“Alguém precisa fazer alguma coisa”.
Sempre que você tiver vontade de dizer isso, lembre-se que o “alguém” pode ser alguém com quem você não concorda, e o “alguma coisa” pode ser alguma coisa de que você não gosta.
Apenas um repositório de ideias aleatórias
“Alguém precisa fazer alguma coisa”.
Sempre que você tiver vontade de dizer isso, lembre-se que o “alguém” pode ser alguém com quem você não concorda, e o “alguma coisa” pode ser alguma coisa de que você não gosta.
Provas abundantes de corrupção, inclusive originadas de atores de dentro do esquema, através do instituto da delação premiada. Julgamento célere. Prisão.
Vivemos,durante alguns poucos anos o gostinho de viver em um país civilizado, como os Estados Unidos, por exemplo, onde a corrupção de agentes públicos e privados é punida, independentemente de seu poder político ou econômico. Acordamos, estamos no Brasil.
A desculpa usada para anular todos os processos é de que a vara de Curitiba não era competente para julgar, dado que se tratavam de “crimes eleitorais”. Como se os bilhões desviados da Petrobras fossem mero “crime eleitoral”. O STJ, que também se debruçou sobre essa questão do foro, não viu problemas. Foi preciso que nosso imparcial e impoluto STF, que vê mais longe e sabe o que é bom para os brasileiros, interviesse. No limite, todo crime cometido por políticos e partidos podem ser classificados como “crimes eleitorais”, o que assegura a impunidade aos agentes políticos, dada a notória incapacidade da justiça eleitoral de julgar esse tipo de crime.
Muitos acusam os “exageros da Lava-Jato” (note que sempre aparece assim, de maneira genérica, sem nunca especificar quais teriam sido esses “exageros”) pelo fracasso da operação. O juiz Sérgio Moro não contou com a mesma condescendência que vem merecendo o ministro Alexandre de Moraes, cujo inquérito claramente ilegal das fake news é tolerado em nome da “defesa da democracia”. Mesmo os que hoje se sentem incomodados com essa ilegalidade plantada no meio do STF, a justificam como algo que era necessário para enfrentar uma “situação excepcional”. Moro claramente estava do lado errado da História.
Em coluna de hoje, William Waack análise a crise do Equador, e se pergunta se existe um traço característico da América Latina que nos condene ao baixo crescimento econômico e ao surgimento do crime organizado. Sim Waack, há um traço comum: instituições fracas, incapazes de, entre outras coisas e, principalmente, punir os crimes de suas elites.
Lula e Marcelo Odebrecht estão soltos. Os manés que quebraram os vidros e móveis do STF estão presos. A democracia (brasileira) segue inabalada.
Entrevista, no Valor Econômico, de Gilmar Mendes, que Diogo Mainardi chama, com algum exagero (ou não), de “o homem mais poderoso da República”. Destaco três trechos que resumem tudo:
1) O STF é um exemplo para o mundo, inclusive superior ao Supremo norte-americano.
2) O STF não precisa melhorar, atingiu o Estado de Perfeição. Para fortalecer a democracia, são as PMs e os militares os que precisam de reformas.
3) Se o Congresso não fizer a regulamentação das redes sociais, o STF o fará.
Com democratas como Gilmar Mendes à frente dos destinos da nação, o Brasil certamente está em boas mãos.
Democracia Inabalada.
Este é o mote das celebrações que terão lugar amanhã em Brasília. Achei bastante adequado.
A nossa democracia seguiu inabalada quando nada aconteceu ao partido que pagava mensalidade para os deputados votarem as pautas do governo, além de pagar fornecedores com dinheiro de offshore.
A nossa democracia seguiu inabalada quando todos os responsáveis pelo maior caso de corrupção do Brasil foram soltos, enquanto o juiz do caso é o único que corre o risco de ser preso.
A nossa democracia seguiu inabalada quando os direitos políticos de um presidente foram mantidos, mesmo depois de impichado.
A nossa democracia seguiu inabalada quando o nosso Supremo instaurou um inquérito sem fim, em que é, ao mesmo tempo, vítima, acusador e juiz, para manter a nossa democracia inabalada sem os inconvenientes limites da lei.
A nossa democracia seguiu inabalada quando ministro do Supremo e presidente recém diplomado foram a festa patrocinada por advogado com causas gordas em Brasília.
A nossa democracia seguiu inabalada quando o nosso Supremo reviu a jurisprudência da prisão após condenação em 2a instância, alegou problemas de CEP que nenhuma outra instância viu e acusou suspeição do juiz com base em provas obtidas ilegalmente, tudo isso para libertar o homem, a lenda, o mito, que iria deixar nossa democracia ainda mais inabalada.
Sim, amanhã é dia de comemorar a Democracia Inabalada. Mas penso que a resistência ao quebra-quebra dos zé manés em 08/01 empalidece quando comparada aos outros atos de resistência citados acima, que foram muito mais importantes para manter em pé as Instituições do Estado Democrático de Direito brasileiro, e que deveriam ser igualmente lembrados.
Para encerrar, um sambinha de Benito Di Paula para alegrar o seu domingo:
Tudo está no seu lugar
Graças a Deus, graças a Deus
Não devemos esquecer de dizer
Graças a Deus, graças a Deus
Esse editorial é de extrema importância. Não somente porque aponta inutilidade da ação do Supremo (chamada de “utopia”), mas porque, principalmente, dá parcialmente nome aos bois, acusando o STF de pretender substituir a política. Volto a esse “parcialmente” mais à frente.
Já comentei aqui sobre a pretensão do recém-empossado presidente do Tribunal máximo do país, Luis Roberto Barroso, de transformar a Corte em Guia Genial doa Povos. A expressão que utilizou foi “empurrar a história”. O STF deveria usar seu poder para “empurrar a história” na direção correta.
Não há como negar que essa ideia tem um apelo especial. Por exemplo, é comum encontrar pessoas que acham que a nossa Constituição deveria ser escrita por uma “Comissão de Notáveis”, que teriam o dom especial de escrever uma Carta “certa”, e não essa joça que foi parida por políticos venais há 35 anos. Essa ideia de que haveria um grupo especial de seres humanos que resolveriam todos os nossos problemas é reconfortante. O único problema é que se trata de uma ideia autoritária, palavra que faltou no editorial.
Por trás de todo o seu discurso democrático, Luis Roberto Barroso tem uma ideia autoritária do papel do STF. Como bem aponta o editorial do Estadão, sua pretensão é substituir a política, o embate de posições a respeito das várias questões nacionais. O STF seria esse “coordenador-mor” do país, na feliz expressão do editorialista. Sempre, claro, com a boa intenção de “empurrar a história” na direção correta.
No caso específico, a Suprema Corte definiu a situação dos presídios como um “estado de coisas inconstitucional”. Claro, sem dúvida. Assim como se constituem “estados de coisas inconstitucionais” as submoradias, o analfabetismo (incluindo o funcional), as filas ultrajantes no SUS, a falta de saneamento básico etc etc etc. Para todos esses problemas nacionais, que aviltam a dignidade humana, o STF vai exigir “planos” do Executivo, com prazo certo e a serem homologado pelos supremos?
Recentemente, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o Executivo elaborasse um “plano” para lidar com a população sem-teto. Fazer planos é a coisa mais fácil. O papel aceita tudo. O problema sempre está em colocar o plano em prática e medir seus resultados. Os ministros do STF vão também acompanhar a execução dos planos? Com que estrutura? Se não forem cumpridos, qual será a punição? Impeachment? Essa moda de “mandar fazer planos” parece mais uma forma de parecer preocupado com os problemas nacionais do que efetivamente trabalhar para resolvê-los.
O problema fundamental do país é a sua pobreza. Se o Brasil tivesse a renda per capita, digamos, da França, com certeza haveria mais recursos para manter presídios dignos. Com recursos escassos sendo disputados a tapa no Congresso, não deveria surpreender que reste muito pouco para os presídios. E não há sentença judicial que resolva.
Quer o judiciário ajudar a resolver o problema? Trabalhe na direção de aumentar a segurança jurídica no país. A insegurança jurídica é um dos principais pontos do chamado Custo Brasil, que diminui a produtividade e impede o país de crescer. Mas os luminares do Supremo preferem “empurrar a história” com sentenças inócuas.
O governo Lula mandou ao Congresso um pacote de leis que prevê, entre outras coisas, o endurecimento de penas para aqueles que perpetram “atos anti-democráticos”. O pacote até recebeu um apelido, nada menos do que “pacote da democracia”.
As críticas que li referem-se à inutilidade do endurecimento de penas para coibir o crime. Fico até feliz em ver que um governo de esquerda, sempre tão descrente da eficácia das penas e das prisões, esteja agora patrocinando um pacote de aumento de penas. No dizer do ministro da Justiça, “não resolve, mas dificulta”. Puxa! Um verdadeiro giro de 180 graus. Espero que essa visão se estenda a outros tipos de crimes. Sim, eu sei, trata-se de uma esperança vã.
Ao mesmo tempo, não li nenhuma crítica ao objeto do pacote em si. Quando se tem um governo que avalia como democráticos regimes como os da Venezuela e da Nicarágua, podemos imaginar o que significa um “pacote da democracia”. Quem vai definir o que é um “ato anti-democrático”? Qual a régua? O mesmo governo que acha que existe democracia até demais na Venezuela?
Este pacote terá, no Congresso, o mesmo fim que teve o projeto das fake news, e pelo mesmo motivo: a fonte da água está estragada. E não vai nem precisar do lobby das big techs.
A respeito do meu post sobre a democracia no Brasil e a probabilidade de “virarmos uma Venezuela”, vários seguidores desta página argumentaram mais ou menos na seguinte linha: o judiciário está mancomunado com o PT, e é só uma questão de “quando”, não de “se”, vamos virar uma Venezuela. Meu argumento, naquele post, era de que o centro político (não confundir com o “centrão”, ainda que este último faça parte do primeiro) é muito forte no Brasil, e não tolera extremismos. Nosso problema é patrimonialismo, não extremismo.
A confirmar essa visão, uma matéria e uma coluna de hoje no Estadão trazem aspas importantes. A matéria, sobre o “isolamento de Lula na cúpula do Mercosul”, traz falas de Carlos Siqueira e Luciano Bivar, repercutindo as declarações de Lula sobre a Venezuela. Bivar é um expoente do Centrão, mas Siqueira é nada menos que o presidente do PSB, demonstrando que o centro político é mais abrangente que o “centrão”.
Mas o mais importante, e que ganhou pouca repercussão, foi o tuíte do decano do STF, Gilmar Mendes, publicado logo após Lula ter afirmado que a democracia seria um “conceito relativo”, e reproduzido na coluna de Marcelo Godoy. O mesmo Gilmar Mendes que impediu Lula de assumir a Casa Civil no governo Dilma e foi instrumental para que Lula fosse solto e recuperasse seus direitos politicos, esse mesmo Gilmar agora mostra o cartão amarelo ao presidente. É a roda-gigante a que me referi no meu post.
Godoy, em sua coluna, afirma que Lula perdeu o habeas corpus que tinha para falar o que bem entendesse no momento em que os direitos políticos de Bolsonaro foram cassados. Lula era o que havia à mão para o sistema se livrar de Bolsonaro. Agora, Siqueira, Bivar e Mendes alertam que a licença de Lula expirou.
Tenho bons amigos que realmente acham que, se não estamos em uma ditadura, ao menos estamos caminhando firmemente para nos tornarmos uma, e a inelegibilidade de Bolsonaro seria mais um tijolo dessa construção. Será que é o caso?
Ninguém gosta de ser chamado de ditador. Outro dia, Joe Biden, na sua trocentésima gafe, deixou escorregar que a China é uma ditadura. Foi um Deus nos acuda, com o governo chinês pedindo explicações. Lula diz que Maduro não é ditador, que a Venezuela é até democrática demais. A ditadura militar teria sido uma “ditabranda”, com Supremo e Congresso funcionando normalmente (a não ser por “breves períodos”), rodízio de poder e até eleições! E, claro, as pessoas que acamparam em frente aos quarteis até outro dia estavam implorando intervenção militar de modo a evitar que uma ditadura assumisse o país…
Mas afinal, o que caracteriza uma ditadura? Talvez pudéssemos caracterizá-la como o oposto da democracia, mas daí teríamos que definir o que vem a ser democracia, o que nos deixa com um problema circular nas mãos.
Para fugir das impressões e vieses pessoais, talvez a forma mais objetiva de classificar um regime como mais ou menos demcorático seja através de métricas bem definidas na literatura da ciência política. A Economist Inteligence Unit procura fazer justamente isso, com o seu Democracy Index.
O Democracy Index é calculado anualmente, e se baseia em 5 pilares: 1) Processo eleitoral e pluralismo, 2) Funcionamento do governo, 3) Participação política, 4) Cultura política e 5) Liberdades civis. Cada um desses pilares recebe uma nota de 0 a 10, formando o índice total de cada país. Na última edição, de 2022, os 5 países mais democráticos foram Noruega, Nova Zelândia, Islândia, Suécia e Finlândia. Já os 5 menos democráticos foram Afeganistão, Myanmar, Coreia do Norte, Rep. Centro Africana e Síria. O Brasil ficou em 51o lugar (em um ranking de 167 países), com um score de 6,78 pontos (entre um máximo de 9,81 e um mínimo de 0,32 pontos). O Brasil, segundo este índice, não parece ser uma ditadura, ainda que não seja uma democracia perfeita.
Onde o Brasil perde mais pontos? Vejamos:
– Processo eleitoral e pluralismo: 9,58 pontos (equivalente à Suécia)
– Funcionamento do governo: 5,00 pontos
– Participação política: 6,67 pontos
– Cultura política: 5,00 pontos
– Liberdades Civis: 7,65 pontos
Podemos observar que nossos maiores problemas estão no “funcionamento do governo” e na “cultura política”. O que vem a ser isso?
Para medir o “funcionamento do governo”, a Economist mede coisas como o poder de lobbies sobre o funcionamento do governo, se há “accountability” do governo em relação aos cidadãos, nível de corrupção e a confiança da população nos políticos e nos partidos. Bem, não é à toa que não nos saímos tão bem nesse quesito.
Já a “cultura política” é medida principalmente através de pesquisas de percepção da população em relação a quesitos como “desejo de um líder forte ou militar que se sobreponha às instituições”, ou “desejo de um governo de tecnocratas”, ou a percepção da democracia como insuficiente para manter a ordem. Em países onde governos democraticamente eleitos têm falhado em fazer entregas à população, é natural que desejos desse tipo aflorem na população.
De qualquer modo, parece claro que, de acordo com o índice, em quesitos como “eleições livres” e “liberdades civis” estamos longe de sermos uma ditadura. E é justamente a esses dois quesitos que esses meus amigos se apegam ao afirmar que estamos caminhando para uma ditadura. Essa percepção não encontra respaldo em uma medição imparcial.
Mas o problema não seria o estado atual da coisa, mas a tendência. Como esse índice tem se comportado no tempo? É o que podemos observar no gráfico abaixo.
De fato, houve uma deterioração do índice brasileiro a partir de 2015, com todos os eventos que se seguiram à Lava-Jato. Provavelmente tivemos uma piora significativa sobre a visão que a população tem sobre a classe política e a democracia em geral. Mas note como o índice cai de um pico de 7,4 para o atual 6,8, uma queda de 0,6 pontos. Muito diferente do que um país como a Venezuela (gráfico abaixo) sofreu, de aproximadamente 5 pontos para 2 pontos no mesmo período. Uma queda de 3 pontos, em um movimento de clara deterioração das condições democráticas.
Claro, nada garante que não sigamos o mesmo caminho da Venezuela, mas a magnitude da deterioração é de outra ordem de grandeza.
Minha particular percepção é a seguinte: o Brasil é uma roda-gigante, em que os que estão por baixo estarão por cima em algum momento, e vice-versa. Em cada fase, o lado que está por baixo acusa o lado que está por cima de “anti-democrático”. Foi assim durante o processo de impeachment, e está sendo assim agora, no inelegibilidade de Bolsonaro. Em ambos os casos, as instâncias competentes tomaram decisões que desagradaram uma parcela da população, minando a confiança nas instituições democráticas. Mas, bem ou mal, as instituições mambembes do Brasil estão aí, fazendo a roda gigante girar. O chavismo comanda a Venezuela há 24 anos, e não há a mínima perspectiva de que a coisa vai mudar. Aqui, o “centrão” da política acaba por cortar as asas de quem tem um projeto chavista para o país, seja à esquerda, seja à direita. O Brasil nunca será o suprassumo da democracia, mas é bem difícil que uma força política se torne hegemônica na geleia real que é a nossa democracia. In “centrão” we trust.
Ainda sobre a “pressão anti-democrática” das big techs sobre os deputados e a opinião pública. Reportagem de hoje repercute um estudo acadêmico que “prova” que o YouTube tem viés, ao privilegiar vídeos em sua plataforma que são contra o PL. Depois de ter que ler que Arthur Lira, a motoniveladora de regimentos, afirmou que as big techs “ultrapassaram os limites do contraditório democrático”, a matéria entra no estudo em si.
Os pesquisadores usaram uma ferramenta para descobrir que os 5 vídeos mais vistos contra o PL alcançaram 7,9 milhões de visualizações, contra apenas 0,9 milhão dos vídeos a favor. Bem, é provável que os repórteres não tenham entendido direito o estudo, porque para somar vizualizações não é necessária ferramenta alguma, basta saber somar. A questão, no entanto, é que os vídeos contra o PL realmente foram mais vistos, em uma proporção de 8 para 1, quando se comparam os 5 vídeos mais vistos de cada categoria. Por que?
Uma explicação é aquela alegremente abraçada pela reportagem: o YouTube estaria maliciosamente direcionando a audiência para os vídeos que lhe interessavam. A corroborar a tese, estaria um estudo “acadêmico”, o que quer dizer um estudo desinteressado e não enviesado, como tudo o que os cientistas produzem.
Mas há uma segunda explicação, para mim mais plausível. Não tive acesso ao “estudo”, mas gostaria de ver se o número de assinantes de cada canal foi usado como variável de controle para o levantamento. Porque é só obvio que canais com mais assinantes terão mais vizualizações. A questão é saber se o número de vizualizações foi desproporcional ou não ao número de assinantes de cada canal. Infelizmente, se essa informação existe, não foi informada na matéria.
Mas, mesmo que fosse encontrada uma desproporcionalidade estatisticamente significativa, isso por si só não provaria nada. A explicação poderia estar no “efeito rede”, que os algoritmos, grosso modo, seguem. Na Amazon, você verá sugestões de livros que outras pessoas que compraram aquele livro que você está visitando compraram. As redes sabem que aumentam as chances de visualização se as sugestões estiverem em linha com o gosto revelado pelo internauta.
– Ah, mas neste caso, o YouTube deveria balancear as recomendações, para o bem do debate democrático.
Não. Primeiro, que nem sei se isso é tecnicamente possível. Depois, e principalmente, porque as redes não são (nem poderiam ser) mediadoras do debate democrático. As redes são empresas que buscam maximizar o tráfego, e seus algoritmos são projetados para isso. Se isso cria bolhas ao longo do tempo, é outra discussão. Mas daí a dar o salto quântico e concluir que o YouTube maliciosamente direcionou tráfego para enviesar o debate público, vai uma distância cósmica.
O que mais uma vez fica claro é o desejo de desqualificar o contraditório. O uso do adjetivo “extrema direita” para se referir aos canais com opinião contrária vai na mesma linha do uso de palavras como “fascista” ou “neoliberal”, usadas para provocar ojeriza no receptor da mensagem.
Mas a coisa vai além. Uma das autoras do estudo considera que os internautas sejam hipossuficientes, parvos facilmente impressionáveis pelo primeiro vídeo que veem sobre determinado assunto, uma espécie de página em branco, pronta a receber o conteúdo do primeiro aventureiro que dela se apossar.
Pessoas com esse mindset, em ambos os lados do espectro político, costumam chamar aqueles com quem não concordam de “gado”. Claro, é sempre o “outro lado” que é sugestionável, diferente do “nosso lado”, que forma a sua opinião de acordo com pressupostos racionais e democráticos.
Eu prefiro pensar que quem realmente quer se informar, procura ativamente opiniões de ambos os lados. Mas essa é uma minoria. A maioria já tem a cabeça feita, e procuram opiniões que confirmem a sua própria (chamamos isso de “viés de confirmação”). Ou seja, mais vídeos contra o PL foram vistos porque mais pessoas eram contra o PL, e não mais pessoas ficaram contra o PL por terem visto mais vídeos contra o PL.
O curioso é que no site do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (ao qual a universidade onde foi feito o estudo é filiada), lê-se que um dos eixos de pesquisa é o “eparticipation”, o que envolve “capacitar e empoderar os cidadãos para expressarem suas opiniões e poderem exercer influência nos processos de decisão na esfera pública”. Faltou dizer “desde que a opinião seja a ‘certa’, e não ‘radical’ ou de ‘extrema direita’”. Certa vez, Pelé afirmou que o brasileiro não sabia votar. Por trás dessas palavras estava a presunção de que o brasileiro é hipossuficiente, e não vota nos candidatos que tem as ideias que eu acho “certas”. Nesse campo, estou com o saudoso Mário Covas, que dizia que o eleitor sempre vota certo, cabe aos políticos interpretar o seu voto. Essa desqualificação do voto e da opinião de uma parcela dos brasileiros não passa de uma tentativa anti-democrática de calar o contraditório.
Lula está enfrentando dificuldades no Congresso. A solução? Uma reforma política! É o que propõe a sempre criativa Eliane Cantanhêde, que não desiste de suas ideias, mesmo depois de ter protagonizado o mais épico “cala boca, Magda!” da história da imprensa brasileira, ao sugerir que Lula deveria assumir uma candidatura de vice-presidente da República.
Curioso que a mesma Cantanhêde via no Congresso um muro de contenção aos arroubos autoritários do governo Bolsonaro. Esse mesmo Congresso, agora, está atrapalhando a vida de Lula. Questão de perspectiva.
Uma reforma política é ruim? De maneira alguma! Estamos precisando de uma para ontem, de modo a melhorar a representatividade dos congressistas, principalmente com a adoção do voto distrital. No entanto, o problema, como sempre, está nas boas intenções, das quais o inferno está cheio.
Quando Cantanhêde propõe um “Comitê de Notáveis” (ideia de Tarso Genro, vai vendo), a questão sempre vai estar em quem vai escolher esses notáveis. A escolha de Cristiano Zanin para a vaga de ministro do STF dá uma boa noção do que Lula entende por “notável”. Essa ideia de um comitê apartidário somente com sumidades parte do pressuposto de que há pessoas por aí que são praticamente assexuadas, imunes a paixões, incluindo as políticas. Obviamente, não existem. Além disso, como disse acima, há a questão da escolha desse comitê, um assunto sempre delicado. Por isso existem eleições, de modo a que os eleitos contem com a legitimidade do voto popular para exercer o poder. Comitê de Notáveis à margem do Congresso é das ideias mais antidemocráticas que circulam na praça.
Temos a ilusão de que uma Grande e Profunda Reforma Política resolverá todos os nossos problemas. Não resolverá. É mais provável que seja sequestrada pelos interesses das maiorias conjunturais. É preferível avançar aos poucos, na direção correta, como foi o caso do fim das coligações em eleições proporcionais e da cláusula de barreira. Algum grau de voto distrital poderia ser o próximo passo. Mas, claro, nada disso resolverá o problema de Lula, que pretende exercer o poder de maneira hegemônica. Nesse caso, o problema não é o sistema de representação. O problema é a existência da própria democracia.