Túmulo político

Durante tempos normais qualquer um pode ser presidente da República. Mas é durante as crises (e elas sempre vão existir) é que sabemos se uma pessoa é do tamanho da cadeira em que se senta.

Repito aqui a foto que postei na segunda-feira. Até nem acho que o pior pecado foi o claro desafio ao coronavírus. Entendo que o pior problema dessa foto não está nela: como fechei o ângulo, não dá pra ver o cartaz que pede o fechamento do Congresso e do STF. Claro que o cidadão comum tem direito de pedir o que for. Isso é uma coisa. Outra coisa é o presidente da República associar-se a uma manifestação que pede o fechamento do Congresso. Se isso não é golpista, preciso rever meus conceitos. Claro, sempre haverá gente que defenda o fechamento do Congresso como única solução para o Brasil. Mas daí o presidente da República associar-se a isso, vai uma distância amazônica.

Apesar do ataque ao Congresso ser, de longe, o pior dessa foto, ela ficará marcada como o símbolo da irresponsabilidade de Bolsonaro diante da crise do corona. Queira Deus que não tenhamos aqui o mesmo quadro caótico que a Itália está enfrentando, com gente simples morrendo nas portas dos hospitais por falta de leitos e respiradores. Queira Deus. Porque, se isso acontecer, essa foto será o túmulo político de Bolsonaro.

PS.: não adianta vir aqui dizer que outras autoridades foram também irresponsáveis porque se reuniram em grandes eventos e até “deixaram” o carnaval acontecer (!). Comecei este post dizendo que a cadeira da presidência da República é imensa, e poucos têm a bunda do tamanho certo para ocupá-la. Bolsonaro não é uma autoridade qualquer. Ele é o presidente da República, fato, inclusive, que os bolsonaristas gostam de lembrar a todo momento. Nessa posição, a autoridade tem um outro peso, incomparável. Se o Maia foi ou deixou de ir a um evento, ninguém dá a mínima, ele não representa nada. Os gestos do presidente da República, pelo contrário, são simbólicos, servem de guia para a nação. Mas Bolsonaro, infelizmente, está muito pequeno para a cadeira onde se senta.

Estatísticas Covid-19

Gráficos atualizados até ontem. O número de casos na Itália parece estar se estabilizando, mas o número total na Europa não para de crescer, principalmente por conta da aceleração na Alemanha e Espanha.

Nos EUA, a curva continua mais inclinada do que na Europa no mesmo ponto do ciclo.

No Brasil, ontem atingimos 65 novos casos/dia nos últimos 3 dias. Começa a contagem.

PS.: parece que o primeiro óbito por corona no Brasil não estava nas estatísticas de novos casos, o que reforça a percepção de que existe uma grande subnotificação. Mas, para efeitos comparativos, o mesmo deve estar acontecendo em todos os países, com a possível exceção da Coreia. Então, como se trata de comparar dados para extrair tendências, acho que continua valendo observar as estatísticas.

Eu sou você amanhã

A fábrica da Marcopolo na China paralisou as suas atividades no início de fevereiro (fim do Ano Novo Chinês) e retomou parcialmente no início de março, com carga total em meados de março. Um mês e meio entre paralisar e retomar.

Se fizermos tudo certo e nada errado, é isso que nos espera a partir do momento em que paralisarmos tudo.

Comparando laranjas com bananas

Ouço e leio de vez em quando pessoas indignadas com a “paranoia” do coronavírus, citando outras doenças como sendo muito mais mortais e que não receberiam tanta atenção. O sarampo, por exemplo. Seu poder de transmissão é cerca de 5 vezes maior que o corona. Mas ninguém fica com medo de pegar sarampo. A dengue. A dengue mata muito mais do que o corona. E, no entanto, dizem, não existe essa paranoia. Até a gripe comum mata mais, e ninguém fica com medo. A última que li foi algo assim: “o aborto mata muito mais e ninguém fala nada”. Bom, ninguém fala nada é uma força de expressão, né? Mas ok, não tem esse frisson todo do corona.

E então?

Então que o grande problema lógico desse tipo de comparação é fazer um paralelo entre problemas que não têm base comum de comparação, a não ser o fato de pessoas morrerem. Posso usar um monte de coisas: assassinatos, acidentes de trânsito, quedas em poços, etc, etc, etc e dizer: “x zilhões de pessoas morrem de, sei lá, unha encravada por ano e ninguém fala nada, mas o coronavírus…”

Ocorre que a única forma de evitar ao máximo mortes por coronavírus (uma vez que não há vacina e não há remédio) é por meio de “distância social”. Não há outro meio. No caso do sarampo há vacina, no caso da dengue há saneamento básico, no caso do aborto há a lei, no caso dos assassinatos há a polícia, etc, etc, etc. São formas diferentes de se evitar as mortes porque são causas de morte de naturezas diferentes.

É só natural que o método da “distância social” chame mais a atenção das pessoas, porque não é comum. Estamos acostumados com vacinas, saneamento básico, leis, polícia, campanhas de trânsito mas não com “distância social”. Por isso só se fala neste assunto. Isso não significa que mortes por coronavírus sejam mais importantes do que mortes por, sei lá, aborto. Morte é morte, qualquer que seja sua causa. Dar um downplay no corona só porque, por exemplo, o crime mata mais (e mata mesmo), é o mesmo que chegar para uma pessoa que perdeu um ente querido para o corona e dizer “chora não, a gripe comum mata muito mais”. Faz sentido?

Só faz sentido para aqueles que querem justificar comportamentos irresponsáveis.

Escolha de Sofia

Tenho lido e ouvido algumas análises questionando os custos envolvidos na contenção da pandemia do coronavírus. Virou lugar-comum dizer que mais gente e empresas vão quebrar do que pessoas vão morrer de coronavírus. O que é verdade.

Imagine, pois, a seguinte situação: uma pessoa muito querida está doente, mas tem chance de se recuperar. O custo do tratamento, no entanto, é muito alto, envolvendo um investimento que vai literalmente quebrar a família. Qual a escolha a ser feita? O que você faria?

A humanidade está, de alguma forma, diante dessa escolha, só que em escala planetária. Muitas pessoas vão ficar mais pobres para que algumas poucas pessoas não morram. É disso que se trata.

Muitos de nós sequer notaríamos a contaminação pelo vírus. A maioria de nós sobreviveríamos sem problemas. Mas todos nós temos entes queridos que são mais vulneráveis, sejam pessoas idosas, sejam doentes crônicos. Toparíamos que essas pessoas morressem para que e economia não parasse?

Qual a escolha a ser feita? O que você faria?

Estatísticas da Covid-19

Seguem os gráficos atualizados até ontem. Nenhuma mudança significativa. A Espanha parece ter estabilizado, mas é só uma ilusão de ótica, assim como aconteceu com a Itália há alguns dias. Ocorre que os números da Espanha cresceram muito no dia 13/03, e este número saiu agora da média móvel de 3 dias. Mas o número de casos da Espanha está em quase 2 mil/dia, e o gráfico deve mostrar isso amanhã. Alemanha e França continuam com aumento de número de casos mais rapidamente que a Itália na mesma época. EUA tem hoje mais número de casos/dia do que a Europa como um todo na mesma fase do ciclo.

Acrescentei um terceiro gráfico, só com países da Europa com menos casos. Podemos observar que Dinamarca, Noruega e Suécia conseguiram reverter rapidamente o crescimento do número de novos casos. Talvez sejam exemplo do que poderia ser feito.

A média de 3 dias de novos casos no Brasil era de 28 até ontem, pois não houve registro de novos casos no dia 14/03. Portanto, ainda não dá para incluir o país no acompanhamento.

Lógica sem lógica

Não consegui entender exatamente a lógica proposta pelo doutor.

Por um lado, ele afirma que pessoas assintomáticas não precisariam se isolar se testes massivos fossem aplicados a pessoas sintomáticas. Em seguida, diz que testes em pessoas assintomáticas são inúteis, pois essas pessoas podem estar com o vírus mesmo com o resultado negativo.

Aí pergunto: qual a diferença entre uma pessoa que não fez o teste e vai visitar o vovô, e uma pessoa que fez o teste, deu negativo, e vai visitar o vovô? Pelo visto, nenhuma. Então, por que cargas d’água as pessoas assintomáticas poderiam circular livremente, se podem ter o vírus mesmo sem ter sintomas?

Fazer testes massivos em pessoas sintomáticas não tem o dom de livrar pessoas assintomáticas do vírus. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

A lógica do doutor me escapa.

D. Iraci em home office

A querida D Iraci, que nos auxilia em casa há mais de 15 anos, faz hoje 69 anos de idade. Ela pega ônibus e metrô para vir até aqui em casa.

A partir de hoje, ela estará trabalhando em home office. Levaremos ingredientes até a casa dela, e lá ela fará seus pratos deliciosos. Será um trabalho adicional para nós, mas D Iraci faz parte do grupo de risco, e andar em transporte público não é o mais indicado.

Tenho consciência de que esta não é uma solução possível para todos. Mas todos que puderem fazer alguma coisa, já ajuda. D Iraci será, se Deus quiser, menos uma a sobrecarregar o sistema público de saúde.

Os casos de Covid-19 no mundo

Estes são dois gráficos que estou atualizando diariamente. Eles medem a média móvel de 3 dias do número de novos casos. Por que a média de 3 dias? Porque os casos diários às vezes apresentam variações abruptas. Quando você faz a média dos últimos 3 dias, um dia acaba compensando o outro. Assim, o último ponto, atualizado até o dia 14/03 (ontem), representa a média de novos casos nos dias 12/03, 13/03 e 14/03. Atualizo sempre até o dia anterior (no caso, dia 14/03), quando temos os dados completos de cada país.

Além disso, cada gráfico mostra o número de novos casos a partir do momento em que essa média móvel ultrapassou 50 novos casos por dia. Então, para cada país, o primeiro ponto é quando esse limite é ultrapassado. Por isso, no primeiro gráfico, Coreia, Itália e Irã apresentam mais pontos, pois a epidemia lá começou a se agravar antes. Não coloquei a China nesse primeiro gráfico.

O que podemos observar?

O primeiro gráfico mostra todos os principais países para os quais temos dados, excetuando a China. Podemos observar a curva de novos casos da Coreia, que reduziu-se bastante, a curva explosiva da Itália e a curva que começou a cair no Irã mas voltou a subir.

Mas o que eu queria chamar a atenção neste primeiro gráfico são as curvas de Espanha, França e Alemanha. Estes países ultrapassaram a barreira de 50 casos/dia 10/11 dias atrás (contra 21 dias da Itália). Pois bem. Quando a Itália estava no seu 11o dia após ter ultrapassado este limite, seu número de novos casos/dia estava em 500. Hoje, Alemanha está com quase 900, França com mais de 700 e a Espanha com incríveis quase 1.400 casos/dia, quase o triplo da Itália na mesma época, há 10 dias. O problema da Europa está se agravando, e teremos medidas draconianas nesses outros países também.

Vamos ao segundo gráfico, para ver melhor o que está acontecendo com os EUA. Neste gráfico, mostro a evolução dos casos na China, na Europa (soma de Alemanha, Itália, Espanha, França, Suíça e Reino Unido) e nos EUA. O gráfico da China é meio estranho, pois houve uma reavaliação do número de casos no 22o dia após o limite de 50 casos/dia, o que faz com que haja uma descontinuidade. “Consertei” esta descontinuidade fazendo uma interpolação (linha tracejada amarela). Pois bem. A Europa (a soma daqueles 6 países) já tem mais casos/dia do que a China no mesmo período (linha ajustada).E os EUA? Os EUA ultrapassaram 50 casos/dia há 9 dias. A sua linha de progressão casa quase exatamente com a linha de progressão da Europa. Será diferente daqui para frente? Não sabemos.

E o Brasil nessa história toda? Bem, o Brasil ainda não ultrapassou o limite de 50 casos/dia. Quando acontecer, vamos começar a acompanhar, e ver se estamos melhores ou piores do que estes outros países.