Ocupação das UTIs em São Paulo

Hoje, pela primeira vez desde que comecei a acompanhar, nenhuma região de S Paulo está com mais de 80% de ocupação de UTIs.

A chave das cores é a seguinte:

  • acima de 80%: vermelho
  • entre 60% e 80%: laranja
  • entre 40% e 60%: amarelo
  • abaixo de 40%: verde

Molecagem

O site do ministério da saúde voltou. Agora não tem mais o número total de casos/óbitos, só o número do dia. Como se as pessoas não soubessem somar. É de uma infantilidade tal, que depõe contra a inteligência dos responsáveis por esse tipo de iniciativa.

Pior: não estão mais disponibilizando o arquivo Excel que facilitava o acompanhamento. Agora precisa digitar um por um os números dos Estados, e não há mais informações dos municípios. Tudo para dificultar a vida de quem acompanha a situação mais de perto. Com que objetivo?

Se os números estão sob suspeição, então que corrijam e expliquem os critérios da correção. Dificultar o acesso é coisa de moleque pirracento. Que triste papel.

Mais uma teoria da conspiração

Os dados da Covid-19 estão sendo questionados pelo governo federal. Segundo Carlos Wizard, com futuro assento no ministério da saúde, os Estados estariam interessados em inflar as estatísticas para, assim, poderem pedir mais verbas.

A história é até bem contada, mas tem um problema: não bate com a realidade. Temos Estados com muitos casos e Estados com poucos casos. Será que esses Estados com poucos casos não estariam também interessados em mais verbas? Dentre os Estados com poucos casos, temos Rio Grande do Sul e Minas Gerais, dois dos mais endividados Estados da Federação, e que mais desesperadamente precisam de recursos federais. Por que estariam perdendo essa chance de “maquiar” os números?

Enfim, se você quiser acreditar em teorias da conspiração, não há simplesmente nada, nenhum argumento, que lhe possa convencer do contrário. Já vi gente dizendo que os números dos Estados governados pela oposição estariam mais inflados que os números dos Estados amigos de Bolsonaro. Cada um com sua teoria.

O fato é que o site do Ministério da Saúde está “em manutenção”, e não consegui extrair os dados diários por Estado e por cidade. Se tem algo que realmente não ajuda na resolução de um problema é a falta de dados. E o pior: com essa nuvem de suspeição, como confiar nos dados daqui em diante? Por que os dados “auditados” pelo governo federal seriam mais confiáveis do que os dados das secretarias estaduais? Ou seja, estamos nos esforçando ainda mais para nos colocarmos como párias internacionais: além de termos um epidemia ainda crescendo, teremos dados “tratados” pelo governo federal.- Ah, mas aí sim, os dados serão mais confiáveis!

Assim é se assim lhe parece. Como eu disse acima, se uma pessoa acredita em teoria da conspiração, nada no mundo a fará desacreditar de sua teoria.

O Ministério da Saúde se transformou no Ministério da Verdade. E a Verdade, como sabemos, nos fará livres.

PS.: conspiração por conspiração, tenho a minha teoria: Carlos Wizard controla as franquias da Pizza Hut e KFC no Brasil. O setor de restaurantes, claro, está sofrendo muito com as medidas de isolamento.

Um estudo bem feito

Remdesivir mostrou-se eficaz na redução em 30% do tempo de recuperação de pacientes hospitalizados com Covid-19. Teste duplo-cego com pacientes randomizados.

Para os que têm curiosidade em saber como um teste de medicamento deve ser feito, esse artigo é bem útil.

O tempo é o senhor da razão

Hoje faz exatamente um mês desse anúncio de página inteira, publicado nos principais jornais do Brasil. É da lavra do CEO da Multiplan, defendendo, com palavras menos toscas, que a Covid-19 não passava de uma “gripezinha”, e que tínhamos de voltar a trabalhar.

Cheguei a comentar na época que a comparação com outras doenças era descabida, pois feita em bases de tempo diferentes: comparava-se os mortos pela Covid-19 em pouco mais de um mês com as mortes em um ano inteiro por outras doenças. Na época, fiz uma conta simplória: se o número de óbitos pela Covid-19 crescesse no mesmo ritmo da semana anterior, teríamos 54 mil óbitos em um ano. Bem, um mês depois, temos mais de 20 mil, and counting.

Reproduzi o mesmo gráfico do anúncio, mas na mesma base de tempo: o período de 23/04 a 22/05, um mês depois dos dados apresentados no anúncio. Se as outras causas de morte permaneceram mais ou menos nos mesmos patamares de 2018 (ano desses dados), a Covid-19 deve ter sido a terceira causa de morte no Brasil nos últimos 30 dias, colada no câncer. Outra forma de ver: a Covid-19 deve ter sido responsável por cerca de 16% das mortes do Brasil no período.

Não custa lembrar que na semana anterior a esse período de 30 dias, a média de crescimento diário de óbitos era de 164/dia (média de 7 dias), enquanto hoje é de 890/dia, na mesma média. A Covid-19 caminha rapidamente para se tornar a principal causa-mortis do país.

Lição: nunca subestime o crescimento exponencial de uma doença altamente contagiosa que não tem vacina nem remédio.

Covid-19 vs Pneumonia

Já chamei a atenção aqui algumas vezes sobre a impropriedade de se comparar a Covid-19 com outras doenças. A preferida de quem gosta de comparar laranjas com bananas é a pneumonia. Como ambas as doenças atacam os pulmões, a Covid-19 virou o mesmo que pneumonia, só que matando muito menos. Afinal, a pneumonia mata 75 mil pessoas em média no Brasil por ano, enquanto a Covid-19 matou “só” 20 mil até o momento.

O problema, além da impropriedade de se comparar doenças com grau de transmissão imensamente diferentes, é a base de comparação. Compara-se dados anuais (da pneumonia) com dados de poucos meses (da Covid-19). Agora que temos praticamente dois meses de óbitos acumulados, já é possível comparar a Covid-19 com a pneumonia em bases semelhantes.

Foi o que eu fiz. Com base nos dados do Datasus, calculei a média de óbitos/milhão de habitantes por pneumonia em cada Estado e no país como um todo, mês a mês, entre os anos de 2009 e 2018 (último ano disponível na base de dados). Comparei então com os números da Covid-19 dos meses de abril e de maio (até o dia 22/05, esse número vai ainda piorar até o final do mês). Os resultados estão nos gráficos abaixo.

Podemos observar que, no país, o número de óbitos por Covid-19 em maio já é 2,6 vezes maior (71 contra 27 por milhão) do que o número médio de mortes por pneumonia nos anos 2009-18. Em abril já havia fechado no mesmo nível. Os resultados são muito diferentes de Estado para Estado, alguns com níveis horrorosos e outros onde o Covid-19 não deu as caras.

Alguns poderão dizer que não estou considerando a sazonalidade. Afinal, a pneumonia ataca mais no inverno. Verdade, mas a diferença não é significativa. O mês em que a incidência é maior é agosto, com 31 óbitos/milhão, não muito diferente dos 27 de maio.

Enfim, o problema da Covid-19 é a sua alta capacidade de transmissão e a explosão de casos em um curto período de tempo. A comparação com a pneumonia é claramente inadequada, por esta ser uma doença que incide de forma mais ou menos uniforme ao longo do ano, como podemos ver pelos números.

Democracia faz mal à saúde

Óbitos por Covid-19/milhão de habitantes:

  • EUA: 287
  • Reino Unido: 526
  • Itália: 535
  • Espanha: 596
  • França: 431
  • Suécia: 380
  • Alemanha: 99
  • Rússia: 21
  • China: 3
  • Venezuela: 0,4
  • Cuba: 7
  • Coreia do Norte: 0

Conclusão: a democracia faz mal à saúde.

Estatísticas da Covid-19

Hoje foi dia recorde de casos e óbitos no Brasil. Mas se analisarmos a média móvel de 7 dias (que tem sido a minha estatística favorita, dado o caráter claramente sazonal da divulgação dos dados em todos os países), o que observamos é a simples continuidade de uma tendência. No meu último post eu já avisava: o nosso padrão de crescimento (e o do restante da AL) está diferente do que aconteceu na Europa e EUA. Lá, houve um crescimento muito rápido inicial, para depois começar uma queda lenta. Aqui, o crescimento foi mais lento no início, o que nos impede de traçar um paralelo com Europa e EUA sobre onde seria o nosso pico. Não temos nenhum indicativo sobre quando isso vai acontecer.

Por que este padrão diferente? Difícil dizer. As mesmas medidas de distanciamento social foram aplicadas aqui e lá fora, com mais ou menos atraso. Calor? BCG? Vai saber. O que importa é que não temos um benchmark para comparar a nossa curva.

Vamos aos gráficos.

Debrucei-me mais detidamente sobre a situação brasileira. São 8 gráficos, 4 de casos e 4 de óbitos, sempre média móvel de 7 dias.

Os dois primeiros são mais gerais, comparando Brasil com Europa e EUA. Em número de casos novos diários per capita, já ultrapassamos o pico atingido pela Europa e estamos a 2/3 do caminho para atingir o pico dos EUA. Em número de óbitos, estamos ainda 45% abaixo do pico dessas duas regiões.

O segundo conjunto de gráfico analisa os principais Estados pelo critério de PIB/população. Na prática, são os Estados que estão puxando os números do Brasil para cima, pois outros, apesar de em piores condições, têm populações menores. Vemos que, em relação ao número de casos, o Estado do RJ, o DF e, em um 2o plano, SP, vem puxando a estatística. O crescimento em SP vem sendo mais lento, mas a tendência é crescente. Chama a atenção SC, que vem reabrindo a suas atividades: o número de casos vêm subindo na última semana, depois de duas semanas de estabilidade.

Em relação ao número de óbitos, assusta o comportamento do RJ, com quase 10 óbitos/milhão. Apenas para lembrar, a Itália teve 14 óbitos/milhão no seu pico. O Estado de SP, que havia estabilizado, pela primeira vez em 20 dias fez um novo pico de óbitos. Talvez seja apenas um ponto, vamos acompanhar. Também o DF vem uma tendência crescente de óbitos.

O terceiro conjunto refere-se às principais capitais em termos populacionais. Recife e Manaus lideram em número de casos, mas a cidade do Rio de Janeiro já empatou com essas duas em número de óbitos diários per capita. Mas ainda estão longe (40%) de Nova York, por exemplo, com seus 45 óbitos/milhão/dia no pico. A cidade de São Paulo, mantém uma subida suave no número de casos e estabilidade no número de óbitos: o atual nível é ainda inferior ao pico de 20 dias atrás.

Por fim, para aqueles que moram aqui em SP, um apanhado das regiões do Estado. A Grande São Paulo lidera, mas o número de casos/óbitos vem crescendo rapidamente na Baixada Santista. O número de casos vem acelerando também na região de Sorocaba e Campinas, mas ainda não se refletiu no número de óbitos.

É isso aí. Fiquem bem e protejam-se.

Estatísticas da Covid-19

Olá amigos! Estive um pouco ausente nos últimos dias, pois outras prioridades avançaram sobre o meu tempo. Não sei se vou conseguir postar com a mesma frequência daqui pra frente, mas sempre que sobrar um tempo, vamos abordar assuntos interessantes.

Aproveito para renovar os gráficos de casos/óbitos, comparando o Brasil com EUA e Europa. Estes gráficos sempre traziam a média móvel de 3 dias, mas acrescentei também a média móvel de 7 dias. Com o tempo, foi ficando cada vez mais claro que existe uma sazonalidade semanal na publicação dos dados, provavelmente porque o pessoal trabalha a meia-bomba no fim de semana. Esse é um fenômeno global, não é só no Brasil. Então, quando se calcula a média móvel de 7 dias, se obtém quase uma reta quando existe uma tendência clara.

Podemos observar no gráfico dos casos diários que o Brasil já ultrapassou a Europa no mesmo ponto do ciclo em número de novos casos diários/capita, e deve alcançar os EUA em alguns dias. Ainda estamos a 80% do pico da Europa e a 50% do pico dos EUA. No caso dos óbitos diários, ainda não atingimos o mesmo número de óbitos/capita da Europa/EUA no mesmo ponto do ciclo. Estamos a cerca de 50% do pico dessas duas regiões.

Mas o que eu quero chamar a atenção é para a peculiaridade da curva brasileira em relação às curvas no hemisfério norte. Aqui, o crescimento está sendo bem mais lento, mas o pico será atingido bem mais tarde. Enquanto o pico dos óbitos diários na Europa/EUA foi atingido por volta do 50o dia após o 150o caso, no Brasil já estamos no 64o dia, e nada do pico ser atingido. Aliás, essa é uma característica da América Latina como um todo, que merecerá estudos posteriores. Por enquanto, vamos apenas analisar o fato em si.

Na verdade, não dá para dizer que o Brasil não atingiu o pico. Pode ser que estejamos exatamente no pico. Só saberemos isto daqui a uma ou duas semanas. De qualquer forma, isso nos coloca diante de um problema complicado: como não podemos tomar EUA e Europa como benchmarks, não temos como fazer projeção alguma. Tudo pode acontecer. Pode ser que estejamos já no pico, ou pode ser que o pico esteja daqui a um mês, dois meses ou quatro meses. Ninguém realmente sabe, ninguém tem um modelo que possa fazer essa predição. O único que tínhamos, que era o comportamento da Europa ou dos EUA, já ficou duas semanas para trás.

Aqui entra o quadro apresentado pelo ministro da Casa Civil, Braga Neto, ontem (também em anexo). Este quadro procura mostrar que o Brasil não é a Europa: aqui tivemos muito menos óbitos do que lá. Bem, ainda bem que tiveram o cuidado de colocar a palavra “fotografia” no título do quadro. Isso é, realmente, só uma fotografia. O “filme” está nos gráficos anteriores: estamos com óbitos diários em ascensão, enquanto Europa e EUA estão em declínio.

Fiz um exercício simples, comparando Brasil e Espanha, um dos piores casos da Europa. Considerei que o número de óbitos no Brasil continue crescendo a 4,7% ao dia, enquanto o número de óbitos na Espanha continue decrescendo a 3,4% ao dia. Estas são as taxas médias dos últimos 7 dias em ambos os países. Se isto for verdade, ultrapassaremos o número de óbitos da Espanha daqui a 45 dias (segundo barra vertical. A primeira indica o dia apresentado na tabela do governo). Um mês e meio. Final de junho. Seriam 600 mortes/milhão, o que daria um total de 127 mil óbitos. Isso, em 3 meses e meio da pandemia no Brasil.

Claro, isso é só uma simulação, assumindo algumas premissas que podem não se realizar. Pode muito bem ser que estejamos no pico, ou próximo a ele. Não sei exatamente porque estaríamos, mas tudo bem, podemos estar. Mas também podemos não estar. Enquanto não tivermos certeza de onde estamos, talvez fosse melhor segurar as tabelas comemorativas.

A diferença? Vacina.

Número de pessoas que morreram de doenças contagiosas no Brasil em todo o ano de 2018 (fonte: Datasus):

  • Tuberculose: 4.081
  • Meningite: 961
  • Sarampo: 8
  • Influenza: 1.215

Número de pessoas que morreram de Covid-19 somente no mês de abril/2020: 5.700.

A diferença? Vacina.