CPMF ou desemprego

Na semana passada, escrevi aqui que a substituição do imposto patronal para o INSS dificilmente seria transformado em novos empregos. Para que isso acontecesse, seria necessário que os empresários se animassem a aumentar investimentos, o que está longe de ser um destino óbvio para o dinheiro poupado. Provavelmente, esse dinheiro seria usado para aumentar os lucros das empresas.

Claudio Adilson, economista que respeito muito, afirma que o dinheiro da contribuição previdenciária patronal poderia também ser usado para aumentar salários e/ou formalizar o emprego de quem já está empregado. Verdade, ainda que eu não veja muito porque o empresário iria aumentar a remuneração em um ambiente com 11% de desemprego. Na parte superior da pirâmide até pode ser, mas, de maneira generalizada, parece pouco provável.

De qualquer forma, fico feliz de ter escrito antes o que um dos melhores economistas do país escreve hoje: reduzir ou eliminar o imposto previdenciário patronal não irá aumentar o emprego. Não nas atuais condições do mercado de trabalho.

Portanto, a dicotomia “CPMF x desemprego” é só um arroubo de retórica por parte do ministro da Economia. Paulo Guedes precisa tomar cuidado ao usar expressões fortes, politicamente carregadas, para defender suas posições. Ele teve muito sucesso ao fazer isso durante a tramitação da reforma da Previdência, ao usar a imagem do avião que está caindo. No entanto ao abusar desse tipo de retórica em temas nos quais claramente há exagero e má teoria econômica, o ministro corre o risco de perder credibilidade junto aos congressistas, de quem depende para seguir em frente com os projetos da pasta. Como dizia minha avó, quem fala muito dá bom dia a cavalo.

Taxes never die

A alíquota do IOF sobre operações com moeda estrangeira em cartões de crédito é de 6,38%. Alguns se perguntarão: mas por que essa alíquota quebrada?

Explico. Inicialmente, a alíquota era para ser de 6%. Mas, como houve o fim da CPMF, cuja alíquota era de 0,38%, o IOF foi majorado para compensar.

Taxes never die.

Nova CPFM

Não vou nem comentar o estelionato eleitoral que essa proposta representa. Nem vou gastar meu tempo expondo as diversas distorções que esse tipo de imposto causa na economia. Vamos nos ater aqui à exposição de motivos para a instituição da CPMF: substituir a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos das empresas.

O pressuposto é de que, diminuindo a cunha fiscal entre o que o trabalhador recebe e o que as empresas pagam, as contratações formais aumentariam, aliviando o desemprego.

Coloque-se no lugar de um empresário. De repente, do dia para a noite, você tem em mãos o dinheiro equivalente a 20% de sua folha de pagamentos (é um pouco menos, porque a contribuição previdenciária tem um teto salarial, mas vamos assumir algum montante expressivo de dinheiro). O que você faria?

Há inúmeras alternativas: aumentar seus próprios lucros, investir em automação, pagar dívidas ou eventualmente, investir na expansão dos negócios contratando mais pessoal.

Agora vamos ver qual é o atual estado da economia brasileira. Temos uma ociosidade gigantesca ainda. Aumentos de demanda podem ser atendidos com o atual parque produtivo sem investimentos adicionais. Portanto, investir o dinheiro do alívio fiscal em aumento da produção não parece ser a alternativa mais provável. Aumentar os próprios lucros ou pagar dividias serão, provavelmente, os destinos deste dinheiro.

É interessante também perguntarmos porque uma CPMF e não, por exemplo, um aumento da alíquota do IR, ou do IPI ou de qualquer outro imposto federal já existente. Seria muito mais simples e teria muito menos resistência política.

Engano seu. O aumento de alíquotas específicas encontra a resistência feroz dos lobbies dos prejudicados. A CPMF, por atingir a todos indistintamente, e muito mais a quem não tem como se defender, encontra menos resistência. Este ponto é importante.

A CPMF, ao substituir a contribuição patronal para a previdência, é uma forma de subsidiar a aposentadoria de quem tem carteira assinada com o dinheiro dos desdentados do país. Sim, porque ao aumentar a base de arrecadação para toda a população, todos estarão pagando pela aposentadoria dos trabalhadores do topo da pirâmide. Será mais um subsídio cruzado entre tantos que distorcem a economia do país da meia-entrada. Deveríamos estar trabalhando para eliminar os subsídios cruzados, não para aumentá-los.

Por fim, ao ouvir que “0,22% é uma alíquota baixinha que não vai causar distorções”, lembrei de um amigo meu desbocado, que dizia haver três grandes mentiras no mundo: 1) “Só o amor constrói”, 2) “Dinheiro não traz felicidade” e 3) “Só vou colocar a cabecinha, querida”. Eu acrescentaria uma quarta: “esse novo imposto vai ter uma alíquota baixinha”.

Pergunta que não quer calar

Bolsonaro não quer a CPMF. Maia não quer a CPMF. 99,99% dos economistas condenam a CPMF.

A única ideia de Marcos Cintra sobre tributação é uma CPMF gigante. Pergunta que não quer calar: o que este sujeito ainda está fazendo no governo?

Empresários a favor da CPMF

O grupo de empresários Brasil 200 lançou manifesto pela CPMF com alíquota de 5% (2,5% para quem paga, 2,5% para quem recebe). O “P” seria de Permanente, não mais de provisória.

A Comissão Europeia vem estudando um imposto sobre transações financeiras desde a crise de 2008. A ideia era que os bancos “pagassem” pelo seguro contra crises financeiras. Até hoje não conseguiram chegar em um modelo que não arruinasse o sistema financeiro. O imposto sobre transações ainda está no campo das ideias.

Por algum motivo, este tipo de imposto não existe em lugar nenhum do mundo. E o motivo é este: desbancariza a economia, quando hoje o esforço dos governos vai justamente na direção contrária, até para controlar lavagem dinheiro, fora os ganhos de produtividade.

A proposta do Brasil 200, ingenuamente, afirma que não haveria como escapar do imposto, pois o saque seria onerado em 5%. Sim, no início funcionaria. Mas, em seguida, aquele dinheiro sacado não seria mais depositado de volta no sistema bancário. Ao longo do tempo, as pessoas não precisariam mais sacar, pois as transações passariam a ser, em grande parte, feitas em dinheiro. Os salários seriam pagos em dinheiro, as mercadorias seriam pagas em dinheiro, os fornecedores seriam pagos em dinheiro. Viraríamos uma economia baseada em papel moeda, com tudo o que isso significa em termos de insegurança e ineficiência. A base de tributação diminuiria, o que levaria ao aumento da alíquota para manter a arrecadação, em um círculo vicioso.

Investimentos com menos de um ano de prazo deixariam de fazer sentido. Com um Tesouro Selic rendendo 6,5% ao ano (e vai cair), investir no Tesouro por menos de um ano com uma alíquota de 5% na cabeça perde o sentido. Resultado: os investidores teriam retorno menor para os seus investimentos, com efeitos não desprezíveis sobre a Política Monetária. Aliás, exportaríamos o sistema financeiro para praças onde não há impostos sobre transações. Ações e derivativos seriam negociados lá fora. Isso já acontecia parcialmente quando a alíquota era de 0,38%.

Aliás, gostaria de saber se há exportadores nesse grupo Brasil 200. Pois uma alíquota de 5% sobre cada passo da cadeia produtiva seria uma oneração insuportável sobre as exportações. Aposto que começariam daí as “exceções” ao sistema, que ficaria mais e mais complexo na medida em que outras exceções fossem concedidas. É o Brasil, né?

Não me impressiona, de maneira alguma, que tenha sido um grupo de empresários a sugerir essa aberração. O que mais me parece é um grupo de apoio ao governo, qualquer que seja a proposta. Se a ideia foi somente “jogar a ideia para debate”, funcionou. Assim, enterramos esse assunto logo de uma vez.

O maior imposto do mundo

Na briga pela “melhor” versão da Reforma Tributária, a equipe econômica calcula que o IVA criado pela reforma da Câmara teria que ter alíquota de, no mínimo, 30%, pois substituiria impostos nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. Seria “o maior imposto do mundo”, segundo o governo.

Então, pelo que entendi, o governo prefere continuar escondendo alíquotas em vários impostos, de modo a “não dar muito na cara”. Afinal, uma alíquota de 30% explicitaria a vergonhosa carga tributária que incide sobre tudo o que o brasileiro consome.

Os 30% de alíquota do “maior imposto do mundo” é a melhor coisa que pode acontecer. Deixará claro quanto custa o Estado de Bem-Estar Social brasileiro.

Nova-mas-chama-de-outra-coisa CPMF

Não consigo pensar em nada mais regressivo do que isentar o trabalhador formal da contribuição ao INSS e tributar o informal para pagar aposentadorias. Pois é justamente isso o que propõe Marcos Cintra, em seu projeto da nova-mas-chama-de-outra-coisa CPMF.

Na pratica é o seguinte: o trabalhador formal, que já se aposenta mais cedo e com um salário maior, vai ser subsidiado pelo informal, que se aposenta mais tarde e com um salário menor. Isso é o que significa “alargar a base de arrecadação”.

Cintra deveria conversar com o pessoal da Previdência (e com o próprio Guedes), que estão propondo o sistema de capitalização. Por este sistema, cada um é responsável pela sua própria aposentadoria. O que Cintra propõe é justamente o oposto: mais gente será responsável pela minha própria aposentadoria. E mais gente, em média, muito mais pobre.

Cintra deveria conversar também com o chamado “grupo do Leblon”, time de economistas, sob a coordenação de Paulo Guedes, que vem estudando medidas para destravar o mercado de capitais. Hoje, Cláudia Safatle publica coluna no próprio Valor Econômico sobre os projetos desse grupo.

Pois bem: a nova-mas-chama-de-outra-coisa CPMF vai na contramão desse esforço, jogando ainda mais areia na engrenagem do mercado de capitais.

Enfim, vamos ver até quando o governo vai insistir nesse balão de ensaio dos insensatos.

A “nova” CPMF

Quando o tema “CPMF” apareceu na campanha de Bolsonaro, foi logo desmentido por Paulo Guedes, tal foi o barulho criado. Na época, antes do primeiro turno, Guedes argumentou que não se tratava de uma nova CPMF porque não seria um imposto adicional, mas um que substituiria todos os outros impostos. Ou seja, seria uma CPMF agigantada, com alíquota muito maior. Já entre o primeiro e o segundo turnos, Guedes afirmou que houvera uma grande mal entendido, que ele defendia a convergência de todos os impostos em um imposto único, não necessariamente sobre movimentações financeiras.

Eu mesmo critiquei aqui na época. Trata-se de um imposto que cria distorções nos mercados financeiro, de crédito e tem efeito cumulativo em toda a cadeia de produção. Não à toa, a União Europeia vem estudando a adoção de um imposto desse tipo há 10 anos, sem ter chegado a um desenho satisfatório.

Agora, o assunto volta, como a nos assombrar. Em boa hora a Câmara dos deputados acolheu o projeto de Bernardo Appy, alinhado com as melhores práticas internacionais. Não vamos reinventar a roda.

Um ajuste sem sacrifícios

Paulo Guedes sumiu do radar, depois do “mal entendido” a respeito da recriação da CPMF. Não tem aparecido mais em reuniões ou entrevistas. Tomou chá de sumiço.

Bolsonaro deve ter solicitado que seu “posto Ipiranga” submergisse. Mas como não dá para não falar de economia, Bolsonaro assumiu o papel. Em sua entrevista à rádio Jovem Pan, discorreu sobre a proposta de alteração do IR da pessoa física.

A proposta é a seguinte: até 5 salários mínimos de renda, o contribuinte será isento. A partir desse patamar, cobra-se uma alíquota única de 20%. Isso significaria isenção para quem ganha até R$ 4.770, contra a isenção que temos hoje para quem ganha até R$ 1.904. Por outro lado, para quem tem renda acima de R$ 4.770, a alíquota é de 27,5%. Portanto, trata-se de uma redução de imposto de renda de ponta a ponta, para todo mundo.

Bolsonaro deixou claro: quer uma reforma “que não sacrifique ninguém” (palavras dele), e que diminua a arrecadação da União. Inclusive, disse que, se a alíquota de 20% for muito alta, poderia reduzi-la ainda mais. Sua lógica é que, com menos impostos, a economia vai aquecer, porque vai sobrar mais dinheiro para consumo nas mãos das pessoas.

Pois é. Essa proposta difere muito pouco da proposta do PT ou do Ciro. A diferença está apenas na origem do “dinheiro que vai sobrar nas mãos das pessoas”. No caso do PT ou do Ciro, trata-se de turbinar o crédito. No caso do Bolsonaro, o dinheiro virá dos impostos economizados.

A proposta de Bolsonaro é, conceitualmente, melhor. Diminuir a carga tributária faz com que o dinheiro que sobra seja efetivamente do contribuinte. Ele pode decidir gastar ou poupar, e não terá que pagar uma dívida logo adiante, o que deixa o sistema menos vulnerável. Crescimento na base exclusiva do crédito já vimos, e o final não costuma ser muito bonito.

Por outro lado, esta proposta embute um sacrifício não explicitado: a diminuição da carga tributária envolve necessariamente a diminuição das despesas do governo. E diminuição das despesas do governo envolve sacrifícios. Essa estória de que “não haverá sacrifício para ninguém” é balela. E não adianta vir dizer que os sacrificados serão os “políticos”, ou os “apadrinhados”, ou os “corruptos”. O buraco é beeeeem mais embaixo.

A economia com a máquina pública, se tudo for bem feito, seria talvez da ordem de alguns bilhões de reais. Já o total arrecadado com o IRPF em 2017 foi de aproximadamente R$ 33 bilhões. Se a renúncia fiscal for de, por exemplo, 1/3 da arrecadação desse imposto, estamos falando de R$ 11 bilhões de deficit adicional nas contas públicas.

Além disso, esse tipo de isenção fiscal é o que levou, ao longo dos anos, à regressividade absurda do nosso sistema tributário. Nas economias desenvolvidas, o imposto sobre a renda é grande, e sobre os produtos e serviços é pequeno. No Brasil é o contrário, o que faz com que o pobre pague muito mais imposto proporcionalmente em relação ao rico.

Por fim, o rombo das contas públicas está em aproximadamente R$ 150 bilhões. É preciso zerar esse déficit e começar a gerar superávits, para começar a diminuir a dívida. E não se faz isso com um suposto “crescimento econômico” provocado por crédito ou renúncias fiscais. É indispensável cortar despesas. Inclusive, a mãe de todas elas, a Previdência Social.

Também não adianta vender todas as estatais (ele já disse que BB e Caixa são “estratégicas”, o que merecerá outro post). Se a fonte de despesas não for estancada, o dinheiro da venda será queimado em alguns anos, e o problema retornará no futuro. Como bem sabe uma família endividada e que gasta mais do que ganha, não adianta vender o carro para pagar as dívidas. Isso dá um alívio provisório, mas a dívida volta logo adiante se as despesas continuarem maiores que as receitas.

Enfim, não se faz o ajuste de que o Brasil precisa sem sacrifícios. Quem vende isso está vendendo ilusões. Bolsonaro, ao prometer o paraíso na Terra, está se igualando aos demagogos do PT. E, como estes, não conseguirá entregar o que está prometendo.