presidente tem demonstrado coragem e pouca preocupação com popularidade ao desmontar a principal operação anticorrupção do país. Quisera tivesse a mesma coragem para enfrentar as reformas impopulares de que o país necessita. Mas, neste caso, o que vale mesmo é o populismo.

Mau pressentimento

O track record de Bolsonaro na indicação de magistrados é ruim. Na única oportunidade que teve, indicou um PGR que está enterrando o combate à corrupção de alto coturno.

Vamos ver se a indicação para o STF será melhor nesse sentido. Além de “terrivelmente evangélico”, precisa ser também “terrivelmente anti-corrupção”. Tenho maus pressentimentos.