Marcha da vacinação

Atualização da marcha da vacinação em alguns países escolhidos.

A Europa acelerou o passo, mas somente a Espanha dentre os principais países (com exceção do Reino Unido) terminam de vacinar 70% de sua população ainda em 2021 no atual ritmo. O Brasil, por outro lado, diminuiu o ritmo de vacinação. No atual ritmo, vacinaríamos 70% da população somente no final de 2022, o que não é aceitável. Precisamos acelerar esse passo.

Marcha da vacinação

Uma revisão da marcha da vacinação em relação à semana passada.

De maneira geral, os países monitorados ou mantiveram ou aceleraram o ritmo da vacinação. Neste grupo encontra-se o Brasil, que acelerou ligeiramente o seu ritmo: uma semana atrás estava vacinando a uma média de 0,109% da sua população por dia, e agora está vacinando ao ritmo de 0,123%. Isso fez com que o país melhorasse um pouco a previsão de vacinação dos maiores de 55 anos de julho para junho e de 70% da população de out/22 para ago/22. Vamos ver se pelo menos conseguimos manter o ritmo, dada a perspectiva de falta de vacinas.

Destaque positivo vai para o México, que retomou com força a sua vacinação e negativo para Argentina, que parou de vacinar.

A ciência engajada é o túmulo da ciência

Átila Iamarino surgiu no cenário nacional como um brilhante divulgador da ciência. Com seus vídeos inteligentes e divertidos, Átila se notabilizou por traduzir assuntos áridos em uma linguagem acessível ao leigo.

Com o início da pandemia, Átila utilizou toda a sua habilidade para chamar a atenção do público para o problema, ajudando a conscientizar a população para a importância do distanciamento social e cuidados básicos de higiene.

Mas Átila evoluiu. Ou involuiu, a depender do ponto de vista. Passou de divulgador científico para militante político. O post abaixo é só um exemplo.

Há dois problemas com esse post, um formal e o outro conceitual.

O formal (o menos importante) é a comparação entre o número de armas por habitante com o número de vacinas por habitante. Átila está se referindo ao novo decreto presidencial, que aumenta o limite de armas por pessoa de 4 para 6. Obviamente não há 6 armas por habitante no Brasil, isso é apenas um novo limite, que vai ser usado por pouquíssimas pessoas. Além do mais, mesmo que 100% da população estivesse vacinada, essa comparação seria “seis armas por habitante versus uma vacina por habitante”, o que ainda assim passaria a impressão de escolhas equivocadas por parte do governo. Bem, do ponto de vista formal, essa comparação é um completo non sense.

Mas o mais importante é o problema conceitual. A mensagem por trás do post é a seguinte: o governo Bolsonaro está mais interessado em distribuir armas do que vacinas para a população.

É um direito ser contra o acesso a armas por parte da população. Eu mesmo não gosto da ideia. Isso é uma coisa. Outra coisa é misturar a questão das vacinas com a agenda anti-armamentista. O que queria Átila? Que todo o processo legislativo ficasse congelado até que 100% da população fosse vacinada? Não se aprova mais nada até que todos sejam vacinados? Sim, porque qualquer lei aprovada que não seja em prol da vacinação será uma perda de foco. Ou é só a questão das armas e outros temas caros aos bem-pensantes que não podem ser tocados durante a pandemia?

Bolsonaro foi eleito com uma agenda bem definida. Essa questão das armas é um dos poucos temas em que este governo não está cometendo estelionato eleitoral. Não gosta da agenda? Esforce-se por eleger outro candidato nas próximas eleições. Este que está no Palácio do Planalto quer armar a população. E não deveria ser surpresa para ninguém.

O governo Bolsonaro tem sido uma nulidade nessa questão das vacinas. Eu mesmo escrevi vários posts a respeito. Criticá-lo por isso está mais do que certo. O problema é misturar duas agendas que não se comunicam somente com o objetivo de lacrar.

Quando um cientista começa a usar a ciência para fazer política, passa a falar somente para o público politicamente alinhado. As conclusões apresentadas passam a ser questionáveis: afinal, aquilo é ciência ou só narrativa? A ciência deixa de ser universal para servir de arma política.

A ciência engajada é o túmulo da ciência.

A marcha da vacinação

Criei um gráfico para tentar uma visualização mais clara do que chamei de “marcha da vacinação”.

O meu amigo Victor H M Loyola, sugeriu incluir também uma estimativa do término da vacinação para pessoas com 70 anos de idade ou mais. Então, temos três estimativas: término da vacinação para pessoas nessa faixa etária, para pessoas com 55 anos de idade ou mais e para cobrir 70% da população.

O gráfico termina no final de 2023. México e Argentina, com ritmo muito lento de vacinação, ultrapassam esta data.

Quando conseguiremos vacinar “todo mundo”?

Quando conseguiremos vacinar “todo mundo”?

Movido por essa curiosidade, fui pesquisar o ritmo de vacinação em vários países. Para isso, usei dados do site Our World in Data. Fiz duas perguntas:1) Quando cada país conseguirá vacinar todas os seus habitantes com 55 anos ou mais?2) Quando cada país conseguirá vacinar 70% de sua população?

Para responder a estas questões, considerei a velocidade média de vacinação dos últimos 7 dias, para suavizar eventuais distorções. Aqui vão as duas tabelas, com alguns países selecionados:

Datas em que cada país conseguirá vacinar todos os seus habitantes com 55 anos ou mais (sem considerar outros grupos prioritários concorrentes):

  • Reino Unido: fev/21
  • Chile: fev/21
  • EUA: mar/21
  • Espanha: ago/21
  • França: ago/21
  • Brasil: ago/21
  • Alemanha: out/21
  • Itália: nov/21
  • Canadá: mai/22
  • Argentina: jun/22
  • México: nov/35

Datas em que cada país conseguirá vacinar 70% da sua população:

  • Reino Unido: abr/21
  • Chile: abr/21
  • EUA: jun/21
  • Espanha: mai/22
  • França: mai/22
  • Alemanha: jun/22
  • Itália: ago/22
  • Brasil: mar/23
  • Canadá: mar/24
  • Argentina: jul/25
  • México: jun/65

Claro que essas datas dependem de se manter o atual ritmo de vacinação. Esse ritmo tem mudado com o tempo. Por exemplo, o Chile começou muito lentamente, mas acelerou de maneira impressionante nos últimos 10 dias. Os EUA também aceleraram.

O Brasil acelerou também, mas ainda está em ritmo insatisfatório. Precisamos acelerar mais. Vou acompanhar estes números e trazê-los aqui periodicamente.

A corrida da vacinação

Todos estamos ansiosos, acompanhando a corrida da vacinação. O Brasil não aparece bem na fita: segundo o site Our World in Data, que traz estatísticas diárias da vacinação ao redor do mundo, o Brasil vacinou, até o momento, 1,9% de sua população, o que coloca o país em 30o lugar quando comparado com países da OCDE e outros acompanhados pela organização, em um total de 42 países (tabela 1 abaixo).

No entanto, neste primeiro momento, estamos todos correndo para vacinar pelo menos os grupos prioritários: adultos maiores de 65 anos de idade e profissionais da saúde. Então, ajustei o ranking, procurando calcular o número de vacinas já distribuídas em relação a esse público alvo: considerei o percentual da população acima desta idade, somado com o número de médicos + enfermeiras. Como o Brasil tem uma população mais jovem e temos menos profissionais da saúde como proporção da população quando comparado a estes países, subimos para a 18a posição no ranking (tabela 2).

Já vacinamos o equivalente a 20% desta população prioritária. Considerando que a vacinação começou há cerca de 1 mês, no ritmo atual levaríamos outros 4 meses para vacinar esta população prioritária. Não é lá muito animador, mas a velocidade deve aumentar daqui em diante.

PS.: não considerei, por falta de dados, o fator “fura-fila”, que deve ser mais pesado aqui que em outros países do grupo.

Ranking corrigido – leitura por conta de cada um

Quando publiquei o ranking de número de óbitos por Covid, alguns amigos procuraram, com razão, matizar aqueles números. O Brasil aparecia em 15o lugar, em um ranking que considerava apenas países com mais de 5 milhões de habitantes. Comparado com outros países que supostamente haviam feito a lição de casa durante a pandemia, não parecíamos em situação tão precária.

Vou reproduzir abaixo o ranking, atualizado até o dia 30/01, e considerando países com mais de 1 milhão de habitantes (os números se referem ao total de óbitos por milhão de habitantes).

  1. Bélgica: 1.812
  2. Eslovênia: 1.662
  3. Reino Unido: 1.555
  4. Rep. Tcheca: 1.515
  5. Itália: 1.459
  6. Bósnia: 1.418
  7. Macedônia: 1.356
  8. EUA: 1.323
  9. Bulgária: 1.308
  10. Hungria: 1.285
  11. Espanha: 1.246
  12. Peru: 1.233
  13. Croácia: 1.219
  14. México: 1.215
  15. Panamá: 1.214
  16. Portugal: 1.194
  17. França: 1.162
  18. Suécia: 1.148
  19. Suíça: 1.077
  20. Argentina: 1.060
  21. Colômbia: 1.054
  22. Brasil: 1.053
  23. Lituânia: 1.032
  24. Armênia: 1.024
  25. Polônia: 981

É curioso como um simples ranking despertou reações que, a rigor, na letra fria dos números, não se esperaria. Afinal, estar entre os 15% piores parece algo muito ruim. Mas como o objetivo político, ao citar a estatística dos milhares de mortos por Covid, é impichar o governo de plantão, estar entre os 15% piores parece não ser suficientemente ruim. Por isso, os comentários mais comuns procuraram matizar estes números com dois atributos: 1) a pirâmide etária e 2) a densidade dos países. Se estas duas características fossem consideradas, aí sim, o Brasil apareceria como o pior dentre os piores.

A pirâmide etária como fator de ajuste é óbvia: os mais idosos são o principal grupo de risco. Então, países com uma proporção maior de idosos tendem a ter maior número de óbitos.

O segundo fator, densidade, também é óbvio. Quanto mais pessoas juntas em um determinado lugar, menor o distanciamento social e, portanto, maior a probabilidade de transmissão. Mas este fator é preciso ser medido com cuidado.

Quando as pessoas pensam em “densidade”, normalmente consideram o tamanho de cada país: países “pequenos” seriam mais densos, enquanto países “maiores” seriam menos densos. O Brasil, portanto, por ser o 5o maior país do mundo em área, seria muito menos denso, o que é verdade. Por isso, um grande número de óbitos aqui seria muito mais significativo, por exemplo, do que na Bélgica, um país “pequeno”.

Este raciocínio está errado. A densidade importaria se toda a população se distribuísse de maneira uniforme pelo território do país. Mas isso não acontece. As pessoas se concentram em cidades. Portanto, o que importa é o grau de urbanização do país, não a sua densidade. Quanto mais pessoas viverem em cidades, maior será a concentração, ou “densidade” daquele país.

Acho que um exemplo prático pode deixar o conceito mais claro. Na final da Libertadores, a Conmebol liberou público no Maracanã. No entanto, apenas 5 mil pessoas seriam admitidas. Como a capacidade do Maracanã é de quase 80 mil pessoas, 5 mil “desapareceriam” no estádio. A densidade (número de pessoas por área) seria muito baixa. No entanto, não foi o que se viu. As pessoas se concentraram no centro do estádio, onde a visibilidade era melhor. Resultado: concentração de pessoas, mesmo em um estádio com uma grande área.

Pois bem. Rodei duas regressões, uma contra a pirâmide etária e outra contra o grau de urbanização dos países. Usei o conjunto de 155 países com mais de 1 milhão de habitantes. Os gráficos estão abaixo.

Nos dois casos a correlação foi fraca, ainda que contra a pirâmide etária tenha sido um pouco mais forte. De qualquer forma, a tendência, de fato, é crescente: quanto mais velha e mais urbana for a população, maior tende a ser o número de óbitos.

O Brasil encontra-se acima das duas linhas de tendência. Isso significa que o país tem mais óbitos do que sugeriria a tendência geral. Em números: se o Brasil seguisse a média mundial para a pirâmide etária, teria cerca de 360 óbitos/milhão, e se seguisse a média mundial para a urbanização, teria cerca de 590 óbitos/milhão. Números muito melhores do que os atuais mais de 1.000 óbitos/milhão.

Dá para estimar uma equação com as duas variáveis. Segundo essa equação (r2 de 0,40, p-value para a pirâmide etária igual a zero, p-value para a urbanização igual a 8,7%), o número esperado de óbitos para o Brasil, considerando essas duas variáveis ao mesmo tempo, seria de 428/milhão. Uma diferença de 625 óbitos em relação ao número observado.

Abaixo, a lista dos 25 primeiros países de acordo com esse critério (o número representa quantos óbitos por milhão de habitantes ocorreram acima da linha de tendência):

  1. Bélgica: 957
  2. Peru: 872
  3. México: 862
  4. Panamá: 844
  5. Eslovênia: 840
  6. Bósnia: 811
  7. Macedônia: 802
  8. Reino Unido: 764
  9. Rep. Tcheca: 683
  10. Colômbia: 673
  11. Bolívia: 634
  12. Brasil: 625
  13. EUA: 599
  14. Itália: 559
  15. Armênia: 523
  16. Equador: 516
  17. Argentina: 504
  18. África do Sul: 489
  19. Bulgária: 475
  20. Espanha: 463
  21. Hungria: 438
  22. Chile: 426
  23. Irã: 421
  24. Croácia: 393
  25. Portugal: 355

Observe como o Brasil saiu do 22o lugar para o 12o com esse ranking “corrigido” pela pirâmide etária e pela urbanização. De fato, esses fatores parecem ser importantes para explicar uma parte da letalidade do vírus.

O r2 da regressão é baixo, o que significa que certamente há outros fatores que explicam a letalidade. Mas, pelo menos, avançamos na precisão da estatística.

Agora, a leitura política deste novo ranking fica por conta de cada um.

Ranking de óbitos – Brasil

Complementando meu post anterior, segue a lista dos estados brasileiros por número acumulado de óbitos/milhão de habitantes, até o dia 23/01/2021.

  1. Amazonas: 1.720
  2. Rio de Janeiro: 1.665
  3. Distrito Federal: 1.489
  4. Espírito Santo: 1.415
  5. Mato Grosso: 1.395
  6. Roraima: 1.368
  7. Amapá: 1.206
  8. Sergipe: 1.182
  9. Rondônia: 1.165
  10. Ceará: 1.134
  11. São Paulo: 1.120
  12. Pernambuco: 1.060
  13. Goiás: 1.040
  14. Mato Grosso do Sul: 998
  15. Paraíba: 992
  16. Acre: 964
  17. Rio Grande do Norte: 923
  18. Piauí: 909
  19. Rio Grande do Sul: 903
  20. Pará: 871
  21. Santa Catarina: 847
  22. Tocantins: 840
  23. Paraná: 821
  24. Alagoas: 810
  25. Minas Gerais: 667
  26. Bahia: 660
  27. Maranhão: 654

Apenas como curiosidade, dividi o estado de SP em interior e região metropolitana:

  • RMSP: 1.331
  • Interior: 928

Temos então dentro do Brasil desde uma Bélgica (Amazonas) até uma Alemanha (Maranhão).

Ranking de óbitos

Apenas para constar, segue a lista dos primeiros 20 países por total de óbitos por Covid-19, acumulados até o dia 23/01/2021, por milhão de habitantes. Considerei apenas países com mais de 5 milhões de habitantes (total de 120 países). Fonte: Worldometer.

  1. Bélgica: 1.782
  2. Reino Unido: 1.433
  3. Rep. Tcheca: 1.427
  4. Itália: 1.408
  5. Bulgária: 1.277
  6. EUA: 1.256
  7. Hungria: 1.227
  8. Peru: 1.195
  9. Espanha: 1.185
  10. México: 1.145
  11. França: 1.116
  12. Suécia: 1.091
  13. Suíça: 1.040
  14. Argentina: 1.034
  15. Brasil: 1.018
  16. Colômbia: 1.002
  17. Portugal: 999
  18. Chile: 935
  19. Polônia: 933
  20. Romênia: 923

Outros países e suas colocações:

  • 28. Alemanha: 627
  • 31. Canadá: 503
  • 32. Israel: 499
  • 41. Dinamarca: 339
  • 72. Japão: 39
  • 74. Austrália: 36
  • 77. Coreia: 26
  • 112. China: 3

Revisitando o estudo do Imperial College London

No dia 29/03 do ano passado, fiz uma análise do estudo do Imperial College London, que previa até 1 milhão de mortes no Brasil pela Covid-19 se nenhuma medida de distanciamento social fosse adotada.

Na época, os números foram considerados muito alarmistas. O Brasil, naquele dia, havia acumulado apenas 137 óbitos.

O estudo previa alguns cenários de mitigação. O segundo cenário mais otimista, o de supressão tardia, previa 206 mil óbitos, número que atingimos no último dia 13/01.

Como enfatizo no post, tratava-se de um modelo matemático que utilizava certas premissas. Várias destas podem não ter se confirmado, como por exemplo, o coeficiente de transmissão. De qualquer modo, não deixa de ser interessante observar como números que pareciam exagerados na época são, 10 meses depois, vistos como possíveis. A matemática é cruel.