A culpa jurídica e a culpa política

Estes são trechos de uma reportagem no Valor de hoje, bastante embaraçosa, como usual, aos governos tucanos em São Paulo.

Confesso que tenho lido com avidez essas reportagens sobre o “escândalo do Rodoanel”, procurando as evidências que o transformassem em algo semelhante ao Petrolão. Toda vez que leio, no entanto, a coisa fica nas declarações dos procuradores, que “ainda estão investigando”.

Claro, sempre podem surgir as evidências da corrupção envolvendo diretamente Alckmin. Por enquanto, o único elemento direto é o codinome “Santo” na planilha da Odebrecht. Parece pouco para uma condenação.

Lula foi fotografado com Léo Pinheiro no triplex, e a PF e o MPF conseguiram rastrear competentemente o caminho do dinheiro. No caso de Alckmin, a julgar pelos trechos acima, estamos longe, muito longe disso acontecer.

Temos, então, duas hipóteses. A primeira é que Alckmin é culpado, e mais competente que Lula em esconder seus crimes. A segunda, é que ele é inocente.

Obviamente, um político pode ser inocente do ponto de vista jurídico, mas mesmo assim continuará culpado do ponto de vista político. Alguém se lembra do “cartel dos trens” em São Paulo? Ninguém fala mais disso, não sei onde está esse processo, mas estará na conta dos tucanos politicamente para sempre.

É incrível como o Petrolão, da lavra exclusiva do PT, PMDB e PP, serviu para comprometer a classe política como um todo. Isso aconteceu porque o PT foi muito competente e o PSDB muito incompetente, em termos politicos. O PT aproveitou-se da tendência do cidadão comum de achar que “político é tudo igual”, enquanto o PSDB, para não variar, foi pusilânime na crítica ao PT.

Bolsonaro é visto como “o cara honesto” que vai acabar com essa pouca-vergonha. Para quem pensa assim, tenho uma má notícia: isso é impossível, politicamente falando. Basta ver o que já aconteceu, com a tal da “Val do Assaí”. E não, não estou querendo comparar a Val com o Rodoanel. É que Bolsonaro só tem a verba do gabinete para teoricamente se locupletar. Quando tiver todo o orçamento nacional nas mãos, outras Vals, desta vez bilionárias, grudarão no seu currículo. Sendo ele inocente ou não. Esse é o jogo político.

Então ficamos assim: ou político é tudo ladrão e, neste caso, Bolsonaro é somente um político que ainda não teve acesso a grandes orçamentos, ou há políticos íntegros, e devemos aguardar o fim das investigações criminais para condena-los. Afirmar, a priori, que Bolsonaro é íntegro e Alckmin é bandido não cabe nem em uma nem em outra hipótese, trata-se somente de um desejo.

Eu particularmente prefiro aguardar o desfecho das investigações antes de fazer um juízo definitivo sobre o caráter de qualquer político. Não compactuo com essa visão de que “político é tudo igual, tudo ladrão”. Se isso fosse verdade, Bolsonaro representaria apenas a troca de uma turma por outra. Os mais cínicos dirão que esta pode ser uma vantagem, dado que a nova turma terá que começar a roubar do zero. Ok, mas receio que, se isto for verdade, decepcione grande parte dos bolsonaristas, que descobrirão que o capitão não passa de um político como outro qualquer.

Padrões

A história nunca se repete. O ser humano gosta de ver padrões, e daí nascem coisas como a astrologia e a numerologia. A tentação é igualmente grande de ver padrões históricos onde há apenas o desenrolar linear da história.

Tendo posto o disclaimer, a analogia entre Bolsonaro 2018 e Collor 1989 é tão irresistível que… não consegui resistir!

Assim como Bolsonaro, Collor voou abaixo dos radares por anos. Foi prefeito de Maceió, deputado federal e governador de Alagoas antes de ser alçado ao posto máximo da República.

Collor era um ilustre desconhecido até que, no próprio ano da eleição, engatou um discurso que pegou: o de “caçador de marajás”, aquele que iria acabar com a corrupção. E isso em um país que vivia uma hiperinflação de fazer inveja à Venezuela. A pauta não era econômica, mas moral. Alguma semelhança?

Collor desbancou medalhões da política tradicional, e decidiu o 2o turno com o eterno candidato do PT. Era claro para os analistas que Collor iria “desmanchar” durante a campanha: sem estrutura, com um partido pequeno, só tinha seu discurso. E Collor permaneceu teimosamente na frente de todos os outros candidatos ao longo de toda campanha.

Collor se elegeu e foi impichado. Sua deposição ocorreu porque um presidente se elege com um discurso moral, mas governa com a economia. Collor não domou a hiperinflação e a economia entrou em recessão. Quando mais precisava, seu apoio no Congresso lhe faltou, pois nunca o teve de verdade. A Casa da Dinda (os mais novos procurem pelo termo) foi apenas o motivo jurídico formal, assim como foram as pedaladas para Dilma. A queda se deu por falta de apoio político em um momento de extrema fragilidade da economia. Sarney e Temer também tiveram escândalos de corrupção em seus governos e atravessaram momentos terríveis na economia, e nem por isso foram derrubados. O apoio do Congresso fez a diferença.

Fast forward para 2018.

Bolsonaro apareceu do nada com um discurso moral, tem o apoio apenas de um pequeno partido e, se ganhar as eleições, terá desbancado medalhões com muito mais densidade política. Enfrentará uma crise econômica braba, estrutural, de solução não óbvia. Se não conseguir o apoio do Congresso (e, não nos enganemos, o Congresso é esse Centrão que está aí), será uma questão de tempo para que se encontre a “Casa da Dinda” ou as “pedaladas” que servirão de motivo formal para o seu impeachment.

Mas, claro, a história não se repete. Eu é que gosto de ver padrões onde eles não existem.

Música para os ouvidos

“Parte da responsabilidade pela instauração da corrupção sistêmica e descontrolada no Brasil foi a inefetividade dos processos criminais por crimes de corrupção e lavagem no Brasil”.

Este é o juiz Sérgio Moro, na ordem de prisão a mais dois condenados da Lava-Jato, esgotados todos os recursos na 2a instância.

Em outras palavras, a corrupção grassa no Brasil porque os corruptos não são presos, apelam e apelam e apelam até que a pena prescreva.

Moro é música para os ouvidos, nesta cacofonia que não tem outro objetivo senão o de perpetuar o estado de degradação da sociedade brasileira, com o qual alguns poucos lucram às custas da desgraça do povo.

Melhor deixar tudo do jeito que está

“Afigura-se até compreensível que alguns magistrados queiram flexibilizar essa tradicional garantia (a da presunção de inocência até que todas as instâncias sejam esgotadas) para combater a corrupção endêmica que assola o país.

Nem sempre emprestam, todavia, a mesma ênfase a outros problemas igualmente graves, como o inadmissível crescimento da exclusão social, o lamentável avanço do desemprego, o inaceitável sucateamento da saúde pública e o deplorável esfacelamento da educação estatal, para citar apenas alguns exemplos.”

Este é Ricardo Lewandowski em artigo de hoje na Folha. Segundo o ministro, se não conseguimos acabar com a exclusão social, o desemprego, o sucateamento da saúde pública e o esfacelamento da educação, então é melhor deixar a corrupção do jeito que está mesmo.

A privatização é a única solução

Lembro de quando levei uma delegação japonesa para uma reunião com um diretor do BC. Detalhe: esse diretor havia sido meu colega de trabalho durante muitos anos, tínhamos alguma intimidade. Pois bem: a reunião foi acompanhada o tempo inteiro por uma funcionária, que anotava tudo o que estava sendo falado.

Obviamente, eu não tive nada a ver com a indicação deste meu colega para a diretoria do BC. E ele é um sujeito extremamente ético, de modo que não passaria informações confidenciais nem se tivéssemos nos encontrado em um depósito de bebidas em Brasília.

Assim, a diligência de um funcionário que acompanha as reuniões oficiais é supérfluo para quem é honesto (ainda que necessário para salvaguardar as aparências) e inútil para quem é bandido, pois informações sigilosas e tráfico de influência podem ser arranjados fora de reuniões formais.

A única solução para o problema da influência política na Caixa é sua privatização. Essa coisa de “governança das estatais” é conversa de quem quer manter tudo como está.

R$ 1,5 bilhão

R$ 1,5 bilhão.

Guarde esse número.

Um bilhão e quinhentos milhões de reais.

Esse é o montante devolvido à Petrobras até o momento pela operação Lava-Jato.

Lembre desse número quando você ouvir ou ler algum petista, incluindo o chefe de todos, dizendo que a Lava-Jato “ainda não mostrou nenhuma prova da roubalheira”.

Se R$ 1,5 bilhão não é prova, então não sei mais o que pode ser.

Tire suas conclusões

Sérgio Cabral, Anthony e Rosinha Garotinho estão presos. Dos ex-governadores do RJ ainda vivos, restam soltos Benedita da Silva e Moreira Franco.

Ou seja, 60% dos ex-governadores do RJ estão presos. Por enquanto.

Tire suas conclusões.