Matéria do jornal O Globo nos dá uma visão global da disponibilidade de vacinas até o final do ano, considerando os acordos já anunciados pelo Governo Federal. A reportagem fala de 545,5 milhões de doses mas tabulei os dados fornecidos e cheguei em 562,4 milhões de doses. Essa diferença não vai afetar a nossa análise.
O primeiro gráfico mostra somente a tabulação dos dados: em cada mês, as barras azuis mostram as doses prometidas, enquanto a linha laranja mostra o acumulado ao longo do ano.
O segundo gráfico mostra, até ontem, o total de vacinas já aplicadas (considerando 1a e 2a doses) em relação às doses teoricamente já recebidas. Para o mês de março adotei o critério linear na falta de algo melhor: a cada dia, assumi que já foram disponibilizados 1/31 avos do total prometido para o mês.
Podemos observar que chegamos no final de fevereiro com 50% das doses recebidas aplicadas nos braços dos brasileiros, o que está coerente com a reserva de doses para a 2a aplicação. A partir de março vemos uma redução dessa razão pois, teoricamente, estamos recebendo mais doses mas não estamos aplicando na mesma velocidade do recebimento. Claro que esta conclusão depende de duas premissas: 1) estamos recebendo as doses prometidas e 2) estamos recebendo as doses prometidas de maneira linear ao longo do tempo.
De qualquer modo, apesar das imperfeições dessas estimativas, acredito que nos dão uma boa noção de onde estamos. E a boa notícia, se tudo isso for verdade, é que teremos vacinas para todos até o final do ano.
Para o Brasil, passei a usar uma outra base de dados, de Wesley Cota, da Universidade Federal de Viçosa. Parece bem acurado.
Houve uma piora marginal no ritmo de vacinação no Brasil e uma grande aceleração do México e Argentina, de modo que passamos a apresentar o pior ritmo dentre os grandes países da AL.
A vacinação está sendo desigual no Brasil, como podemos observar no gráfico anexo. Amazonas, São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul estão bem à frente da média brasileira.
No caso do Amazonas é explicável, pois foi dada prioridade ao Estado, em função de sua situação. Mas por que São Paulo está com um índice de vacinação 30% superior à média brasileira e mais que o dobro do Pará, o último colocado?
Se, em princípio, as doses de vacina foram distribuídas proporcionalmente entre todos os estados, a explicação para esta diferença só pode ser a eficiência da vacinação em cada unidade da federação.
Os críticos mais acerbos do capitalismo normalmente encrencam com o fato de que tudo tem um preço. “Só falta cobrarem pelo ar que respiramos!”, é a frase que resume a revolta.
Pois bem, a Covid-19 trouxe o incômodo fato de que temos também que pagar pelo ar que respiramos, caso não consigamos, por alguma limitação física, puxar o oxigênio da atmosfera com nossos próprios pulmões.
E, adivinha: para ter disponível esse oxigênio, é necessário investir em fábricas de cilindros de oxigênio, para que a produção atenda à demanda. Além disso, é necessário investir em logística, para que esses cilindros cheguem aos hospitais.
A Economist trás um gráfico interessante esta semana, mostrando a demanda por oxigênio hospitalar ao redor do mundo. Obviamente, os países mais populosos e com mais casos de Covid têm as maiores necessidades, pois a medida está em valores absolutos. De qualquer modo, mostra a dramaticidade da coisa.
Não sou médico, mas dizem que podemos sobreviver 5 semanas sem comida, 5 dias sem água, mas não mais que 5 minutos sem oxigênio. Como diria o Galvão Bueno, o jogo vai ficando dramáááático!
A vida não tem preço, mas sempre custa alguma coisa para ser mantida. E, se custa alguma coisa, não se engane, alguém sempre vai pagar, seja o regime comunista, socialista ou capitalista. Resta saber quem. No final, se ninguém pagar, é a vida que será sacrificada.
Hoje o Brasil bateu novamente o seu próprio recorde de óbitos: 7,7 óbitos/milhão/dia, na média móvel de 7 dias. É o 15o dia seguido de picos renovados. E não está parecendo que vai estabilizar.
Na tabela a seguir, listo alguns países e seus respectivos picos (sempre média móvel de 7 dias) e datas em que foram atingidos. Podemos observar que houve um grupo de países que atingiram seus picos no 2o trimestre do ano passado e outro grupo de países que atingiram seus picos agora, no 1o trimestre deste ano.
Fui dar uma olhada no site da Fiocruz, o InfoGripe, com os agora resultados definitivos da Covid-19 em 2020. São várias e diversas conclusões interessantes.
Este site é bem interessante porque fornece várias informações que você não encontra em nenhum outro lugar: histórico de doenças respiratórias, estratificação por idade e por gênero, evolução temporal, distribuição geográfica, etc.
Comecemos pela comparação entre esta epidemia de 2020 com a epidemia de H1N1 em 2009. Para poder comparar, considerei o total de óbitos por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que inclui a Covid e outras doenças respiratórias. Como não há motivo para crer que houve uma piora dessas outras doenças (na verdade deve ter havido uma melhora, devido às medidas de distanciamento social), a diferença entre 2009 e 2020 deve se atribuir somente à Covid.
Observe como a curva da H1N1 é muito mais aguda, atingindo o pico rapidamente na 28a semana epidemiológica (3a semana de julho, que corresponde à sazonalidade normal da gripe), caindo rapidamente depois disso. Já no caso da Covid-19, houve um aumento de óbitos que demorou cerca de 7 semanas para atingir o pico, para depois cair muito mais lentamente. Este pico foi na 18a semana epidemiológica, primeira semana de maio, o que não corresponde à sazonalidade da gripe comum. E o pior: houve uma retomada a partir da 45a semana epidemiológica (2a semana de novembro), que não tem NADA a ver com sazonalidade gripal. E estamos atingindo novo pico agora em março, em pleno verão. Ou seja, acho que já ficou claro que não se trata de uma gripe como outra qualquer, como era a H1N1.
Outro ponto: observe a escala desses gráficos. O pico em 2009 foi de 0,14 óbitos/100 mil habitantes/semana, enquanto o pico em 2020 foi de 3,6 óbitos/100 mil/semana, 25 vezes maior. O total de óbitos não está nestes gráficos, mas está no site: em 2009 tivemos um total de 2.297 óbitos por SRAG; em 2020 foram 294.179, a bagatela de 128 vezes maior. O número total é várias vezes maior do que o pico porque, como disse anteriormente, a curva demorou mais a subir e demorou mais cair, além de termos uma retomada no final do ano, fazendo com que a área debaixo da curva (que é o número total de óbitos) fosse bem maior em 2020 do que em 2009.
Uma observação sobre este número de 294.179 óbitos. No site da Fiocruz, é possível separar o número de óbitos por Covid do número de óbitos por influenza: por Covid foram 195.916 (número próximo aos 194.949 reportados pelo Ministério da Saúde em 31/12/2020), enquanto os óbitos por gripe foram meros 310. Onde está a diferença de quase 100 mil óbitos não classificados como Covid ou como gripe? Não sei. São mortes por SRAG sem diagnóstico. Será que este número de óbitos por Covid está sub-avaliado? Fica a questão.
Agora vamos a uma comparação por idade. Sabemos que a Covid afetou mais os mais velhos. Mas, quanto mais?
Veja no gráfico abaixo que a grande concentração de óbitos por Covid se deu na faixa de 60 anos para cima, ao passo que, em 2009, os óbitos estão bem distribuídos em todas as faixas etárias. Mais uma evidência de que não se trata de uma gripe comum, mas algo diferente.
Ainda analisando os efeitos nas faixas etárias, elaborei outro gráfico para mostrar o drama dos mais velhos: o número de óbitos acumulados por faixa etária. Observe que, enquanto o total brasileiro foi de 1.432 óbitos/milhão por SRAG, na faixa dos 60+ o número total atingiu incríveis 7.759 óbitos/milhão.
Finalmente, vamos a uma análise por gênero, que, pelo menos para mim, foi uma surpresa: enquanto a H1N1 vitimou proporcionalmente mais mulheres, a Covid mata proporcionalmente mais os homens. É o que podemos observar no gráfico de Proporção por Gênero. Portanto, se você pertence ao gênero masculino, tome mais cuidado: o vírus gosta mais de você.
Recupero aqui uma reportagem do dia 11/11/2020. A chamada era: “Brasil segue na contramão do mundo e tem maior baixa nos óbitos por Covid”.
A reportagem dizia: “Dos dez países líderes em mortes no mundo, oito registraram aumento na média móvel de novos óbitos na última quarta-feira em comparação com o dado de 14 dias atrás. No mesmo período, essa média caiu 25,9% no Brasil, passando de 436 mortes diárias em 28 de outubro para 324 na quarta. O único outro país da lista que também registrou baixa foi a Índia, mas em patamar muito inferior ao brasileiro (-2,5%).”
“Enquanto isso, o Reino Unido, que também viveu a experiência de ter uma queda expressiva no número de mortes de abril a junho, acumula alta de 73,0%. Os Estados Unidos também registram alguma preocupação. No intervalo analisado, a média móvel aumentou 30,4%. Também tiveram aumento Espanha (+74,4%), Alemanha (+195,1%), México (+11,1%), França (+122,4%), Rússia (+20,1%) e Itália (+197,6%). A média de mortes em todo o mundo avançou 38,0% no período.”
E a reportagem continuava: “A presença de coordenação nacional para a resposta à pandemia, o engajamento do presidente Bolsonaro, medidas restritivas austeras, alta adesão da população e o não surgimento de uma variante criaram uma “tempestade perfeita” positiva, nas palavras de especialistas.”
Onde foi publicada essa reportagem? Em lugar algum. Eu inventei, a menos das estatísticas, que são verdadeiras. Na verdade, só fiz um espelho de uma reportagem de hoje no Estadão. Só que desloquei as estatísticas cerca de quatro meses para trás.
Até concordo com os “especialistas” quanto ao diagnóstico da situação atual. O que me intriga é que quatro meses atrás vivíamos o exato oposto e não me consta que os fatores apontados tenham mudado substancialmente de lá para cá, a não ser quanto ao surgimento de uma nova cepa. Ou bem esses fatores influenciam sempre, ou não influenciam nunca. As duas coisas ao mesmo tempo não dá.
Com exceção do México, todos os países da amostra aceleraram o ritmo de vacinação na última semana. O Chile ligou o turbo, e agora está vacinando a um ritmo de 0,913% da população por dia. Este ritmo é o dobro do Reino Unido e 30% acima dos EUA. Só perde para Israel no auge, que chegou a vacinar mais de 2% da população por dia. Pelas minhas contas, o Chile já deve ter terminado de vacinar todos os maiores de 55 anos de idade, se seguiu a ordem etária.
O Brasil também acelerou, de 0,106% na semana passada para 0,139% nesta semana. Mas ainda está muito distante do ideal. Neste ritmo, só vacinaremos 70% da população em junho/2022.
100% de alguma coisa é tudo. O problema é saber o que é esse “tudo”.
No pico anterior da pandemia aqui na capital paulista, atingimos 250 casos/milhão/dia e quase 9 óbitos/milhão/dia. Hoje estamos rodando a cerca de 150 casos/milhão/dia e quase 4 óbitos/milhão/dia. Não lembro de ter lido na época (junho/julho) que estávamos com o sistema de saúde particular saturado. O que aconteceu de lá para cá?
Simples: o número de vagas de UTI para Covid-19 diminuiu, dando lugar a vagas para cirurgias eletivas. O “tudo” encolheu. E isso aconteceu porque os hospitais, apesar de sua aura de anjo da guarda da humanidade, são um business tanto quanto uma bar. Abrir mão das eletivas significou um baque financeiro enorme no primeiro semestre, e agora os grandes hospitais particulares relutam em voltar a dedicar essas vagas para a Covid.
Duas coisas então: 1) se houver um decreto para o fechamento do comércio, deveria vir acompanhado de uma proibição de cirurgias eletivas. Afinal, guerra é guerra e 2) faria bem a imprensa em divulgar não somente o percentual de ocupação, mas o número total de leitos disponíveis. Sem esse dado, a informação pode ficar distorcida.
PS.: por favor, não entendam esse post como uma minimização da crise sanitária pela qual estamos passando. Os números de São Paulo estão bem melhores dos que os do Sul do país, mas é uma questão de “quando”, não de “se” a nova cepa vai chegar por aqui, estressando o nosso sistema.