O Ibre da FGV colocou o PIB do 1o tri de 2020 no telhado. A sensação de deja vu é irresistível.
Nos últimos 3 anos foi assim: no final do ano aquela sensação de agora vai. Depois, aos poucos, com a divulgação dos dados reais, o banho de água gelada. A recuperação já está adiada para o 2o trimestre. Se houver.
E olha que estamos falando de um crescimento de 2%. Isso já seria o dobro do que conseguimos alcançar nos últimos 3 anos. Este foi mais ou menos o crescimento dos EUA nos últimos 3 anos, e será neste também. Mas os EUA já são ricos.
Sabe-se que o crescimento de países mais pobres deveria ser maior, pois as oportunidades de crescimento da produtividade são também maiores. Mas nem sempre os países mais pobres aproveitam essa oportunidade. Muitos se perdem em instituições e legislação que não favorecem o investimento e, portanto, o crescimento. São escolhas.
Como afirma a reportagem da mesma página, o aumento da produtividade será chave para o crescimento econômico brasileiro nesta década, uma vez que o bônus demográfico vai ficando para trás. Podemos até tentar uma ou outra política de curto prazo para “anabolizar” o crescimento, mas sem o aumento da produtividade será sempre um voo de galinha. Não é tarefa para um governo, mas para uma geração.
Sou pessimista quanto à real percepção das elites sobre este problema, em um contexto em que a “distribuição da renda” se ergue como “o” problema da economia brasileira. “Distribuir renda” foi o que se procurou fazer nas últimas décadas. Talvez seja o caso de mudar o foco para o “aumento da produtividade”. Só talvez.
Parece que é o maior índice de Gini já registrado na série histórica, se a matéria estiver correta.
Serão horas e horas de debate na Globo News hoje, com os comentaristas pontificando sobre as mazelas da desigualdade.
Não é por falta de “iniciativas governamentais” que somos um dos países mais desiguais do mundo. Há, na verdade, toneladas delas. A Constituição Cidadã desenhou o paraíso na Terra.
A reportagem também destaca as desigualdades regionais. A renda do Sudeste é mais que o dobro da renda do Nordeste. Também não é por falta de “incentivos governamentais”. Bancos e agências de desenvolvimento abundam no Nordeste.
A solução, é óbvio, passa pelo aumento da produtividade da população brasileira. A desigualdade aumentou nos últimos anos de recessão porque quem perdeu o emprego foram as classes mais baixas. O desemprego é de 11%, mas isso é só uma média. Nas classes D e E o desemprego é muito maior. Por um motivo simples: são trabalhadores menos produtivos. E, em uma recessão, você precisa fazer mais com menos. É óbvio que, nesse contexto, ocorre concentração de renda.
Não será com incentivos governamentais ou bolsas-auxílio que se resolverá o problema da desigualdade no Brasil. Pode-se até continuar com esses programas como uma forma de mitigar o sofrimento dos mais carentes. Mas erigir essas políticas (assim como o aumento da salário-mínimo na canetada) como O fator que vai resolver a desigualdade é enganar o povo. Tanto é assim, que atingimos o maior índice de desigualdade de renda da história após 30 anos da Constituição Cidadã e quase 15 anos de bolsa-família. Até quando o Brasil continuará neste auto-engano?
A única forma de diminuir a desigualdade de renda é aumentando a produtividade média da população. E isso só vai acontecer quando se investir a sério na formação de capital físico e humano. Qualquer outro “remédio” só servirá para aumentar a desigualdade no longo prazo. Essa é a experiência brasileira.
Tenho lido por aí que a baixa inflação brasileira é o outro lado da moeda do baixo crescimento econômico.
Os números acima são só pra mostrar que baixo crescimento econômico não necessariamente leva a inflação baixa. Se temos inflação baixa hoje no Brasil, é porque houve uma competente gestão do Banco Central desde que Ilan Goldfjan assumiu no governo Temer. Dizer que a inflação baixa é somente fruto do baixo crescimento é negar a realidade mostrada pelos números acima.
Pelo contrário: está mais do que provado que inflação baixa e controlada é condição necessária (ainda que não suficiente) para o crescimento econômico de longo prazo. Se o país não está crescendo, não culpe o BC. Procure a explicação na Praça dos 3 Poderes.
Trecho da entrevista de Marcos Lisboa ontem, no Estadão.
Assim como aprendemos a duras penas que não se vence a inflação congelando preços, estamos também aprendendo a duras penas que não saímos da armadilha do baixo crescimento econômico dando incentivos de curto prazo. Quer dizer, “estamos aprendendo” talvez seja uma expressão muito otimista.
Lisboa coloca dois exemplos: a Inglaterra de Thatcher e a Austrália. Na primeira, as reformas foram rápidas e dolorosas. Na segunda, lentas e mais palatáveis. Em ambos os casos, funcionaram para aumentar a produtividade da economia.
Não temos uma Thatcher tupiniquim, que aguenta firme mais de um ano de greve dos mineiros. Aqui, os governos fogem correndo para fazer tabelamento de fretes quando os caminhoneiros batem o pé. Greve de funcionalismo público, nem pensar.
Portanto, o ritmo das reformas será lento. Exasperadoramente lento. Macri está pagando o preço por ter optado por esse caminho.
“Faça alguma coisa!”, começam a gritar os agentes políticos. “Faça alguma coisa!”, Bolsonaro começa a dizer para o seu Posto Ipiranga. Desde raspar o tacho das estatais até liberar o FGTS, o super-ministro da economia vai mostrando que seus super-poderes são bem limitados.
13 milhões de desempregados urgem. Mas não há o que fazer. Assim como o congelamento de preços, incentivos de curto prazo introduzem distorções de médio prazo, em uma economia já cheia delas. É preciso perseverar nas reformas.
Duas manchetes, uma ao lado da outra, hoje, no Valor Econômico. Confesso que nunca vi algo assim tão, digamos, contundente, para refutar aqueles que pedem “mais ação do Estado” para recuperar a economia.
Na reportagem da direita, Montezano, presidente do BNDES, afirma que, dos R$ 70 bilhões disponibilizados pelo banco este ano para empréstimos, somente R$ 25 bilhões foram tomados pelo setor privado. Surpreendentemente, o interesse pelas linhas do BNDES desapareceu no momento em que as taxas praticadas pelo banco de desenvolvimento se ajustaram ao mercado…
Isso não impediu que o investimento crescesse no 2o trimestre, tanto em bens de capital para fins industriais, como para construção e também para materiais de transporte, como atesta a matéria da esquerda. Surpreendentemente também, o investimento privado mostrou que pode crescer mesmo sem as taxas subsidiadas do banco de desenvolvimento…
Não consigo pensar em mensagem melhor aos viciados na ação do Estado na economia.
Reportagem hoje no Estadão descreve o surgimento de grupos “marxistas radicais”. Formados por estudantes das melhores universidades chinesas, esses grupos pregam a volta ao “marxismo puro”, aquele que “nunca foi implementado direito”.
Esses grupos reconhecem que a implementação de reformas capitalistas ajudou no crescimento econômico chinês das últimas décadas, mas os frutos desse crescimento não estão de acordo com a cartilha marxista, que é a da “distribuição igualitária” da riqueza gerada.
A apoiar seu raciocínio, nada melhor do que uma estatística que, como diria Roberto Campos, “como um biquíni, mostra tudo, mas esconde o essencial”. Segundo a reportagem, citando dados da World Inequality Database, os 1% mais ricos da China detinham 15% da renda em 1995 e hoje (suponho 2017), os mesmos 1% detém 30% da renda. Um escândalo, que deve estar fazendo Marx revirar-se no túmulo.
No entanto, vamos colocar alguns números nessa análise, para torná-la, digamos assim, mais completa.
Segundo dados do FMI, em 1995, a renda per capita dos 99% chineses mais pobres era de 1,8 mil dólares internacionais, que medem o poder de compra dos habitantes de um determinado país, o Purchase Power Parity. Usando o PPP, isolamos a questão cambial da análise. Em 2017, esta mesma renda per capita era de 11,8 mil dólares internacionais, o que resulta em um aumento do poder de compra dos 99% mais pobres de 635% neste período, ou 9,5% ao ano.
Mas, dirão os marxistas, o crescimento de renda dos mais ricos foi muito maior! Sem dúvida: os 1% mais ricos aumentaram a sua renda, no mesmo período, em 1.686%, ou 14% ao ano.
Os marxistas puros têm a ilusão de que se fossem dadas as condições para diminuir a concentração de renda neste período, os 99% estariam hoje mais ricos. Não conseguem entender que as reformas capitalistas que concentraram a renda são as mesmas que fizeram a China crescer de maneira espetacular nas últimas décadas. Hoje, os chineses mais pobres estão 6 vezes mais ricos do que estavam há pouco mais de 20 anos. E isto não teria sido possível sem as reformas capitalistas que concentraram a renda.
Um contraexemplo é o caso brasileiro. Desde 1995, tivemos TODOS os governos muito preocupados com a distribuição de renda. Proteções trabalhistas, aumento real do salário mínimo, bolsa-família, foram todas políticas que tiveram como objetivo melhorar a vida dos mais pobres. O que se conseguiu?
O World Inequality Database nos informa que o 1% mais rico concentrava 26% da renda em 2001 e 28% da renda em 2015. Esse é um primeiro dado interessante: anos de “políticas distributivas” não fizeram cócegas nos dados de distribuição de renda.
Vamos assumir, só para efeitos de simulação, que a concentração de renda no Brasil tenha ficado constante entre 1995 e 2017 (mesmo período do estudo chinês) em 27%. Sendo assim, em 1995, os 99% mais pobres no Brasil tinham uma renda per capita de 7,0 mil dólares internacionais, contra 1,8 mil dos chineses. Em 2017, a renda per capita tinha subido para 13,1 mil dólares internacionais, contra 11,8 mil dos chineses. O crescimento da riqueza dos 99% foi de 87% neste período, ou 2,9% ao ano.
Ou seja, mesmo com um aumento brutal da concentração de renda, os chineses mais pobres melhoraram seu padrão de vida quase 3 vezes mais que os brasileiros. Quem se saiu melhor, os pobres chineses ou os pobres brasileiros?
A ênfase na distribuição de renda não funcionou nos últimos 30 anos. Será que não está na hora de mudar o disco, e concentrar esforços no crescimento da economia?
Não há uma mísera evidência empírica de que distribuir renda gera crescimento econômico.
A falácia aqui é a seguinte, nas palavras do presidiário de Curitiba: “Eles precisam aprendê que dando dinheiro nas mão dos pobre, os pobre vão gasta e fazê gira a roda da economia” (lê-se com a língua entre os dentes).
Digamos que, da noite para o dia, como num passe de mágica, todos os brasileiros tivessem a mesma renda. O que aconteceria? Os mais pobres teriam a sua renda multiplicada por 2, 5, 10 vezes, a depender do nível de pobreza. Esses pobres começariam a consumir produtos e serviços a que não tinham acesso antes de terem ficado ricos. As empresas que produzem esses produtos e serviços se dariam bem. Essa é a parte boa.
E o que aconteceria com os mais ricos? Teriam sua renda cortada em 10%, 20%, 50%, até 99,9999% no caso dos bilionários. Estes comprariam os mesmos produtos e serviços que os mais pobres estão comprando agora. Afinal, todos têm a mesma renda! As empresas que produzem produtos e serviços para os mais ricos se dariam mal. Esta é a parte ruim.
Por enquanto, uma minoria de empresas e pessoas perderam, uma maioria de empresas e pessoas ganharam. Sounds good. Inclusive porque o consumo total aumenta muito, dado que aquele dinheiro guardado pelos mais ricos está agora nas mãos dos mais pobres, fazendo a economia girar e não mais fazendo a alegria dos bancos. Como algo assim pode ser ruim?
Pois é. Como sempre, o problema está nas consequências não intencionais. Os mais ricos são os responsáveis pela poupança do país. Ao terem sua renda cortada, não conseguem mais poupar. Viraram pobres remediados, que vivem da mão para a boca. Sem poupança não há investimento. Sem investimento não há aumento da produção. Com o aumento da demanda e sem aumento da produção, adivinha o que acontece? Isso mesmo, inflação, que come a renda de todo mundo. Terminamos em um ponto pior que o inicial. Onde está o crescimento prometido? O gato comeu.
Isso sem contar que são os mais ricos que financiam a dívida pública. Então, sem a poupança dos mais ricos, o Estado seria obrigado a viver dentro de suas possibilidades. O teto de gastos seria um passeio no parque perto disso.
Claro, sempre sobra a possibilidade de que o Estado substitua os mais ricos no fornecimento do funding para investimentos, com sua reconhecida expertise técnica e blindagem contra critérios políticos e corrupção.
Ok, esqueça.
Mas você não precisa dar crédito a este raciocínio tosco. Basta ver o exemplo dos países mais bem sucedidos em distribuir renda na marra: Cuba, Coreia do Norte, Venezuela. Sim, amiguinho, funciona mesmo.
A Grécia saiu ontem do plano de resgate desenhado pelo FMI e Banco Central Europeu.
Reportagem do Estadão informa que a renda dos gregos caiu 30% no período, e conta as histórias tristes de algumas famílias. Todas supostamente vítimas do programa draconiano de austeridade imposto pelos credores.
Mas a história não é bem essa.
O que aconteceu na Grécia é o mesmo que está acontecendo na Venezuela, Argentina e todos os outros países que vivem acima de suas possibilidades: tem uma hora que os credores cobram a dívida.
A queda da renda, na verdade, é o processo de volta ao reino das possibilidades. Uma família que vive de crédito, vive acima de suas posses. Quando o crédito lhe é cortado, é obrigada a viver com menos. O mesmo ocorre com os países.
No caso da Grécia, que vive com uma moeda forte assegurada pela Alemanha, não havia outro caminho a não ser cortar nominalmente os salários e benefícios estatais. No caso de Venezuela e Argentina, esta queda de renda se dá através da inflação.
O Brasil seguiu esse caminho, e tivemos uma contração de renda brutal nos últimos 3 anos. Mas não nos enganemos: a trajetória fiscal ainda é delicada, indicando que ainda estamos longe de viver de acordo com nossas possibilidades. A nossa renda precisa cair ainda mais para nos adequarmos.
A única forma de fazer a renda crescer é o crescimento econômico. E não o crescimento baseado exclusivamente no crédito, que se torna depois uma bolha insustentável. Deve ser um crescimento baseado no aumento da produtividade. Não há outro caminho.