Ataque à imprensa

Parece mais do que óbvio o interesse jornalístico sobre um áudio incriminando potencialmente o presidente da República. Qualquer veículo não chapa-branca daria notícia sobre isso. Bolsonaro ataca a TV Globo por simplesmente cumprir o seu papel.

Não posso ser acusado de comprar qualquer narrativa jornalística. Devem ser contados às dezenas os posts em que critico acidamente coberturas jornalísticas, principalmente da Globo News. Normalmente, referem-se a vieses ideológicos.

Mas criticar a Globo por cumprir o que se espera de um veículo de imprensa em uma democracia não está entre meus hobbies. Quando a Globo News deu em primeira mão o áudio do Bessias, ou quando o Jornal Nacional fez uma cobertura incisiva sobre o Petrolão, ficamos todos muito contentes. Não nos ocorria chamar a Globo de “Globolixo”, apelido dado pelos petistas. Watergate, Mônica Lewinsky, Mensalão, Petrolão, e uma longa lista de etceteras, nada disso teria vindo à tona não fosse a imprensa não chapa-branca.

Estou lendo neste momento uma biografia de Roberto Marinho. Estou na altura do governo João Goulart, e descobri as origens do ódio mortal que Brizola nutria pelo jornalista, em função da cobertura que o jornal fazia do governo de seu cunhado. Nenhum governante gosta da imprensa. FHC era só lamúrias em seus diários, Lula expulsou o correspondente do NY Times. A imprensa é o quarto poder em uma democracia, e nenhum governante gosta de um poder paralelo. Cuba e Coreia do Norte são países onde os governantes são apoiados incondicionalmente pela “imprensa”. Acho que não gostamos muito desses exemplos.

Não sou advogado da Globo, nem eles precisam disso. A única coisa que defendo com convicção é o papel de uma imprensa não chapa-branca em uma democracia. Bolsonaro, ao atacar a Globo por veicular matéria jornalística, ataca um dos pilares da democracia. Não foi o primeiro nem será o último governante a fazer isso.

O português nosso de cada dia

O problema do 02 é que ele escreve mal. Não sei se algum dia prestou o ENEM, mas sua redação não teria uma nota das melhores. E não por motivos ideológicos.

O caso do tuíte-bomba é exemplar. A diferença de interpretação do texto é esta: Carlos faz uma constatação, que ele acha que deveria levar à conclusão de que devemos ter paciência, enquanto a interpretação geral é de que ele incitava a um golpe contra as instituições democráticas.

Tanto seu tuíte deu margem a esse tipo de interpretação que uma fã bolsonarista (veja acima), insuspeita portanto, acha isso “muito grave”, e afirma que “por vias democráticas é o único jeito” para alcançar o sucesso. Ao que Carlos responde “óbvio!”. A esta altura, ele já deveria ter percebido a m… que fez.

O que deu origem a essa interpretação foi o uso da expressão “por vias democráticas”. Se ele tivesse começado, por exemplo, com um “Em uma democracia”, a repercussão seria mínima, se é que haveria alguma. O “por vias democráticas” passa a ideia de que há outras vias. “Em uma democracia”, por outro lado, dá como certo de que este é o regime, não há outro. E o pior é que o restante do tuíte só reforça a ideia de que “outras vias” deveriam ser buscadas. Afinal, é tudo muito lento, e somos dominados pelos mesmos de sempre.

Carlos se notabilizou pelos seus tuítes sem sentido, da mesma forma que Dilma pelos seus discursos destrambelhados. A fala e a escrita de qualquer pessoa bebem da sua organização mental. Ouvir Dilma falar ou ler os tuítes de Carlos informam muito sobre os seus respectivos mundos mentais. Alguns ainda tentam encontrar nos tuítes do 02 algum sentido oculto, como se fosse uma mensagem cifrada para os Illuminati. Bobagem. São simplesmente mal escritos.

No fim, Carlos, ao invés de vir a público humildemente pedir desculpas, como faria qualquer pessoa civilizada, põe a culpa na imprensa. Como se as pessoas, incluindo a sua fã bolsonarista, não soubessem interpretar um texto e precisassem, para isso, do auxílio de jornalistas. Se o primeiro tuíte pode ser creditado à sua inabilidade para escrever, o segundo não deixa margem a dúvidas sobre o seu caráter.

Superpoderes

Sim, é isso mesmo. Em qualquer democracia, o presidente não pode tudo. O regime onde o presidente detém todos os instrumentos de poder chama-se ditadura. É o regime, por exemplo, da Venezuela, onde o Congresso e o Supremo servem apenas para darem o seu aval aos atos do ditador. Este é o único representante legítimo do povo.

Em democracias representativas, o povo é representado pelo presidente E pelo Congresso. Ouso dizer que este último é o mais importante, haja vista que existem democracias sem presidente (chamam-se parlamentarismo), mas não existem democracias sem um Parlamento.

As agências reguladoras, por outro lado, vão na linha de criar uma burocracia técnica e perene, que implemente políticas de Estado e não do governante de plantão. A agência reguladora mais eficiente é o Banco Central, que tem cumprido a missão de manter a inflação baixa quando não sofre interferência do governo.

Há aqui uma discussão pertinente sobre até que ponto existem decisões puramente técnicas, a verdade acima de todas as paixões. Aqueles que são céticos sobre a existência desta verdade advogam que as agências reguladoras atuam de acordo com uma agenda política própria, alheia àquela decidida pelos eleitores. Seria a tal “ditadura da burocracia”. Lula e o PT tinham essa visão e, por isso, enfraqueceram as agências. Bolsonaro, aparentemente, segue na mesma linha.

Àqueles que me perguntam qual é o melhor regime político, eu sempre respondo que é a ditadura em que o ditador concorda 100% comigo. Na falta deste, o menos pior é a democracia, onde não corro o risco de ter um ditador que discorda 100% de mim.

Quem é o autoritário?

E quem define o que é “ódio, intolerância e desinformação”? Quem é o “dono da verdade”, aquele que definirá o que pode e o que não pode ser dito? Quem será o censor-mor da República?

E Bolsonaro era o autoritário que ameaçava a democracia.

A natureza do escorpião

Ontem, tanto Márcio França quanto Paulo Skaf ligaram para João Doria para cumprimenta-lo pela vitória. Não tenho dúvida de que Doria teria feito o mesmo caso o vencedor do pleito fosse qualquer um dos outros dois.

Aécio ligou para Dilma em 2014, assim como todos os candidatos derrotados nas últimas eleições presidenciais ligaram para os vitoriosos.

O derrotado parabenizar o vitorioso faz parte da liturgia de um processo eleitoral democrático. É sinal de uma oposição que pode ser forte, mas não será desleal.

Haddad não ligou ontem para Bolsonaro. Segundo ele, “porque não sabia como sua ligação seria recebida”. Parece coisa de adolescente, mas é só o cacoete de um partido hegemônico, que não aceita a derrota.

Se Bolsonaro iria ligar para Haddad em caso de derrota? A julgar pelo seu discurso da fraude nas urnas, provavelmente não. Mas isso seria apenas a confirmação de sua imagem anti-democrática.

Haddad, ao contrário, ganhou muitos votos de última hora por representar pessoalmente a imagem da “resistência democrática” ao avanço autoritário. Muitos votaram em Haddad apesar do PT, pois o seu bom-mocismo e seu ar intelectual sempre lhe deram esse ar meio PSDB.

Haddad, ao não parabenizar Bolsonaro, perdeu a chance de ouro de distender o ambiente e se mostrar um verdadeiro democrata. Perdeu a chance de se tornar um líder relevante da oposição. Vai desaparecer no meio da gritaria antidemocrática do PT.

Haddad demonstrou ontem a verdade da velha máxima, a de que o escorpião não perde a sua natureza.

Respeito à imprensa

Quem teve paciência de ler os Diários da Presidência (eu li o 1o volume e foi o suficiente) viu como FHC passa grande parte do tempo reclamando das injustiças publicadas pela imprensa. Houvesse Twitter na época e fosse FHC um histriônico como Trump, seus tuites não seriam muito diferentes.

Além disso, é o PT que ameaça a imprensa livre em seu programa, prometendo implementar um tal “controle social da mídia”.

Sim, intimidar a imprensa livre é uma ameaça à democracia, e isso é inadmissível.

Ameaça à democracia

A coligação do PT é formada por 3 partidos: PT, PCdoB e PROS.

O presidente do PROS está foragido, com prisão decretada.

E estamos discutindo a ameaça do zapzap para a democracia.

Republiqueta desordeira

Bolivar Lamounier escreve um bom artigo hoje no Estadão, a respeito dos caminhos que o novo presidente, qualquer que seja ele, deveria seguir para obter um mínimo de concórdia.

O primeiro é simplesmente a obediência à Constituição. O articulista enche a boca para dizer que não somos uma “republiqueta desordeira”, que temos uma norma que nos rege a todos enquanto Estado Democrático de Direito.

Lembrei imediatamente do “fatiamento” da pena imposta a Dilma Rousseff por ocasião do impeachment, quando o presidente do Congresso uniu-se ao presidente do Supremo para preservar os direitos políticos da presidente então cassada, em claro, claríssimo, desrespeito à letra da Constituição.

Naquela ocasião, o país presenciou, ao vivo e a cores, como as forças políticas podem rasgar a Santa Constituição, esteio da nossa sacrossanta democracia, assim, sem cerimônia. E nada aconteceu, o país continuou a viver como se Constituição houvesse.

Desculpe-me Bolívar, mas vou discordar: somos uma “republiqueta desordeira”. Se não fôssemos, nem Bolsonaro e nem o PT existiriam.