É assaz interessante quando defensores de pautas identitárias são pegos em suas próprias armadilhas.
O caso aconteceu em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul, mas ganhou espaço em um jornal de alcance nacional como o Estadão. E ganhou espaço porque, supostamente, o editor avaliou que valia à pena dar repercussão a mais um caso de “machismo tóxico”. O único problema é que o episódio depõe justamente contra a pauta identitária. Vejamos.
A vereadora de Canguçu foi eleita para a mesa diretora porque, supostamente, é bonita. Pelos menos 3 vereadores justificaram o seu voto com o termo “embelezar a mesa”. De fato, é constrangedor para qualquer mulher que gostaria de ser reconhecida pelos seus talentos.
Por outro lado, é óbvio que este raciocínio pode ser estendido para a própria condição de mulher. A “trajetória, capacidade de construção e inteligência”, nas palavras da própria vereadora, não são atributos exclusivos das mulheres. Portanto, fosse eleita por ser mulher, esses atributos, digamos, mais gerais, também não teriam sido levados em consideração. No entanto, se fosse eleita por ser mulher e não por ser bonita, a coisa não seria notícia. Por algum estranho motivo, o fato de um ser humano portar vagina a faz ser elegível para cargos, mas se essa vagina estiver emoldurada por um rosto bonito, a coisa já se transforma em machismo.
As mulheres precisam decidir se querem ser reconhecidas pela sua “trajetória, capacidade de construção e inteligência” ou pelo fato de serem mulheres. Se uma mulher com, digamos, menos atributos de beleza, fosse eleita para a mesa, e os vereadores tivessem falado apenas em “presença feminina”, o ato provavelmente seria louvado como um tributo à diversidade, apesar de, da mesmíssima forma, a “trajetória, capacidade de construção e inteligência” terem ficado em quinto plano.
O problema da inserção das mulheres no mercado de trabalho e a sua ascensão aos cargos mais altos existe, isso não se discute. O problema é como se resolve isso. Da forma como a coisa está posta, as mulheres hoje podem ter dúvidas sinceras se estão sendo contratadas pela sua “trajetória, capacidade de construção e inteligência” ou somente para embelezar as empresas e os conselhos de administração. Esta é a armadilha.