Mudanças climáticas: não é possível comer o bolo e ainda mantê-lo

Um artigo de hoje analisa o processo que seis jovens portugueses abriram contra os países europeus na Corte Europeia de Direitos Humanos, a respeito da insuficiência das medidas para conter os efeitos das mudanças climáticas.

Como jurista, o autor tem o cacoete, comum aos juristas, de que a lei cria a realidade. Eu, como engenheiro e militante no mercado financeiro, já acho que a realidade econômica acaba se sobrepondo às leis positivas. Vide, a propósito, a carta de boas intenções que é a nossa Constituição.

A ideia do processo é, nas palavras do autor do artigo, balancear a busca pelo desenvolvimento e as necessidades ambientais da geração atual e também das gerações futuras. É, em outras palavras, dizer que a geração atual goza das benesses do desenvolvimento, enquanto caberá às gerações futuras lidar com as consequências desse desenvolvimento, na forma de catástrofes climáticas.

Vamos fazer um rápido exercício de futurologia reversa para entender o absurdo dessa proposição. Digamos que os bisavós desses seis jovens, com rara premonição, tivessem entrado com uma ação semelhante há um século, e tivessem tido sucesso, levando os governos europeus a forçarem drasticamente a diminuição do uso de combustíveis fósseis. Pergunto: qual seria o grau de conforto desses seis jovens hoje? Teriam tempo para litigar na corte europeia, ou estariam mais preocupados com a sua própria sobrevivência? A resposta parece-me óbvia.

O ponto é que esses jovens herdaram a crise climática E um nível de desenvolvimento e riqueza absurdos criados na base do petróleo. Sempre faço essa pergunta quando trato desse tema: qual o nível de desconforto que esses jovens aceitariam para colaborarem com a sua causa? Qual o grau de desconforto que jovens mais pobres teriam que suportar para que essa agenda fosse implementada? Não, infelizmente não é possível comer o bolo e ainda mantê-lo.

Os jovens têm instrumentos mais eficientes para brigarem por sua causa, além de litigâncias inócuas em cortes europeias. O primeiro é o boicote. Convido todos os jovens a boicotarem o maior número possível de produtos e serviços que, de alguma forma, tenham tido algum contato com combustíveis fósseis em sua cadeia de produção e transporte. Boa sorte!

O segundo é político: votar em parlamentares que tenham essa agenda como prioridade. Assim, não precisariam ingressar em corte alguma para verem seus pleitos atendidos. Ah, que curioso, os partidos verdes têm perdido relevância… Talvez por isso os jovens tenham decidido pela via jurídica. Parece um pouco como os partidos nanicos daqui, que correm para pedir penico ao STF quando não têm suas pautas atendidas. Com a diferença de que a Corte Europeia dos Direitos Humanos não apita nada.