Natural, bom e antigo

“O lavajatismo há de ser superado pelo natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”.

Fala de Augusto Aras, PGR escolhido a dedo por Bolsonaro, em live de um grupo de advogados criminalistas que ganham a vida explorando os meandros e chicanas do “natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”.

“Lavajatismo” é o termo cunhado por estes mesmos advogados e seus clientes para alcunhar a “sanha persecutória” de procuradores e juízes contra a classe política. A atividade política teria se tornado sinônimo de bandidagem pela ação de procuradores e juízes, e não pela ação dos próprios políticos.

Todos são muito ciosos em louvar as conquistas da operação Lava-Jato. Procuram separar a Lava-Jato do “lavajatismo”. Aras faz coro aos que afirmam que houve abusos e desobediência a princípios fundamentais da Constituição. Imagine só você: condenações que passaram incólumes por 3, e às vezes 4 instâncias do judiciário brasileiro, teriam vício de origem. Talvez precisássemos de uma quinta instância para resolver o problema. Ah sim, já criaram, é o juiz de garantias.

A outros, incomoda o protagonismo político que alguns membros da operação alcançaram, e o uso desse protagonismo para fins judiciais. Queriam o quê? Condenar o político mais popular do Brasil e mais dezenas de políticos e empresários de primeira grandeza sem ter protagonismo político? Como? É a típica ideia que flana suave em saraus de bem-pensantes, mas que, no mundo bruto da política, não faz o mínimo sentido.

A Lava-Jato foi uma excrecência em um país onde o Estado Democrático de Direito está construído de modo a proteger quem tem poder ou dinheiro para contratar advogados criminalistas a peso de ouro. Finalmente temos ninguém menos que o PGR para acabar com essa excrecência, e voltarmos ao “natural, bom e antigo enfrentamento à corrupção”. Tão natural, bom e antigo quanto a própria corrupção.

A “graxa” do capitalismo

O “jurista” Eugênio Aragão está redigindo uma nova Lei de Segurança Nacional.

Eugênio Aragão foi o mesmo que, em entrevista à Carta Capital, defendeu a corrupção como uma “graxa” para tornar os processos burocráticos mais azeitados. “No mundo inteiro é assim”, diz o “jurista”. Só se for no mundo-pária dominado por gangues.

Vai vendo o que vai sair disso aí.

OCDE e combate à corrupção

A OCDE, um dos objetos de desejo do governo Bolsonaro, está preocupada com os efeitos, para o combate à corrupção em altas esferas, dos últimos eventos envolvendo o COAF. Mais especificamente, com a liminar de Toffoli manietando o antigo COAF, em benefício de Flávio Bolsonaro, e com os malabarismos feitos com o órgão pelo próprio governo.

Espero que a missão da OCDE em Brasília saia convencida de que continuamos firmes e fortes no combate à corrupção, com o empenho decisivo deste governo. Caso contrário, ficaremos ainda mais distantes da tão sonhada vaga no “clube dos ricos”.

Não é o fim do mundo, é só um pouco mais do mesmo

Era uma questão de tempo, iriam inventar algum pretexto para anular as sentenças da Lava-Jato. Uma “filigrana jurídica”, como disse Fux.

Se não fosse o caso das alegações finais do delatado, seria o caso do réu que não teve permissão para ir ao banheiro ou do promotor que tamborila com os dedos na mesa, atrapalhando a concentração da defesa. Qualquer coisa serviria como filigrana. Espanta-me que tenha demorado tanto tempo. A força da opinião pública segurou a onda por um certo tempo, mas, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer. Ninguém desafia o DNA de um país ad eternum.

Lembro de um depoimento do Joesley Batista, em que ele descreve uma negociata qualquer. Não lembro dos detalhes, mas chamou-me a atenção uma parte em que ele afirma que havia tomado o lugar, no negócio, de uma empresa americana que não havia topado o “esquema”.

Ligo este depoimento a uma matéria de hoje, onde o ministro da infraestrutura mostra entusiasmo com o potencial de investimento dos estrangeiros no Brasil. Sim, há muito potencial, desde que as regras sejam claras, os contratos sejam respeitados e não haja corrupção. Caso contrário, o tal potencial será aproveitado pelos escroques de sempre.

A Lava-Jato foi uma janela aberta para o mundo desenvolvido, onde a corrupção é punida com rigor. Essa janela se fechou. O ministro da infraestrutura pode esperar sentado os investidores estrangeiros. A exemplo dos turistas que vêm para o Brasil fazer turismo sexual, virão os investidores, em sua maioria, que estão “acostumados com a sujeira”.

– Ah, mas o governo do Bolsonaro é limpinho.

Pode até ser. Mas não se trata de uma pessoa, mas de instituições. O governo Bolsonaro passa, as instituições ficam. Além disso, não é que Bolsonaro esteja se mostrando um grande entusiasta do trabalho dos procuradores.

Todos enchem a boca quando pronunciam a palavra “Constituição”. Todos se auto-declaram “guardiões da Constituição”. Infelizmente, no Brasil, a Constituição não passa de um papel pintado, assim como nossa moeda. Tivemos tantas Constituições quanto moedas, o que apenas demonstra a falta de respeito do País por si mesmo.

Não é o fim do mundo. É só um pouco mais do mesmo.

Mente brilhante

<Atenção! Spoilers!>

O filme Mente Brilhante conta a história do matemático John Nash, prêmio Nobel de Economia. Além de ser uma das inteligências mais prodigiosas do século XX., Nash sofria de uma esquizofrenia profunda, o que o fazia conviver com personagens fictícios tão reais, que quem assiste fica boa parte do filme achando que aquilo é real.

Nash percebe seu engano quando nota que uma das personagens, uma menina, não envelhece ao longo do tempo. Este é o momento chave do filme, que separa a realidade de suas alucinações.

Bolsonaro vem claramente atuando para barrar investigações contra seus familiares. COAF, Receita e, agora, PF. Existe realmente algo de podre na família Bolsonaro ou é tudo “perseguição política”? Onde está a realidade?

Quando começou a vir à tona o grande esquema de corrupção do PT, o mantra do partido e de seus seguidores é que tudo não passava de “perseguição política”, engendrada pela mídia e pelos perdedores da eleição para interromper um projeto político popular. Aliás, até hoje a narrativa não mudou, mesmo depois de tudo. As conversas raqueadas de Moro e Dalagnol serviram para reforçar essa, digamos, interpretação da realidade. Os petistas ainda não notaram que a menina não envelhece.

Obviamente, não há termos de comparação entre o esquema industrial de corrupção do PT e o “rachid” na Assembleia do Rio ou eventuais sonegações fiscais. São ordens de grandeza completamente diferentes. Mas (e esse ‘mas’ é importante) Bolsonaro foi eleito com uma agenda fortemente calcada no combate à corrupção. Esta pauta e a agenda de costumes foram os pilares de sua eleição. A agenda liberal para a economia foi um adendo que interessava somente à turma da Faria Lima que, como sabemos, não elege ninguém.

Estamos diante de duas realidades, as mesmas da época do PT: perseguição política ou corrupção real? Não vai adiantar dizer que se trata de “manipulação da mídia”. “Globolixo” foi uma expressão inventada pelos petistas, e não adiantou nada, a realidade acabou se impondo.

Neste caso, a realidade também acabará se impondo. E mesmo depois, se restar provada a corrupção (e este ‘se’ é importante), ainda haverá bolsonaristas convencidos de que “tudo não passou de uma urdidura das elites e da mídia para abortar o projeto de um novo país”. Se esta leitura da realidade lhe parece familiar, é porque é mesmo.

O Brasil não é um país sério

Caso 1: O sujeito é um empresário, fica rico com sua atividade e resolve entrar na política. Ok. Doria é um exemplo e há inúmeros casos desse tipo.

Caso 2: O sujeito está na política desde que deixou as fraldas, mas é milionário porque tem uma empresa paralelamente à sua atividade política. E essa empresa é de transportes, tendo como clientes empresas condenadas por pagar propinas a políticos. Este é o caso de Gilberto Kassab.

Kassab jura que é tudo regular, que os serviços foram efetivamente prestados. Digamos, para deixar barato, que seja isso mesmo, que a empresa de Kassab não seja apenas de fachada.

Mesmo assim, há um inequívoco conflito de interesses envolvido. Kassab tem sido eminência parda de governos de todas as colorações. E, ao mesmo tempo, tem como clientes empresas que, de uma forma ou de outra, dependem do governo. Isso não passaria pelo departamento de compliance de nenhuma empresa séria. Mas na “empresa Brasil” tudo isso é normal.

Charles de Gaulle teria dito, em 1963, que o Brasil não era um país sério. 55 anos depois, sua suposta frase continua atual.

Um outro mundo possível

Isso aí é o início da entrevista do Zé Dirceu hoje, no Estadão. Sim, roubar para o partido está ok, o que não pode é enriquecer com isso. Tudo muito ético.

Em abril desse ano, foram leiloados 4 imóveis de José Dirceu no valor de R$11 milhões. Patrimônio de um sujeito que só tem o Partido dos Trabalhadores e cargos no governo em seu currículo.

Vai ver que neste “outro mundo possível” o impossível torna-se possível.

O Brasil no panteão dos países civilizados

Estava agora assistindo a uma entrevista na Bloomberg. O assunto eram as eleições no Brasil.

A entrevistadora fazia perguntas a dois analistas, um brasileiro (dava para perceber pelo sotaque) e o outro gringo.

A certa altura, o brasileiro (que era o mais otimista sobre oportunidades de investimento no Brasil), citou o avanço do combate à corrupção como um ponto positivo, sendo que o símbolo seria o fato de termos um ex-presidente preso.

Quando o entrevistado citou o presidiário de Curitiba, a entrevistadora (a loira da foto) fez um sim com a cabeça que quase a fez cair da cadeira, daqueles que não deixam margem a qualquer dúvida. Como se não pudesse haver argumento mais forte para provar o sucesso no combate à corrupção.

Quando eu ouço de gente boa que “não havia provas” para condenar Lula, me pergunto se estivéssemos nos EUA, um presidente que ganha duas cozinhas Kitchen no valor de R$150 mil de uma empreiteira com interesses em obras públicas estaria solto por aí.

“Ah, mas não dá pra ligar uma coisa à outra”. Sério? Sério mesmo? Sérgio Moro se esforçou para fazer essa ligação em uma sentença de mais de 200 páginas. Os três desembargadores do TRF4 acham que ele teve sucesso na empreitada. Eu li e analisei a sentença nessa página. Se aquilo não era suficiente para condenar o molusco, então o crime de corrupção da alta administração da República é inimputável, por ser impossível de ser provado.

É óbvio que nos EUA Lula já estaria em cana comum. Por isso, o gringo (no caso, a gringa) concordou enfaticamente com a “prova” de que no Brasil se combate à corrupção.

O Brasil é devedor de Sérgio Moro pela única evidência que nos coloca entre os países civilizados do mundo.