A morte de Nelson Sargento e a eficácia das vacinas

Os anti-vacinas ganharam um troféu e tanto: Nelson Sargento morreu de COVID-19 depois de ter tomado duas doses da Coronavac. Aliás, como brinde, foi justamente com a vacina do “calça apertada”.

O que dizer? Melhor seria acabar com essa tolice de vacinação e conformar-nos com a realidade, tão bem sintetizada na frase de nosso presidente, “alguns vão morrer, lamento, essa é a vida”?

Obviamente não, esse raciocínio não faz o mínimo sentido. Vejamos.

Para que ocorra uma contaminação, é necessário que ocorra antes uma transmissão. É muito provável que a pessoa que transmitiu o vírus para Nelson Sargento não tenha tomado a vacina. E, se o fez, muito provavelmente a pessoa de quem adquiriu o vírus não tomou. Em um país onde menos de 25% das pessoas receberam a 1a dose da vacina, é muito provável que essa cadeia de transmissão acabe em alguém que não tenha se imunizado.

Então, são necessárias as duas pontas no processo: alguém que transmita e alguém que se contamine. As críticas à vacina se concentram na parte que se contamina. Afinal, tomou a vacina, por que se contaminou? Ora, porque nenhuma vacina no mundo é 100% eficaz. Se alguém entendeu isso, entendeu errado. As chances diminuem, a probabilidade de ficar doente é menor, de morrer menor ainda, mas a chance não é zero.

Por isso, as campanhas de vacinação focam na imunização do maior número de pessoas possível, com o objetivo de inibir a outra ponta da corrente, a ponta da transmissão. Nelson Sargento, por algum motivo, não desenvolveu as defesas necessárias contra o vírus, mesmo recebendo a vacina. Mas ele provavelmente não teria ficado doente se aqueles que participaram da cadeia de transmissão do vírus tivessem já recebido a vacina. Pois alguns nessa cadeia não teriam desenvolvido a doença, interrompendo o processo.

Por isso, também não faz sentido dizer “eu não vou tomar a vacina, tem gente mais apavorada na frente”. A vacina não é um escudo individual perfeito; antes, a vacina é um escudo comunitário. Individualmente, a vacina tem uma eficácia limitada: funciona para muitos, mas não para todos. Comunitariamente, no entanto, se um número suficientemente grande de pessoas se imunizar, a cadeia de transmissão do vírus se quebra, encerrando o processo.

Portanto, a morte de Nelson Sargento não prova que a vacina não funciona, mesmo porque já sabíamos que não funciona em 100% dos casos no nível individual. O que sim a morte de Nelson Sargento prova é que a velocidade da vacinação não está suficientemente rápida para evitar a transmissão. Se há algo ou alguém culpado pela morte de Nelson Sargento não é a Coronavac.

O ritmo de vacinação: uma luz no fim do túnel

Não é segredo para ninguém que o ritmo de vacinação está muito lento. Hoje estamos vacinando cerca de 450 mil pessoas/dia com a 1a dose e 220 mil pessoas/dia com a 2a dose. Neste ritmo, terminaremos de vacinar 100% dos adultos (acima de 18 anos) com a 1a dose somente em fevereiro de 2022 e, com a 2a dose, 3 meses depois, considerando que as vacinas preponderantes serão as da Astra Zeneca e da Pfizer. Com relação a esta última, a fabricante sugere 3 semanas entre a 1a e a 2a doses, mas, aparentemente, o governo vai dar 3 meses de distanciamento entre as doses.

No entanto, esta projeção tem uma limitação: considera o ritmo ATUAL de vacinação. Vou assumir, para todos os efeitos, que o ritmo de vacinação depende do estoque de vacinas, e não da capacidade de inocular as doses. Ou seja, se tivéssemos estoque suficiente, a velocidade seria bem maior, pois não há gargalo na aplicação das doses por parte dos municípios. Essa é uma premissa importante e, se não for verdadeira, o que vai a seguir não vale.

Rodei uma simulação considerando a aplicação diária de vacinas equivalente a 1,5% do estoque disponível de vacinas. O gráfico abaixo mostra esta razão (vacinação/estoque) até o momento. Podemos observar que 1,5% é o ponto mais baixo do gráfico. Aliás, é o ponto atual. Portanto, estamos sendo conservadores.

Para a simulação, considerei o calendário de entrega de vacinas divulgado pelo ministério da saúde (gráfico abaixo).

Pois bem, considerando 100% das entregas programadas, 100% da população adulta poderia receber a 1a dose da vacina até o dia 20/09/21. Considerando 75% das entregas programadas, esta data vai para 15/10/21. A 2a dose seria até 3 meses após essas datas.

Enfim, essa análise depende de várias premissas, que, espero, tenham ficado claras. De qualquer forma, a luz no fim do túnel pode estar mais próxima do que imaginamos.

A agenda por trás do argumento de autoridade

Se há uma categoria de pessoa que tem passe livre para dar palpite e ser escutado com respeito, essa categoria é a de “cientista”. Se ganhou Prêmio Nobel, então, nem se fala. Todos as suas opiniões, mesmo em áreas que não têm nada a ver com seu campo de estudo, recebem atenção. Afinal, trata-se de um “cientista”.

No Brasil, essa reverência é elevada à enésima potência se o cientista bate cartão em uma universidade nos EUA ou na Europa. Aí, trata-se de uma sumidade. Se o cientista, além disso, é brasileiro, ganha ainda mais respeito, por levar as cores verde e amarela para a terra dos gringos.

Nada contra opiniões. Eu mesmo não paro de dar palpites em vários assuntos. Particularmente, procuro evitar críticas “ad hominem” e sempre verificar a pertinência dos argumentos em si. O que não dá é o inverso: só porque é um “cientista” que diz algo, não se torna automaticamente “a verdade”.

Isso é tanto mais importante quanto sabermos que cientistas podem ter opiniões diferentes sobre os mesmos assuntos. E essas opiniões podem ser (e muitas vezes são) influenciadas pelo posicionamento político do cientista. Então, o truque mais manjado é procurar cientistas que confirmem as nossas próprias ideias. E, no caso de reportagens, que confirmem a agenda do veículo de imprensa.

Só isso justifica a recente exposição de ideias do cientista Miguel Nicolelis a respeito da pandemia, como por exemplo, em entrevista de hoje (26/05/2021) no jornal Valor Econômico.

Quando vi o nome de Nicolelis pela primeira vez em uma reportagem, faz uns meses, aquele nome não me soou estranho. Googlei e… voi lá! Nicolelis foi o idealizador do projeto do exoesqueleto que deu o pontapé inicial na abertura da Copa do Mundo de 2014, no Itaquerão.

Pensei: “puxa, será que desistiu dessa linha de pesquisa e passou a estudar epidemiologia?” Não. Nicolelis continua trabalhando com interação entre cérebro e máquina. É tão epidemiologista quanto eu ou você. Mas, o fato de ser um cientista brasileiro que trabalha em uma universidade americana lhe dá passe livre para palpitar e ser ouvido.

Nicolelis foi designado coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para o combate à pandemia. Mesmo não sendo epidemiologista. O convite foi feito pelo governador Rui Costa, do PT. E isso diz alguma coisa.

O projeto de Nicolelis foi mais um dos “campeões nacionais” eleitos pelo governo Dilma para receber verbas discricionárias. Recebeu R$ 33 milhões do Finep para o desenvolvimento do exoesqueleto a ser exibido na abertura da Copa. Isso foi em 2013/14. A ligação com governos do PT, portanto, vem de longe.

Nada mais útil, portanto, do que ter a opinião de um cientista reconhecido e que tenha, digamos, uma visão de mundo de acordo com a ideia que se quer transmitir. Mesmo que sua formação não permita dar palpites mais embasados do que, sei lá, as de um ortopedista. Mas isso pouco importa: o que conta é a opinião “certa”, aquela de acordo com a agenda. E isso está garantido pelas, digamos, credenciais políticas de Nicolelis.

PS.: É bom deixar claro que concordo com grande parte do que ele diz a respeito da pandemia, em particular sobre a velocidade da vacinação. Mas não é este o ponto. O ponto é porque ouvir Nicolelis a respeito desse assunto.

Quebra de contrato no dos outros é refresco

Alguma forma de proteção de propriedade intelectual existe desde a Veneza da Renascença. Leis de Patentes foram criadas e aperfeiçoadas a partir do século XVI na Europa e mesmo no Novo Mundo, onde leis desse tipo já existiam nas colônias americanas.

É sempre difícil desenhar um mundo contrafactual. Portanto, seria uma afirmação a priori dizer que a evolução tecnológica da humanidade teria sido impossível sem leis de proteção a patentes. Mas esta não é, tampouco, uma hipótese absurda. Afinal, se o inventor solitário e genial talvez seja movido somente pelo seu ideal, o capitalista, que é o responsável pela produção em massa daquele invento, certamente é movido pelo lucro. E de nada adianta uma invenção revolucionária que permanece confinada ao laboratório do inventor genial. Para a humanidade, tão importante quanto a invenção em si é a capacidade de produzi-la, vendê-la e entregá-la em massa. A proteção intelectual de patentes, portanto, não protege apenas o inventor. Protege, através de um monopólio temporário, principalmente o capitalista que financiou a produção do invento.

Neste contexto, temos um caso singular: as patentes das vacinas contra a SARS-Cov-2. Uma emergência global do porte da pandemia de Covid-19 justificaria quebrar um contrato? Convém lembrar que a patente é um contrato entre o capitalista e o Estado, que assegura ao primeiro um monopólio temporário. Todo o cálculo da viabilidade econômica do investimento realizado pelo capitalista é baseado na boa fé da vigência desse contrato.

Vamos imaginar um cenário alternativo: digamos que o governo dos EUA, a União Europeia e a OMC decretassem, logo no início da pandemia, que não haveria concessão de patentes para vacinas contra o novo coronavírus. Haveria desenvolvimento de vacinas? Se sim, qual seria a sua velocidade? Como dissemos acima, é sempre difícil imaginar um mundo contrafactual. Mas, neste caso, pelo menos as regras do jogo seriam conhecidas desde o início.

Há quem diga que os governos, principalmente nos EUA, investiram muito dinheiro dos contribuintes no desenvolvimento das vacinas e que, portanto, teriam “direito” a quebrar as patentes. Bem, se o dinheiro do governo tem esse poder de criar vacinas, porque fizeram parcerias com laboratórios privados? E por que não estabeleceram, desde o início, que o seu investimento estaria sujeito ao não estabelecimento de patentes? Haveria parcerias se houvesse uma cláusula desse tipo? Haveria vacinas?

Joe Biden quer posar como o Anjo Bom do mundo, nem que para isso precise fincar uma picareta em uma das colunas mestras do capitalismo, o respeito aos contratos. A sua iniciativa é inócua do ponto de vista de oferta de vacinas, porque não há capacidade produtiva ociosa no momento e não vai haver durante muito tempo, além de o preço das vacinas não estar sendo um impeditivo para a sua aquisição pelos governos.

Mas a iniciativa do presidente norte-americano não é inócua do ponto de vista de investimentos em pesquisa: qual será a próxima “grande emergência” que justificará a quebra de contratos? Se o objetivo de Biden é estatizar a atividade de pesquisa, está no caminho certo.

Como fazer manchetes: um pequeno manual

A notícia é um produto. E, como todo produto, é oferecido em uma embalagem. No caso da notícia, a embalagem é a manchete.

Como sabe qualquer estudante do 1o ano de marketing, uma embalagem atraente é mais de meio caminho para a venda. Por isso, os editores capricham nas manchetes.

Lembro de estar passando em frente a uma banca de jornal lá pelos idos de 1991. Estávamos à beira da primeira guerra do Iraque, Bush pai tinha dado um ultimato a Sadam Hussein, e o mundo prendia a respiração diante da guerra iminente. Na banca, o saudoso Notícias Populares sapecou o que, para mim, é a melhor manchete de todos os tempos: “MUNDO IMPLORA: ARREGA SADAM!” Tem coisa mais sensacional do que isso? Não, não tem.

Como eu ia dizendo, os editores quebram a cabeça para encontrar manchetes que vendam a notícia. Um truque comum é usar estatísticas que chocam. Variações percentuais sobre números pequenos, por exemplo, são um exemplo clássico. O número continua tão pequeno quanto antes, mas a variação é tão grande que chama a atenção.

Quanto mais visuais forem as estatísticas, melhor. Por exemplo: muito melhor do que dizer que foram desmatados 11.000 km2 da Amazônia em 2020, é afirmar que foram desmatados 1,3 milhões de campos de futebol. E, ainda melhor, um campo de futebol foi desmatado a cada 20 segundos! O leitor já fica imaginando um campo de futebol inteiro de árvores, e um enxame de serrotes pondo aquilo tudo abaixo em 20 segundos. Um horror! Claro que, se a manchete fosse “foram desmatados 0,22% da Amazônia Legal em 2020”’, o leitor muito provavelmente passaria ao largo daquele pacote embrulhado em papel pardo.

Um outro exemplo: ao invés de dizer que 3 milhões de pessoas já morreram de COVID-19 desde o início da pandemia, muito melhor sacar “já morreu um Catar desde o início da pandemia”. Meu Deus, um Catar inteiro! E como fica a Copa do Mundo??? Claro que dizer que morreu 0,04% da população mundial é bem menos sexy.

Isso tudo me veio à mente quando vi a manchete abaixo: a Índia registra 3,8 casos de COVID-19 por segundo!

O leitor conta 1 segundo e pá, lá já estão mais 4 indianos doentes. Um horror! Claro que, se a manchete fosse “Índia registra 190 casos/milhão na média móvel dos últimos 7 dias”, o leitor passaria batido pela prateleira. Mesmo porque, hoje o Brasil está com 300 casos/milhão e os EUA, que estão avançadíssimos na vacinação e são governados pelo champion da saúde pública, estão com os mesmos 190 casos/milhão. Enfim, quem mandou a Índia ser o 2o país mais populoso do mundo? É prato cheio para as manchetes bombásticas.

Por favor, não encarem esse post como uma crítica à imprensa. Como todo negócio, eles precisam vender os seus produtos. E as manchetes fazem parte da estratégia. Cabe a nós, consumidores de notícias, não nos deixarmos enganar pela embalagem. Tenha sempre em mente que todo número é relativo. Sempre pergunte: essa estatística, é em relação ao qué? Dessa forma, você terá uma visão mais equilibrada do mundo.

A eterna busca pelos porquês

Havia uma pessoa em minha família que sofria de depressão. Uma das características do quadro é que ela se achava culpada por tudo o que acontecia de ruim, principalmente a morte de pessoas. Não havia modo de convencê-la do contrário. Para ela, a causalidade era clara.

Podemos não notar, mas agimos o tempo todo como essa pessoa da minha família. Estamos o tempo inteiro buscando causas para as coisas que acontecem. O Homem é um ser em constante busca de porquês.

Essa característica do ser humano me veio à mente mais uma vez em meio a essa pandemia. O que causa a queda do número de casos? O lockdown? O tratamento precoce? A vacinação?

Vivemos em um sistema social extremamente complexo, com bilhões de interações. Imagine uma gigantesca mesa de bilhar, com milhões de bolas e milhares de jogadores jogando ao mesmo tempo. Como tentar prever o comportamento de uma das bolas? Mesmo que haja um mínimo de coordenação entre os jogadores, como prever o comportamento do conjunto das bolas? Agora imagine se cada uma dessas bolas tomasse a sua decisão individualmente…

Ontem li dois artigos que, coincidentemente, entre outros casos, usava o exemplo do Peru para provar duas coisas diferentes: no primeiro caso, que o uso da ivermectina como tratamento precoce funciona. No outro, para provar que o lockdown não funciona. Em ambos, o leitor é convidado a observar gráficos que, supostamente, provariam o ponto. Senti-me diante de um daqueles testes de Rorschach, em que a pessoa é chamada a descrever o que vê em uma figura sem sentido algum.

Determinar causalidade é um dos grandes desafios da econometria. Pode até haver correlação entre dois fenômenos distintos, mas causalidade é outra história, muito mais difícil de provar. Voltando ao caso do meu familiar: ela estava convencida que, toda vez que pensava em uma pessoa, aquela pessoa morria. A correlação poderia até existir, mas obviamente não havia causalidade. É o que chamamos, em estatística, de correlação espúria.

Ocorre que, ao contrário dessa pessoa de minha família, os fenômenos com os quais estamos tratando têm efetivamente um fundamento racional. É óbvio que o vírus não se transmitirá se as pessoas se mantiverem afastadas umas das outras. É óbvio que remédios e vacinas que se mostraram eficazes em grupos menores também se mostrarão eficazes em grupos maiores. Não estamos tratando de correlações espúrias, como aquela estabelecida pelo meu familiar.

Por mais que seja racional, a causalidade precisa ser provada. É nisso que a dificuldade reside e é aí que um debate que supostamente se daria no campo racional se transforma em guerra de narrativas.

A narrativa é um instrumento da fé. Todos nós vivemos de fé, por menos que queiramos admitir. Aqui não falo especificamente da fé religiosa, ainda que esta seja um exemplo. Refiro-me de maneira genérica ao conjunto de crenças que moldam a nossa maneira de pensar. O mundo é extremamente complexo e, por isso, não conseguimos abarcá-lo todo com a nossa mente limitada. Para lidar com essa realidade, confiamos em autoridades. Ou, para usar uma linguagem religiosa, depositamos nossa fé em uma autoridade.

Mas não em qualquer autoridade. Escolhemos as autoridades que confirmam as nossas crenças iniciais. Somente crianças e, em menor medida, adolescentes, são páginas em branco. Nós, adultos, enfrentamos o mundo armados de nossas próprias crenças, e procuramos autoridades que as confirmem, construindo a narrativa que nos convém.

Constatei isso, mais uma vez, lendo ontem sobre tratamento precoce. Há autoridades igualmente respeitáveis atacando e defendendo. Aí, você vai explorar os dados no detalhe (quantos têm tempo e interesse e know how para fazer isso?) e descobre que o caso da ivermectina, por exemplo, está em uma zona cinzenta, onde os estudos apontam para uma direção promissora, mas são realmente limitados e pobres, o que exigiria mais estudos para serem definitivamente comprovados ou descartados. Ou seja, é uma conclusão que não orna e não interessa a nenhuma das narrativas vigentes.

Se as crenças envolvem posicionamentos políticos, aí então é que podemos desistir de qualquer abordagem racional, ainda que o debate possa ter uma roupagem acadêmica. As próprias autoridades têm os seus vieses políticos, muitas vezes não claros.

O que podemos concluir disso tudo? Diria o seguinte:

1) Cuidado com afirmações definitivas, que passam a impressão de que se tem 100% de certeza sobre alguma coisa. Se até em fenômenos físicos novas certezas podem substituir certezas anteriores (vide a física de Einstein substituindo a de Newton) imagine em fenômenos biológicos e, no caso, sociológicos.

2) Por outro lado, não podemos cair em um nihilismo destruidor, em que nada pode ser afirmado definitivamente. Podemos fazer uma ideia da realidade tendo a mente aberta para teses que desafiem as nossas crenças.

3) No entanto, o fato de não conseguirmos compreender a realidade em sua totalidade não significa que ela não exista. A Terra é redonda, não plana, não há crença ou narrativa que mude essa realidade. A arte está em saber distinguir aquilo que é saber definitivo daquilo que é saber provisório. Bem-vindo à aventura do conhecimento!

4) Por fim, não vale a pena perder amizades e relações familiares por conta desse tipo de discussão. Tenha em mente que cada pessoa tem as suas próprias crenças, que podem ser incompreensíveis para nós. Saiba que é vice-versa. Evitaríamos muitas brigas inúteis se tivéssemos isso em mente e buscássemos mais o que nos une do que o que nos separa.

O efeito Peltzman

Li o seguinte texto em um comentário do Leo Babo. Reproduzo a seguir, pois acho importantíssimo e faz todo sentido. Vamos nos cuidar, a barra está pesada.


Vacinações e o efeito Peltzman – explica por que muitas pessoas foram infectadas com o vírus Corona após serem vacinadas.

* O que é o efeito Peltzman? *

Sam Peltzman ensinou microeconomia em Chicago até 1988. O Efeito Peltzman é uma teoria que afirma que as pessoas são mais propensas a se envolver em comportamentos de risco quando medidas de segurança são obrigatórias. O Efeito Peltzman tem esse nome em homenagem à postulação de Sam Peltzman sobre a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança em automóveis – isso levaria a mais acidentes. A percepção de segurança aumenta o apetite ao risco.

Recebi a seguinte mensagem esta manhã.

Um médico amigo meu lamenta: “Tratei milhares de pacientes com Covid 19 nos últimos meses. Mas eu não tinha sido infectado. Mas depois de tomar a vacinação, fiquei positivo com o vírus.”

Histórias como essas não são incomuns. Imran Khan (primeiro-ministro do Paquistão) foi vacinado em uma quinta-feira e ficou positivo com o vírus no sábado. Também ouvimos histórias semelhantes sobre vários políticos na Índia.

Os fatos conhecidos:

1. A imunidade contra a Covid 19 não aumenta imediatamente após a primeira dose ou mesmo imediatamente após a segunda. A imunidade completa leva algumas semanas após a segunda dose.

2. A imunidade não é absoluta. Mesmo após a vacinação completa, uma pessoa pode se infectar. Sua chance de morrer ou pegar uma infecção grave que requeira hospitalização será substancialmente menor.

3. Nem todas as vacinas funcionam da mesma forma. A eficácia varia.4. Nem todas as vacinas são eficazes contra todas as variantes. Muitas vacinas são menos eficazes contra o B1.351 (a variante sul-africana), por exemplo.

Agora, o que é esse efeito Peltzman? E por que é importante saber disso?

O efeito Peltzman significa um comportamento que compensa o risco percebido. Em outros termos, as pessoas se tornam mais cuidadosas quando sentem um risco maior e menos cuidadosas quando se sentem mais protegidas.

Isso significa que as vacinas estão dando uma sensação de segurança que leva a um aumento do comportamento de risco.

Mas o problema é que, embora as vacinas não forneçam proteção imediata ou proteção total (contra a infecção como contra a morte), a sensação de segurança infelizmente começa muito mais cedo, antes mesmo da injeção real. E o efeito Peltzman entra em ação: as pessoas usam máscaras com menos cautela, não se distanciam assim que chegam aos postos de vacinação.

O efeito Peltzman de fato começou para a maioria das pessoas antes mesmo de elas tomarem a vacina. Muitas pessoas se sentiram protegidas só de olhar para os números da vacinação. O uso de máscara, distanciamento social e higienização das mãos têm se tornado cada vez menos. Embora isso seja atribuído principalmente à fadiga pandêmica, o efeito Peltzman não pode ser ignorado.

Embora esse comportamento seja perigoso para o público em geral, pode ser desastroso para profissionais de saúde que lidam diretamente com pacientes da Covid 19. Muitos deles podem se infectar na segunda onda atual, prejudicando os serviços de saúde.

O efeito Peltzman também é evidente no declínio drástico no uso de kits de PPE pelos profissionais de saúde.

É importante vacinar a maioria das pessoas em risco. Mas também é importante estar atento ao efeito Peltzman e ter mais cuidado até que o efeito da vacinação nos aproxime da imunidade de rebanho.

Aqui está um exemplo definitivo em que espalhar a consciência salvará vidas.

O milagre de Chapecó

O presidente foi a Chapecó, em Santa Catarina, cumprir agenda política. Lá, segundo reportagem do Valor, o prefeito João Rodrigues disse seguir o receituário do presidente para o enfrentamento da pandemia, obtendo resultados, segundo ele, muito bons.

Como eu não consigo ver uma afirmação sem checar, fui atrás. Chapecó acumula, desde o início da pandemia até ontem, um total de 541 óbitos, o que resulta em 2.455 óbitos por milhão de habitantes. A tabela abaixo mostra a lista das cidades catarinenses com mais de 50 mil habitantes. Chapecó é a quarta pior cidade nesse ranking macabro, com um número de óbitos 50% acima da média do Estado.

Mas alguém poderá dizer que o prefeito está comemorando a diminuição do número de óbitos na cidade. “O número de óbitos despencou”, diz ele. Pode ser que tenha aderido ao protocolo presidencial tardiamente, somente este ano. Pois bem: Chapecó teve 418 óbitos somente em 2021, ou 1.897 por milhão. O estado de SC teve 6.360 óbitos, ou 888 por milhão. Portanto, Chapecó teve mais que o dobro de óbitos do que a média do Estado. A situação este ano piorou, não melhorou.

Eu realmente não consigo entender porque as pessoas fazem afirmações que podem ser tão facilmente desmentidas.

PS.: alguém comentou que a afirmação do prefeito se refere “aos últimos dias”, pois ele tomou posse neste ano. Então, vejamos:- de março até 07/04 vieram a óbito 271 pessoas em Chapecó e 4.255 pessoas em SC, o que resulta em 1.230 óbitos/milhão na cidade e 594 óbitos/milhão no Estado.- em abril (até 07/04) faleceram 22 pessoas em Chapecó e 728 em SC, o que resulta em 100 óbitos/milhão na cidade e 102 óbitos/milhão no Estado. De fato, agora em abril, finalmente Chapecó conseguiu chegar na média do Estado. Meio forçado o argumento, não?

Ritmo inadequado

Hoje foi o segundo melhor dia de vacinação: 972 mil doses foram aplicadas. Perde somente para o dia 01/04, quando foram aplicadas 1,041 milhão de doses. Aliás, foi o único dia em que conseguimos ultrapassar 1 milhão de doses em um dia.

A média móvel de 7 dias, no entanto, está em 670 mil. O máximo que conseguimos atingir nessa métrica foi 746 mil, justamente no dia 01/04.

A partir de hoje, se quisermos aplicar duas doses em toda a população prioritária (77,5 milhões de pessoas, 36% da população) até o final de junho, precisaríamos aplicar uma média de 1,5 milhão de doses/dia a partir de amanhã. Ou seja, mais ou menos dobrar o ritmo atual. Obviamente, cada dia que passa sem atingir essa média, esse objetivo fica cada vez mais distante.

Tem mais: como, em média, as doses aplicadas em finais de semana representam apenas um terço das doses aplicadas em dias úteis, precisaríamos aplicar uma média de 1,85 milhão de doses/dia nos dias úteis, para permitir aplicar 620 mil doses/dia nos fins de semana. Aliás, mais ou menos o que estamos aplicando hoje nos dias úteis.

Uma outra forma de ver a coisa: no atual ritmo de vacinação, a população prioritária acabaria de ser vacinada no dia 14 de outubro.

PS.: “população prioritária” é aquela definida pelo Ministério da Saúde, o que inclui, além das pessoas idosas, profissionais de saúde, pessoas com comorbidades, professores, policiais, detentos, caminhoneiros e uma longa lista de etceteras. Se você, como eu, não se inclui em nenhum desses grupos, pode puxar um banquinho e esperar sentadinho a sua vez.

Evolução da pandemia

Elaborei este novo gráfico para termos uma ideia da evolução do número de óbitos de uma semana para cá.

Os pontos azuis são de uma semana atrás, os pontos vermelhos são os números de hoje, sempre a média móvel dos 7 dias anteriores. Coloquei os números dos 10 estados mais populosos, separando SP entre região metropolitana e interior (ambos têm, separadamente, população maior que qualquer outro estado).

Podemos observar, por exemplo, que o Brasil ainda tem número maior de óbitos do que há uma semana, mas o crescimento foi pequeno, o que mostra que talvez já estejamos perto de ter atingido o pico. Há estados que estão piorando rapidamente: a região metropolitana de SP e o RJ são os piores, puxando os números do país para cima. Por outro lado, outros estados que estavam puxando para cima estão em regressão, como PR, RS e SC. Mas os números desses estados ainda são mais altos do que a média brasileira.

Enfim, parece que estamos passando por várias ondas dentro do Brasil, sendo que os últimos estados populosos puxando a média brasileira para cima são RJ, SP e, em menor medida, MG. Acabando a onda nesses estados, começaremos a descida.