A verdadeira riqueza

Você vai no caixa eletrônico eletrônico e saca R$ 600 reais do seu cartão de crédito. Pergunta: você ficou mais rico?

Qualquer pessoa sensata dirá que não. Mas é justamente isso que sugere análises do tipo que vemos na manchete abaixo.

Na verdade, as pessoas não ficaram mais ricas quando receberam o auxílio emergencial. Portanto, agora não estão ficando mais pobres. Sempre foram.

O auxílio emergencial, assim como o saque no cartão de crédito, cria uma ilusão de riqueza. Do outro lado, no entanto, resta uma dívida, que terá que ser paga. No balanço, ativo e passivo se anulam, deixando a pessoa exatamente onde estava. Na verdade, mais pobre, porque terá que pagar os juros.

Claro que a comparação com o cartão de crédito é limitada. A dívida para conceder o auxílio emergencial não precisa ser paga na fatura do mês que vem. Mais do que isso: ela pode ser paga por outros que não receberam o auxílio. Mas é aí que está a armadilha.

Se a sociedade brasileira realmente fizesse uma revolução distributiva, eliminando privilégios e subsídios de funcionários públicos, profissionais liberais e assalariados com carteira assinada, a grande massa de brasileiros que não se encaixa em nenhuma dessas categorias poderia sonhar em alguém pagando essa conta. Mas não, isso não vai acontecer. Portanto, a dívida será paga por esses mesmos que receberam o auxílio emergencial, seja na forma de mais impostos sobre itens de consumo, seja na forma de mais austeridade que estrangula serviços públicos, seja na forma de inflação.

Não, o povo não fica mais rico quando pode consumir mais. O povo fica mais rico quando PRODUZ mais. Endividar-se para consumir sem ter produzido um alfinete a mais é, ao contrário, a receita certa para o empobrecimento.

Os 4 i’s do crescimento econômico

Neste segundo post sobre crescimento econômico, uma vez já feito o ponto sobre a importância do tema no primeiro post, vamos explorar os fatores que levam a um maior crescimento econômico e como o Brasil se encontra em cada um desses fatores. Para tanto, vou lançar mão de um artigo muito interessante e didático do INSEAD: The 4 I’s of Economic Growth, de Antonio Fatás e Ilian Mihov.

Os 4 i’s do crescimento econômico são:

  • Inovação
  • Condições Iniciais
  • Investimento
  • Instituições

Vejamos cada um desses pontos a seguir.

Inovação

Os autores começam por constatar que inovação é o fator que, antes de todos os outros, determina o crescimento do bem-estar econômico no longo prazo. Afinal, é a inovação que permite produzir mais com menos. Crescimento econômico é função da criação de valor. É somente quando se produz bens e serviços que agregam valor para as pessoas que ocorre o milagre do crescimento econômico. O PIB – Produto Interno Bruto – é a soma de todo o valor agregado à economia, transformado em unidades monetárias (dinheiro). E a inovação é o que permite criar mais valor com menos recursos, que é a própria definição de crescimento econômico.

Quando a roda foi inventada, o ser humano conseguiu deslocar coisas com muito menos esforço. A roda foi uma inovação que permitiu agregar valor (o deslocamento) com muito menos recursos.

A inovação não necessariamente envolve tecnologia de ponta. Chamamos de inovação qualquer rearranjo da produção que permita produzir mais com menos. A inovação é o que permite aumentar a produtividade dos fatores econômicos. Adam Smith dá o exemplo de uma fábrica de agulhas em comparação com a produção manual do mesmo produto. O mesmo número de homens produz milhares de vezes mais agulhas em uma fábrica do que se cada um fabricasse as agulhas individualmente. No processo produtivo estão envolvidas inovações tecnológicas do maquinário e da organização da produção.

Os autores do artigo assumem que os Estados Unidos representam a “fronteira tecnológica”, ou seja, o país com maior índice de inovação. Esta premissa parte da constatação de que a produtividade norte-americana tem sido a maior do mundo nos últimos 100 anos pelo menos. Portanto, os Estados Unidos, teoricamente, lideram a inovação no mundo. Parece ser uma ideia intuitiva. Por que isso é importante? Porque veremos, no próximo item, que os países mais distantes da fronteira tecnológica tendem a crescer mais.

Condições Iniciais

Como dissemos, países mais pobres estão mais distantes da fronteira tecnológica. Portanto, existem mais oportunidades de melhoria de processos de produção, o que, em tese, leva a um crescimento maior.

Assim, países mais pobres tendem a crescer a taxas maiores do que países mais ricos, simplesmente porque podem se beneficiar de tecnologias já desenvolvidas. Em tese, a fronteira marca o máximo de riqueza que pode ser criada com a tecnologia existente. Se toda essa tecnologia fosse aplicada imediatamente, o PIB/capita saltaria para a fronteira. Obviamente, não é assim tão fácil. Conforme veremos nos dois itens a seguir, não basta estar distante da fronteira. É preciso caminhar até lá. E, para isso, é preciso investir.

Investimentos

O investimento de hoje é a produção de amanhã. É o investimento que incorpora a tecnologia aos processos de produção.

Mas, o que é investimento? Investimento é a poupança em movimento. Para poder investir, um país precisa antes ter poupado. Ou precisa atrair poupança de outros países, caso não tenha poupança interna suficiente. A poupança é o consumo adiado. As empresas, ao invés de distribuírem dividendos, poupam para investir em suas operações. As pessoas, ao invés de consumir, guardam dinheiro. Este dinheiro é usado para financiar o investimento das empresas.

Acho graça quando ouço o raciocínio simplista “é preciso colocar dinheiro na mão do povo, para o povo ir até o mercado e comprar coisas e, assim, girar a roda da economia”. Sim, isso é verdade, desde que antes se tenha investido para produzir os bens a serem consumidos. O que gera crescimento econômico é o investimento, que somente existe se as pessoas poupam.

É preciso mobilizar esses capitais, tanto domésticos quanto externos, para serem investidos. E como se faz isso? Tendo instituições que facilitem o investimento.

Instituições

Ninguém, em sã consciência, investe para perder dinheiro. É preciso remunerar o capital proporcionalmente ao seu risco. E o risco é inversamente proporcional à chance de receber o dinheiro de volta.

É aí que entram as instituições. Quanto mais difícil for fazer negócios, quanto mais arriscado for um ambiente político ou jurídico, maior será a taxa de retorno exigida pelo capital. É certo que, em uma economia situada longe da fronteira tecnológica, o retorno proporcionado pelos investimentos aceita o desaforo de instituições fracas: afinal, a taxa de retorno exigida pode ser alta, pois o retorno do investimento é proporcional à distância da fronteira tecnológica. Mas, é óbvio também que, quanto melhores forem as instituições, menor a taxa de retorno exigida e, portanto, mais investimentos são viabilizados.

E o que são essas tais de “instituições”? São basicamente arranjos que aumentam a segurança e a eficiência dos investimentos. Dito de outra forma, diminuem o risco para os investimentos. Insegurança jurídica, corrupção, burocracia, são todos fatores que aumentam o risco para o investidor, e são embutidos na taxa de retorno exigida para os investimentos.

O Banco Mundial elabora, desde 2004, um ranking chamado “Doing Business”. Neste ranking, são medidos os desempenhos de 10 elementos que facilitam os negócios em um país. São eles: 1) Começando um negócio, 2) Conseguindo licenças de construção, 3) Obtendo eletricidade, 4) Registrando propriedade, 5) Obtendo crédito, 6) Protegendo acionistas minoritários, 7) Pagando impostos, 8) Comercializando no exterior, 9) Fazendo valer contratos e 10) Resolvendo inadimplência.

Cada um desses elementos torna mais ou menos difícil realizar negócios no país, e são uma boa medida das instituições necessárias para que o investimento tenha o retorno esperado.

O Brasil está preparado para crescer?

Vamos usar a ideia dos 4 I’s para entender se o Brasil tem condições de retomar um nível de crescimento econômico satisfatório. Comecemos pela Inovação. O Brasil produz ou incorpora tecnologia que lhe permita se aproximar da fronteira tecnológica?

A julgar pelo imposto de importação que incide sobre tecnologia, a resposta é não. Ainda somos um país muito fechado, onde os produtores nacionais podem oferecer “carroças” (no dizer do ex-presidente Collor) sem perder mercado. Claro, como diz o ministro Guedes, não se pode exigir que os empresários locais compitam com os chineses tendo as bolas de ferro dos impostos e da burocracia nos pés. Mas, ao invés de tirar as bolas de ferro (veremos o que são essas bolas de ferro mais à frente), colocamos impostos de importação. O remendo que piora o soneto.

Uma forma, dentre várias outras, de medir a criação e a absorção de tecnologia, é através do número de patentes requeridas em um determinado país. No gráfico a seguir, mostramos a evolução do número de patentes requeridas no Brasil e na Coreia, um país que, como sabemos, se aproximou da fronteira tecnológica nos últimos 40 anos.

Observe que, em 1980, havia menos patentes requeridas na Coreia do que no Brasil. Em 2018, último ano da série, a Coreia tem 8,5 vezes mais patentes requeridas do que o Brasil por ano. Não é preciso dizer mais nada.

O segundo I é Condições Iniciais. As condições iniciais são favoráveis ao Brasil. Estamos longe da fronteira tecnológica, o que nos dá, teoricamente, grande espaço para o crescimento acelerado. Mas este espaço, como vimos, é condição necessária, mas não suficiente para o crescimento.

Nos gráficos abaixo, podemos observar o comportamento do PIB/capita de 3 países escolhidos em relação à fronteira tecnológica, os Estados Unidos. São três trajetórias diferentes. A Coreia tem uma trajetória de convergência. Ou seja, seu PIB/capita vai se aproximando do dos EUA ao longo do tempo. A Venezuela tem uma trajetória de divergência, seu PIB/capita vai se afastando da fronteira tecnológica ao longo do tempo. Já o Brasil tem uma trajetória, em geral, paralela, com exceção da década de 80, em que a trajetória foi divergente. Ou seja, ao longo do tempo, o Brasil não consegue se aproximar do PIB/capita dos EUA, apesar de suas Condições Iniciais serem favoráveis. Vamos ver por que isso acontece nos dois próximos itens.

O próximo I é o de Investimento. O gráfico abaixo mostra o investimento dos Estados Unidos, Coreia e Brasil em percentual do PIB nos últimos 40 anos.

Podemos observar que a Coreia tem mantido investimentos da ordem de 30% a 35% do PIB ao longo deste tempo, tendo chegado a quase 40% no início da década de 90. Os Estados Unidos, por outro lado, investem algo como 20% a 25% do PIB, sendo raros os anos em que esse percentual fica abaixo de 20%. No Brasil é o inverso: são raros os anos em que os investimentos superam 20% do PIB. Isso aconteceu no início da década passada com os fortes aportes no BNDES, mas este ritmo se provou de fôlego curto. Hoje investimos cerca de 15% do PIB, metade do investimento da Coreia e abaixo até dos Estados Unidos, que, não custa lembrar, já são ricos.

É óbvio que não iremos a lugar algum com esse nível de investimento. Para aumentar o volume de investimentos é preciso: 1) aumentar a poupança interna e 2) atrair a poupança externa. O governo brasileiro, hoje, despoupa cerca de 3% do PIB, que é o tamanho de nosso déficit primário. E, com isso, atrai a parca poupança interna para financiar a sua dívida crescente. Quanto à poupança externa, somente é atraída com um câmbio muito depreciado, para compensar o risco do investimento.

Além do baixo nível de poupança, os investimentos no Brasil sofrem de outro mal: o baixo nível das instituições, o quarto I do crescimento econômico. No ranking de 2020 do Doing Business, o país aparece em 124º lugar entre 190 países. Na tabela a seguir, temos uma comparação do Brasil com a Coréia (5º lugar no mesmo ranking), em alguns itens de avaliação:

É possível perceber que, no geral, o empresário brasileiro precisa de mais tempo e passar por mais procedimentos para que as coisas sejam feitas do que o empresário coreano. Podemos nos questionar se estamos melhorando com o tempo, ou se estamos estagnados. O gráfico a seguir dá a resposta:

Observe como houve sim uma melhora: o Brasil saiu da faixa de 30% do ranking para algo entre 35% e 40%. Mas, convenhamos, para um país que precisa desesperadamente atrair investimentos, estar abaixo da média não é lá muito animador. E a Coreia, que já tinha índice bastante positivo, melhorou ainda mais, mostrando que sempre é possível melhorar.

Esta é apenas uma pequena amostra do que chamamos de Instituições, que incluem também segurança jurídica, estabilidade política e baixa corrupção. E por falar em corrupção, vamos ver como o Brasil se insere no contexto global neste quesito.

índice de Percepção de Corrupção (CPI na sigla em inglês), calculado pela Transparência Internacional, mede a percepção de corrupção por parte de empresários em relação ao setor público de cada país. A Transparência Internacional coleta dados do Banco Mundial, do Fórum Econômico Mundial (aquele que se encontra anualmente em Davos), de consultorias globais de risco e de think tanks globais.

Segundo a última edição do CPI, de 2019, o Brasil tinha índice de 35 (o índice vai de 0 a 100), ranqueando em 106º lugar dentre 198 países. A Coreia, por sua vez, tinha um índice de 59, ranqueando em 39º lugar. Vejamos, no gráfico a seguir, a evolução deste índice desde 2003:

Note que Brasil e Coreia tinham praticamente o mesmo índice em 2003. O que fizeram os coreanos para melhorar a percepção a partir daí em relação ao Brasil?

Note também a deterioração da percepção de corrupção no Brasil a partir de 2015. Lembre-se de que se trata de “percepção” e não de corrupção concreta e provada. Esta percepção, obviamente, é fruto de casos de corrupção que vêm à tona. Mas o interessante é que, mesmo com uma mega-operação anti-corrupção como a Lava-Jato, a percepção piorou, não melhorou. Uma hipótese é de que a Lava-Jato tenho sido vista como uma exceção, não como a regra. Os usos e costumes do país são percebidos como permissíveis à corrupção. De qualquer forma, há um longo caminho pela frente de recuperação deste importante quesito de competitividade.

Concluindo

O crescimento econômico não é um voo de galinha, obtido através de incentivos míopes ao consumo. O crescimento econômico é semelhante ao voo de uma águia, que atinge grandes altitudes em um voo estável e majestoso. Para isso, são necessárias asas com grande envergadura, só obtidas com Inovação, Investimentos e Instituições, que permitam aumentar o crescimento potencial da economia.

Alguns poderão argumentar que o que funciona mesmo são os incentivos de um governo com um grande plano de desenvolvimento. No entanto, coincidência ou não, todos os países ricos possuem, em maior ou menor grau, as características definidas neste texto. E, por outro lado, usamos e abusamos, aqui no Brasil, de grandes planos de desenvolvimento ao longo das últimas décadas, que acabaram por resultar em mais dívida e em menos crescimento. Não estaria na hora de fazer o feijão com arroz e deixar de lado as grandes pirotecnias?

O que precisamos são de pequenas mudanças institucionais na direção correta, acumuladas ao longo dos anos. É preciso trabalhar com perseverança, com visão de longo prazo. Isto não combina com os populismos das soluções fáceis e erradas. Saberemos, como sociedade, caminhar na direção correta com a velocidade adequada e, assim, vencer a estagnação das últimas quatro décadas?

Igualistão ou Crescimenistão: onde você gostaria de viver?

Este é o primeiro de dois posts sobre crescimento econômico. Neste primeiro, farei a defesa do crescimento econômico como estratégia principal para melhorar o padrão de vida dos mais pobres. No segundo, discorrerei sobre as condições necessárias para acelerar o crescimento econômico.

Estamos em uma era em que a distribuição de renda é o “zeitgeist” do debate econômico. A má distribuição das riquezas fere os espíritos mais sensíveis, e a falta de condições mínimas de subsistência de uma parcela significativa da população global clama por soluções.

Neste contexto, falar de crescimento econômico soa quase que como uma heresia. Delfim Netto, quando era ministro da Fazenda de Médici, cunhou a frase que resume o pensamento que hoje merece a fogueira: “é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”. Esta frase veio em um contexto que nos é familiar: as críticas ao modelo econômico do Brasil (“o milagre econômico brasileiro” do início da década de 70), que deixava uma parcela significativa da população de fora dos benefícios do crescimento acelerado.

Se discutir crescimento econômico já era pouco simpático na década de 70, hoje temos o ambientalismo como o novo ingrediente que faz do crescimento econômico o grande vilão. Afinal, em um planeta à beira de uma catástrofe ecológica, com recursos cada vez mais escassos, o crescimento “a todo custo” ou “desordenado” trabalha para levar o mundo para o caos. Confesso que não consigo definir o que seja “a todo custo” ou “desordenado”, mas são adjetivos frequentemente encontrados em discursos para qualificar o crescimento econômico nocivo.

Por outro lado, os que defendem a primazia do crescimento econômico, afirmam que os mais pobres são também beneficiados no processo. Podemos resumir o raciocínio utilizando um exemplo fictício. Sejam dois países, o Igualistão e o Crescimenistão, ambos com o mesmo número de habitantes. O PIB do Igualistão é de 100 moedas, enquanto o PIB do Crescimenistão é de 300 moedas. Portanto, o PIB/capita do Crescimenistão é três vezes maior que o PIB/capita do Igualistão. No entanto, o índice de Gini do Igualistão é igual a zero, enquanto o índice de Gini do Crescimenistão é igual a 0,5.

O índice de Gini mede o grau de desigualdade de renda de um país. Gini igual a zero significa distribuição perfeita de renda. Ou seja, não existem mais ricos ou mais pobres, todos têm a mesma renda. Por outro lado, quanto mais próximo de 1 for o índice de Gini, mais desigual é a distribuição de renda. Um índice de 0,5 pode ser construído da seguinte forma: os 10% mais ricos da população possuem 55% da renda do país, enquanto os outros 90% da população vivem com os restantes 45% da renda do país, sendo que a renda desses 90% está igualmente distribuída. Ou seja, somente os 10% mais ricos ganham mais do que todos os outros.

Com essas informações, podemos facilmente calcular a renda da população do Igualistão e do Crescimenistão. No Igualistão, os 10% mais ricos têm renda equivalente a 10% da renda do país (10 moedas), os 10% seguintes também têm renda de 10% da renda do país (10 moedas), e assim por diante. Ou seja, todos os habitantes do Igualistão têm a mesma renda. Deste modo, no final somamos as 100 moedas, que é a renda total do país.

Já no Crescimenistão, os 10% mais ricos representam 55% da renda do país, que é de 300 moedas. Portanto, a renda dos 10% mais ricos soma 165 moedas. Já os 90% restantes têm renda de 145 moedas. Como todos ganham a mesma coisa, cada estrato de 10% ganha 15 moedas. Temos então que os 10% mais ricos ganham 165 moedas, os 10% seguintes ganham 15 moedas, os 10% seguintes também ganham 15 moedas, e assim por diante, até completar a renda total do país, que é de 300 moedas.

Note que os cidadãos mais ricos do Crescimenistão têm renda/capita 11 vezes maior que o restante da população. Uma bela desigualdade. No entanto, o país é tão mais rico, que os mais pobres do Crescimenistão são 50% mais ricos que os cidadãos do Igualistão (15 moedas contra 10 moedas). Em outras palavras, mesmo em um país desigual, os mais pobres podem ter qualidade de vida superior ao de países mais igualitários. Basta que sejam mais ricos.

Obviamente, o ideal seria que tivéssemos o melhor dos dois mundos: a renda do Crescimenistão combinada com a igualdade do Igualistão. É possível? Sim. Não só é possível, como é o que normalmente acontece. No gráfico a seguir, mostramos a relação entre índice de Gini e renda/capita (conceito PPP) de 144 países. (A fonte para o índice de Gini é o Banco Mundial e para a renda/capita é o FMI).

Observe como a linha de tendência é levemente decrescente. Ou seja, quanto maior a renda/capita, menor tende a ser o índice de Gini. Em outras palavras, os países mais ricos tendem também a ser mais igualitários. Uma notável exceção são os Estados Unidos, que têm um Gini muito alto se considerarmos sua renda/capita. Voltaremos a este ponto mais à frente.

Fosse para encontrar alguma correlação, poderíamos dizer que uma forma de aumentar a igualdade seria simplesmente enriquecer, dado que os países mais ricos tendem também a ser mais igualitários. No entanto, podemos observar que também países muito pobres possuem índices de Gini baixos. Ou seja, é possível ser pobre e igualitário também. Em outras palavras, aparentemente, a igualdade não tem a ver com o nível de renda do país para os países mais pobres.

Para tentar inferir quais outros fatores poderiam afetar a distribuição de renda, fiz o ranking dos países mais desiguais (Gini mais alto) e países mais igualitários (Gini mais baixo).

Observe que, entre os países mais igualitários, temos uma predominância de países do Leste Europeu, além da Escandinávia. Mesmo países com renda mediana, como Moldávia e Ucrânia, apresentam Gini muito baixo. Será que o sistema socialista criou, de fato, igualdade nesses países? Ou será que a homogeneidade de suas populações levou naturalmente a uma igualdade maior de renda? Difícil dizer, sem termos acesso a uma série histórica. Mas o ranking dos países mais desiguais nos dará insights mais interessantes.

Podemos observar que, dos 10 países mais desiguais, 8 se encontram na África e 2 na América Latina. Sim, o Brasil faz parte desse ranking. Observe que Brasil, Botswana e África do Sul possuem mais ou menos a mesma renda/capita da Moldávia e Ucrânia, mas uma desigualdade muito maior. Ou seja, a pobreza não explica a desigualdade.

Será que o processo de colonização e o histórico de escravidão levaram às grandes desigualdades na África e na América Latina? A escravidão como fator de desigualdade também explicaria o alto índice de Gini nos EUA, muito acima da média dos países mais ricos. Além disso, é um país que recebe muitos imigrantes, o que torna sua população mais heterogênea em termos de condições iniciais, pelo menos em um primeiro momento.

Se isto é verdade, a forma de diminuir as desigualdades é tornando a população mais homogênea do ponto de vista das suas condições iniciais. E a forma de fazer isso de maneira estrutural é através da capacitação da mão-de-obra e do fomento de instituições que permitam o emprego dessa mão-de-obra capacitada. Não adianta de nada formar mão-de-obra e dificultar a vida das empresas que poderiam empregá-la. A mão-de-obra formada irá vazar para o exterior.

Por outro lado, se a preocupação não for com a igualdade, mas com as condições de vida dos mais pobres, o crescimento econômico talvez seja uma solução mais adequada. Como vimos acima, os pobres do Crescimenistão vivem melhor que os pobres do Igualistão.

Vou além: em países como o Brasil, as políticas que visam melhorar as condições iniciais dos mais pobres e, assim, aumentar a homogeneidade da população, são sequestradas pelas elites em seu próprio benefício. As escolas são sequestradas pelas corporações de funcionários públicos, as faculdades atendem os filhos das elites, o sistema de aposentadorias (tanto privado quanto público) suga os poucos recursos que poderiam estar sendo investidos na melhoria das condições iniciais da população mais pobre, os incentivos fiscais atendem empresas que poderiam andar com as próprias pernas, etc, etc, etc.

Temos décadas de políticas empilhadas visando tirar o Brasil do vergonhoso ranking dos países mais desiguais do mundo. O último é o Fundeb permanente, que provavelmente será sequestrado para pagar salários dos professores sem relação com a eficiência do processo educativo. Desconfio que daqui a 20 anos vamos ainda fazer parte desse ranking.

Para países como o Brasil, sequestrado pelas elites, a forma mais eficaz de melhorar a vida dos mais pobres é enriquecendo. Focar na redução das desigualdades é insistir nas mesmas ações que fracassaram nas últimas décadas. Qualquer ação nesse sentido acaba beneficiando as elites em detrimento dos mais pobres. Sem contar que estas ações exigem uma carga tributária mais alta, que acaba por pesar justamente sobre os mais pobres, além de prejudicar o crescimento econômico potencial do país. Acabar com essa hipocrisia já seria um bom começo.

Estatísticas distorcidas

Outro dia foi “a maior criação de empregos com carteira assinada para um mês de agosto desde 2010 segundo o CAGED”.

Anteontem foi “o maior volume de vendas no varejo para um mês de agosto desde o ano 2000”.

Ontem foi “a maior inflação para o mês de setembro desde 2003”.

Claro, cada lado político vai usar essas informações para puxar a narrativa para o seu lado. Mas a verdade verdadeira é que esses números não significam absolutamente nada.

A pandemia representou um choque de grandes proporções na economia global. Foi como se um meteoro tivesse atingido a Terra. Depois de um choque dessa magnitude, é só natural que as medidas de atividade econômica fiquem completamente fora dos eixos. Grandes depressões seguidas de grandes recuperações, preços doidos nos mercados, desorientação geral. As coisas vão levar meses, senão anos, para voltarem ao leito normal. Por enquanto, essas comparações só servem para criar manchetes bombásticas e cevar narrativas políticas. De resto, são inúteis.

A história se repete

Uma História do Brasil de bolso.

Na década de 50, o Estado brasileiro era capaz de construir uma cidade do nada. E assim o fez. Brasília nasceu às custas de endividamento e emissão de moeda. Resultado: inflação descontrolada e crise da dívida na década de 60, e a queda do governo alguns anos depois.

Na década de 70, o Estado brasileiro não era mais capaz de construir cidades, mas ainda podia fazer grandes obras. E assim o fez. Itaipu, Transamazônica e outras obras gigantescas nasceram às custas de endividamento externo. Resultado: inflação e crise da dívida na década de 80, precipitando o fim do regime militar.

Na década 2000, o Estado brasileiro já não podia mais construir cidades ou grandes obras. Mas ainda era capaz de capitalizar seu banco de desenvolvimento (uma forma de driblar as agruras de um orçamento limitado), e alavancar o retorno de acionistas privados em grandes obras. Assim nasceram Belo Monte, Sete Brasil e os campeões nacionais. Resultado: inflação e descontrole das contas públicas na década de 10, precipitando o fim do governo.

Aprendemos?

Não.

Dilmavírus

O impacto das medidas de isolamento social serão terríveis para a atividade econômica. Isso já sabemos. Mas quão terríveis?

Os primeiros chutes dos economistas do mercado financeiro indicam perdas do PIB neste ano que vão de -1% a -4%. Sem dúvida, uma grande desaceleração.

Fiquei tentando lembrar da última vez que isso aconteceu. Não foi difícil. Isso aconteceu recentemente. Não uma vez, mas duas.

Nos anos de 2015 e 2016, o PIB brasileiro recuou entre 3,5% e 4,0%. Sim, não um ano, mas dois anos seguidos. Foi o efeito do Dilmavírus.

Claro que hoje a coisa assusta mais, pois é um grande impacto no curtíssimo prazo, dando uma sensação muito ruim, como se estivéssemos em um carro que brecasse violentamente.

Além disso, não quero passar a impressão de menosprezar os efeitos deletérios da desaceleração que enfrentaremos. Serão meses bem sofridos. A comparação com um período péssimo não torna melhor um período ruim.

Mas, olhando em perspectiva, conseguimos, aos trancos e barrancos, sair daquele buraco. Sequelas ficaram, como o grande desemprego que ainda assola o país. Mas vamos caminhando.

Conseguiremos sair deste buraco também. Se sobrevivemos ao Dilmavírus, o coronavírus é fichinha.

Boas e más notícias

É óbvio que enfrentaremos uma recessão brutal. Muitos empregos serão perdidos. Mas uma parte desses empregos serão absorvidos por setores que estão sobreaquecidos por conta da própria crise. Claro que, para uma análise mais definitiva, precisaremos ver como será o mundo pós-quarentena. É provável que os supermercados voltem a vender normalmente. Mas, e os restaurantes? Vão voltar a ser frequentados normalmente? Difícil dizer.

De qualquer forma, neste primeiro momento, alguns setores estão contratando. O que não deixa de ser um alívio nesse tsunami de más notícias.

Torcendo os números

O jornal eletrônico Nexo conseguiu traduzir em linguagem simples a lorota da divisão entre “PIB do Governo” e “PIB Privado”. Essa divisão simplesmente não tem como ser feita. Não por outro motivo, a SPE não abre a metodologia que usou. O que podemos dizer é que os gastos do governo caíram, mas isso não é novidade, é fato corriqueiro no 1o ano de qualquer governo, que sempre é um ano de ajuste.

O fato nu e cru é que o PIB cresceu só 1% em 2019, e deve crescer menos de 2% em 2020. Quero é ver a convicção privatista desse governo se o pibinho insistir em ficar entre nós. Até Mauricio Macri, que tinha bem mais convicção que Bolsonaro, cedeu aos apelos populistas quando a água bateu em suas nádegas liberais. Que dirá o corporativista recém-convertido ao credo liberal. E aí, não vai adiantar o Guedes tentar torcer os números para que contem uma história bonita.