“Crony capitalism” ou “capitalismo de laços” ou “capitalismo de compadrio” como é normalmente traduzida essa expressão no Brasil, refere-se à prática de empresários e políticos arranjarem acordos mutuamente benéficos, às custas de quem está fora desses acordos, normalmente os contribuintes ou a concorrência (geralmente ambos).
Em abril último, escrevi sobre esse acordo entre a Shein e a Coteminas, empresa controlada por Josué Gomes, empresário próximo do PT. Depois desse acordo, as alíquotas de importação das brusinhas chinesas voltaram ao normal. Agora, mais detalhes “picantes” desse acordo vieram à tona, inclusive um empréstimo (conversível em ações) de R$ 100 milhões para a empresa brasileira. Isso, e o fato de a empresa chinesa precisar passar pela Coteminas para fazer parcerias com fábricas locais, são, no dizer da reportagem, práticas incomuns.
A China é a própria definição de crony capitalism, pois tudo lá passa por conexões com o governo. Por isso, deve ter parecido natural, para a Shein, o pedágio que teve que pagar para fazer negócios no Brasil.
São raros, raríssimos mesmo, os empresários que se reúnem com políticos e pedem coisas como Reforma Adminstrativa ou Reforma Tributária. A agenda, via de regra, versa sobre “incentivos à indústria”, ou “incentivos à atividade econômica”.
Lula entende bem essa agenda. Foi no seu governo que se iniciou a maior operação de injeção de recursos públicos (via BNDES) para o “estímulo ao investimento”, alcunhada de PAC – Plano de Aceleração do Crescimento. Foi debaixo do guarda-chuva do PAC que se abrigaram obras como as refinarias inacabadas da Petrobras, o metrô de Caracas e o Itaquerão. Claro, houve obras meritórias também, mas era tanto dinheiro (quase meio trilhao de reais em dinheiro de 10 anos atrás), que era não mais que óbvio que sobraria dinheiro para todo mundo, inclusive para empresas que não precisavam, mas aproveitaram a boquinha para diminuir seu custo de capital.
Essa política do BNDES foi esteroide em corpo de tísico, deu uma bombada inicial na economia para depois voltar ao normal. Quer dizer, abaixo do normal, pois como o dinheiro acabou, o desmame custou caro para vários setores da economia. Por isso essa espécie de nostalgia, quase um banzo, por parte dos empresários brasileiros. Lula promete retomar a mesma política. Afinal, “investimento não é gasto”. Só faltou parafrasear a sua protegida com um “investimento é vida”.
Se alguém quer entender a definição de “crony capitalism”, ou “capitalismo de laços”, basta ler a notinha acima. Vale mais do que uma aula sobre o assunto.
PS: na minha série sobre a economia brasileira na era PT, dedico um episódio ao crescimento econômico turbinado pelo BNDES. Link nos comentários.
Hoje deparei-me com anúncio de página inteira da Abiquim – Associação Brasileira das Indústrias Químicas, reivindicando a continuação do REIQ – Regime Especiação da Indústria Química. Trata-se de uma isenção de imposto para empresas do setor.
Este incentivo foi criado em 2013, no governo de Dilma Rousseff, que entendia tudo de incentivo à indústria. Hoje, os incentivos fiscais totalizam algo em torno de 4,25% do PIB. Em dinheiro, isso significa cerca de R$ 320 bilhões, ou 10 vezes o gasto com o Bolsa Família. No gráfico abaixo, podemos observar que houve um aumento de cerca de um ponto percentual do PIB em renúncias fiscais entre os anos de 2011 e 2014, no primeiro governo Dilma. Em dinheiro de hoje, foi um aumento equivalente a R$ 100 bilhões.
O que é um incentivo fiscal? É uma renúncia de cobrança de imposto. Cobrar menos imposto não deixa de ser interessante. Melhor do que cobrar mais, não é mesmo? O problema ocorre quando se cobra menos imposto mas não se diminui despesas do outro lado. Tem-se, então, um aumento da dívida pública, que deverá ser pago com mais imposto no futuro, seja imposto explícito ou implícito (inflação).
Os defensores dos incentivos fiscais se dividem em duas categorias: as indústrias beneficiadas e os economistas desenvolvimentistas. As indústrias beneficiadas apoiam os incentivos por definição. Como diz o anúncio de página inteira, paga com os incentivos, estes são importantíssimos para manter a competitividade da indústria e os empregos gerados.
O que nos interessa é o argumento dos economistas desenvolvimentistas, que defendem os incentivos de maneira desinteressada. O racional é simples: é importante que o Brasil desenvolva certas indústrias e regiões. Infelizmente, a nossa carga tributária, despreparo da mão-de-obra, direitos trabalhistas e infraestrutura precária não permitem que essas indústrias/regiões compitam de igual para igual com indústrias localizadas em outras regiões/países. Então, é preciso incentivá-los.
Há dois problemas com esse raciocínio: 1) A escolha arbitrária das indústrias/regiões e 2) A solução encontrada para a falta de competitividade.
Existe uma fé quase divina por parte dos economistas desenvolvimentistas de que o governo consegue escolher aqueles setores que “merecem” incentivos. Seriam setores que multiplicam o investimento mais do que outros, ou que desenvolvem tecnologia útil para a soberania do país. Então, estes setores precisam ser incentivados para aumentar a produtividade da economia como um todo.
O problema óbvio é que nada garante que o governo esteja correto. Aliás, pelo contrário: a julgar pelos resultados alcançados, acho que podemos cravar que as escolhas do governo são, na maioria das vezes, incorretas.
E o pior: subsídios não morrem jamais. Quando é para morrer algum subsídio, todo o lobby se junta para impedir. Este anúncio de hoje é só um exemplo. A campanha contra a “taxação do sol” é outro. E assim por diante. Quando a iniciativa privada faz um investimento, avalia se está dando certo ou não, e rapidamente corta o prejuízo, se houver. No caso do subsídio não: eles permanecem eternamente, independentemente da sua eficácia, que não é sequer medida por critérios objetivos de produtividade. O argumento da manutenção do incentivo é sempre os “x mil empregos criados”, como se outros empregos não estivessem sendo eliminados nas empresas que não recebem os subsídios.
Este é o segundo ponto, para mim o principal: ao invés de investir em soluções horizontais, que beneficiem todos os setores econômicos, o governo sai pelo lado fácil: escolhe alguns setores “campeões”, deixando o restante na chuva. Ou pior: os setores que não recebem incentivos precisam pagar mais impostos ainda, pois as despesas não diminuíram, lembram? Isso gera distorções de alocação de capital que diminuem a produtividade da economia como um todo.
A carga tributária é de mais ou menos 33% do PIB. Portanto, os incentivos fiscais representam mais de 12% da carga tributária. Ou seja, se todos os incentivos fossem eliminados, a carga tributária de TODOS poderia ser reduzida em 12%. É só esse o tamanho do prejuízo.
Enfim, esse é um assunto sobre o qual não tenho a mínima esperança de que algo vai mudar. Os nossos presidentes do passado, do presente e do futuro, todos concordam que é preciso “incentivar setores”. E vão continuar fazendo isso. Se você não trabalha em um “setor incentivado”, fique feliz com as supostas “externalidades positivas” geradas pelos incentivos. É o que nos resta.
PS.: para ver uma lista completa de todos os incentivos em vigor, clique aqui.
Ricúpero não consegue esconder o seu esgar de nojo ao se referir a “esse pessoal liberal”. O seu asco é tamanho, que mesmo reconhecendo a importância da entrada do Brasil na OCDE, afirma que será muito difícil, pois isso significaria o Congresso aceitar regras mínimas de governança. Ou seja, somos uma República de Bananas irremediável, onde boas regras de governança nunca serão aprovadas.
Não espanta, portanto, que Ricúpero prefira ficar agarrado a regras protecionistas para países pobres. Afinal, se nunca seremos capazes de entrar no tal “clube dos ricos”, melhor permanecer em nosso mundinho.
Coloquei abaixo a análise do Valor de ontem, onde se minimiza a importância das salvaguardas da OMC. Mas, mesmo que fosse algo importante para alguns setores. A entrada na OCDE significa mudanças de regras estruturais da economia, que têm efeito muito mais duradouros sobre crescimento e produtividade.
Ricúpero prefere continuar protegendo setores com forte lobby em Brasília, no melhor tradição do “crony capitalism”. Não é à toa que sente asco dos “liberais”.
Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor Econômico.
Hoje, Pedro comete uma coluna mais ou menos assim:
– O liberalismo tomou conta do governo brasileiro. E isso é bem-vindo, dado que o Estado brasileiro está falido e não consegue mais cumprir com suas obrigações.
– No entanto, seria bom olhar para o que está acontecendo lá fora: Trump e até a liberal Alemanha estão mudando as regras do jogo e protegendo suas indústrias “estratégicas”.
– Pausa na coluna para a descrição da “experiência” e do “orgulho” de voar em uma aeronave da Embraer na África do Sul. Uma “emoção”.
– Depois de demonstrar, com essa “experiência”, o quanto a Embraer é “estratégica” para o Brasil, o articulista volta a falar da tal “onda antiliberal” no mundo e como o Brasil, com o novo governo, está na contramão.
– Por fim, questiona se este seria o melhor momento para vender as estatais brasileiras. Afinal, se a joia da tecnologia brasileira foi vendida por “míseros” US$ 5 bilhões, quanto valeriam as outras joias?
Vou começar a descascar a partir desse “míseros” na frente dos 5 bi. O editor-executivo do Valor, o maior jornal de finanças do país, não sabe o que é valuation de uma empresa. Trata seus acionistas como um bando de idiotas, que não sabem fazer contas, e estivessem vendendo o “patrimônio brasileiro” a preço de banana. Segundo Cafardo, o Estado brasileiro precisa intervir, impedindo que os acionistas façam essa besteira. Afinal, só o Estado sabe o quanto realmente vale esse “orgulho nacional”.
O final dessa história já sabemos: sem condições de competir no mercado global, em determinado momento a Embraer fecharia fábricas, demitindo milhares de empregados. Clamores se levantariam para que o governo “fizesse alguma coisa” para preservar os empregos e subsídios seriam dados para manter uma empresa zumbi, sem condições de sobrevivência.
Protegemos indústrias ao longo de décadas e os resultados estão aí para quem tem olhos para ver. Queremos fazer o que supostamente estão fazendo agora EUA e Alemanha, sem ter antes colocado as condições para a acumulação de capital físico e humano, coisa abundante nos dois países. O resultado é o crony capitalism, uma corruptela do capitalismo. Aliás, não deixa de ser curioso um editor do Valor elogiando a política de Trump no que ela tem de mais imbecil.
Por fim, de maneira marota, Cafardo dá um salto quântico no artigo, passando para a venda das estatais. O único link possível entre os dois casos, Embraer e estatais, é o seu valor estratégico. Mas o colunista não cita o valor estratégico, mesmo porque é difícil defender que, por exemplo, os Correios tenham algum valor estratégico. Cafardo vai pela linha do valor da venda: a Embraer, joia da tecnologia nacional, foi vendida por míseros 5 bilhões. Seria este o momento de vender as estatais? Como se o Estado brasileiro estivesse nadando em dinheiro e tivesse escolha. E, pior, como se as empresas estatais, continuando nas mãos do Estado, pudessem algum dia valer mais.
A coluna de Pedro Cafardo tem sua utilidade. Quando um editor-executivo do maior jornal de finanças do país comete um artigo desse naipe, tomamos consciência da lama em que nos encontramos.
Há alguns dias postei um conjunto de notícias mostrando que o agribusiness sobrevive de subsídios governamentais.
Agora “descobrimos” que a indústria automobilística só sobrevive no Brasil também com base em subsídios.
O governo tem seus motivos para manter setores inteiros sobrevivendo na base de subsídios, pagos com o dinheiro dos impostos. Desde a preservação de empregos “de qualidade” até o troca-troca de votos no Congresso, passando por uma etérea “dinamização da economia”, o que quer que isso signifique.
Não sou contra a que se baixem impostos. Mas que seja para todos, horizontalmente e não para um punhado de eleitos. Por que a agricultura ou a indústria automobilística pagam menos imposto, enquanto o seu Zé paga mais no seu bar?
A dura realidade é que falta dinheiro para manter hospitais, fazer saneamento básico e investir no ensino básico. Não tem “bancada da saúde pública” ou “bancada do saneamento”. A verdade é que o orçamento da União é destinado a quem tem o lobby mais influente, e é usado para manter vivas atividades econômicas que destroem valor. Sim, porque se uma atividade econômica só consegue gerar lucros na base do subsídio, está, no final do dia, destruindo valor.
O “crony capitalism” ou “capitalismo de compadres” é tudo, menos capitalismo.
O Rota 2030 é aquele programa que dá incentivos fiscais para a indústria automobilística. Está para ser aprovado no Congresso, mas surgiu uma treta de última hora.
O caso é o seguinte: a Fiat produz em Pernambuco, enquanto a Ford produz na Bahia. O senador Armando Monteiro, de Pernambuco, propôs uma emenda que prorroga um determinado benefício ao setor. Mas, segundo a Ford, essa prorrogação beneficia mais a Fiat do que a Ford. Por isso, os parlamentares da Bahia estão contra.
Então, ficamos assim: os parlamentares em Brasília estão decidindo não só quanto vão tungar dos brasileiros para beneficiar os fabricantes de carros, como também qual montadora sai em vantagem. Não consigo pensar em nada mais “crony capitalism” do que isso.
Segundo a reportagem, os incentivos fiscais à indústria automobilística chegarão a US$ 7,2 bilhões em 2019. Isso é cerca de um quarto do que se gasta com Bolsa Família.
Proponho perguntar aos nordestinos se preferem ter um aumento de 25% em seus benefícios ou continuar dando dinheiro para a suposta geração de alguns milhares de empregos em meia dúzia de cidades da região.