Coluna de um jornalista do Washington Post, traduzido no Estadão.
Ok, Trump é um boçal. Mas pelo menos podiam usar argumentos lógicos para provar a tese. Senão, fica parecendo birra infantil.
Apenas um repositório de ideias aleatórias
Coluna de um jornalista do Washington Post, traduzido no Estadão.
Ok, Trump é um boçal. Mas pelo menos podiam usar argumentos lógicos para provar a tese. Senão, fica parecendo birra infantil.
Deputados petistas ouviram do presidente do TRF-4, a quem fizeram uma “visita de cortesia”, que juízes do tribunal estão sendo ameaçados e alguns, inclusive, retiraram suas famílias da cidade. Os deputados petistas garantiram que não há qualquer orientação nesse sentido. Bem, só faltava admitirem que houve!
Essa situação me faz lembrar um traço da Alemanha hitlerista muito bem descrita por Ian Kershaw em sua monumental biografia de Hitler.
Kershaw, em vários pontos do livro, chama a atenção para o fato de que não há uma ligação clara entre Hitler e certas iniciativas de seus auxiliares da SS. Não se encontra uma ordem expressa para a “Noite dos Cristais”, por exemplo. Mas Kershaw define um conceito que perpassa essas ações: “cumprir a vontade do Führer”. Os auxiliares estavam sempre prontos a interpretar a vontade de Hitler através das entrelinhas de seus discursos, de seus gestos, das suas palavras casuais. Não era necessária uma ordem expressa e direta, bastava o “clima”. E a não condenação posterior de Hitler aos atos de seus auxiliares era vista como uma aprovação, como tinha de ser.
Normalmente não gosto de argumentos ‘reductio ad hitlerum’ pois geralmente supersimplificam de maneira grosseira a discussão, mas neste caso não resisti. O PT não precisa orientar ações de terrorismo desse tipo. Basta o clima de confronto institucional criado por Lula e seu partido para que a “vontade do partido” seja interpretada por seus militantes.
Há bandidos em todos os partidos. O que diferencia o PT, no entanto, é o confronto aos operadores da justiça, minando os fundamentos mesmos da democracia. Fica claro que, se o partido pudesse, transformaria isso aqui em uma grande Venezuela.
Em 2002, o ditador iraquiano Sadam Hussein promoveu um referendo sobre a continuidade de seu mandato por mais 7 anos. O resultado: 100% dos iraquianos (mais de 11 milhões de eleitores) votaram ‘sim’. Nem um mísero iraquiano votou pela saída do Amado Líder.
Lembrei disso quando li que Maduro foi vitorioso nas eleições municipais venezuelanas, conquistando o poder em 92% dos municípios.
Quanto maior o terror adotado como política de estado, maiores as vitórias eleitorais obtidas pelo ditador de plantão. Em Cuba, por exemplo, não há dissidência: 100% do povo vota no Partido Único.
Nas eleições americanas de 1984, quando Ronald Reagan ganhou em 49 dos 50 estados, a votação popular foi de 59% para Reagan. Ou seja, na eleição mais hegemônica da história dos EUA, o presidente de plantão teve mais de 40% dos votos contra.
Nas eleições brasileiras de 1974, no auge da ditadura militar, o partido do governo conquistou 203 das 364 cadeiras da Câmara e 6 das 22 cadeiras em disputa para o Senado. Ou seja, 56% dos deputados e 27% dos senadores.
Quando você quiser medir o grau de terror patrocinado pelo Estado em um determinado país, veja o resultado das suas eleições.
O deputado Tiririca renunciou à vida pública. Anunciou que não vai concorrer a um terceiro mandato. Sai do Parlamento para voltar ao Circo.
Fez um discurso emocionado. Disse que tem vergonha dos deputados (mas não de todos, fez questão de não generalizar, mas já generalizando). Afirmou que sai de cabeça erguida, pois cumpriu com o seu dever, que foi o de votar pelo povo. Pediu aos deputados que pensassem mais no Brasil, no povo pobre, e não nos seus egos. Que deixassem de brigas e de rixas. Chegou a dizer que sua pobre mãe está internada em um hospital público, pois não tem plano de saúde! (Se o salário de deputado + o salário de artista nacionalmente conhecido não é suficiente para pagar uma Prevent Senior para a mãe, então estamos todos perdidos mesmo).
Tiririca foi eleito duas vezes para o Parlamento brasileiro, em ambas com mais de um milhão de votos. Não estou na cabeça de quem votou nele, mas imagino que tenha sido, principalmente, porque estava cansado dos políticos tradicionais, e Tiririca era uma piada bem adequada para o Congresso que temos. Alguns, inclusive, podem ter pensado que, não sendo um político tradicional, poderia, quem sabe, “fazer algo pelo povo”.
Este foi, aliás, o mote do discurso de despedida de Tiririca: ele fez algo pelo povo, povo este esquecido pela maior parte dos parlamentares.
Se eu fosse escolher um exemplo de discurso demagógico, seria este. Discurso de quem não entendeu como funciona a política e acha que tem a solução de todos os problemas do país: basta “não pensar em si mesmo e pensar no povo”.
Certa vez, ouvi Mario Covas dizer que se orgulhava de sua condição de Político. Assim mesmo, com P maiúsculo. O que é um Político? O que é a Política?
Política é a arte da conciliação de interesses divergentes.
Veja: se em uma casa, dentro de uma família, muitas vezes é difícil fazer convergir a opinião sobre um programa a se fazer, sobre o que comer, enfim, sobre tantas coisas, imagine em grupos maiores. Imagine, enfim, em um país, com tantas cabeças com ideias diferentes. E isso porque, em uma casa, não há democracia: pai e mãe mandam, ainda que, com sabedoria, possam escutar os filhos.
Em uma democracia, é preciso se chegar a maiorias. Para isso, o formato consagrado é a existência de um Parlamento, eleito diretamente pelo povo. Estes são os representantes que refletirão as diversas ideias do que é bom ou ruim para o povo.
Tiririca acha que fez um bom trabalho simplesmente porque compareceu a todas as sessões e sempre votou “a favor do povo”. Não entendeu nada. Fazer política não é o mesmo que trabalhar em uma fábrica, onde o operário padrão não falta e encaixa uma peça na outra com perfeição. Fazer política é procurar juntar uma maioria em torno de suas ideias. Conversar, discursar, propor, compor. Estar de corpo presente e apertar um botão nas votações é a menor parte desse trabalho.
Tiririca, na verdade, fraudou o voto que recebeu. Seu único discurso no Parlamento foi este último, em que anunciou sua saída da vida pública. Saída de um lugar onde nunca verdadeiramente entrou. Pois nunca foi um Político com P maiúsculo. Foi somente um puxador de votos, papel a que se prestou com prazer.
Sua pretensão de ter votado sempre com o povo é a mesma de todos os parlamentares: todos acham que estão votando pelo povo. Na verdade, todo mundo acha que suas ideias são as melhores. E é para isso que existe o Parlamento: para o embate entre as melhores ideias de todo mundo. Pretender ser o único que votou sempre “pelo povo” é quase uma pretensão messiânica.
Claro, há bandidos, pessoas ruins. Como as há em qualquer ramo profissional. É da natureza humana. Somos homens, não anjos. A solução para isso não é apelar para que “esqueçam seu ego” e “façam algo pelo povo”. Isso é pedir um super-homem, coisa que não se pede em outras profissões. Coisa que só existe como pretensão em regimes totalitários.
Não melhoraremos a qualidade do Parlamento com super-homens ou com anjos. A solução passa por consertar a estrutura de incentivos perversos vigente. Quanto mais estatais e ministérios e cargos de confiança houver, maior será o toma-lá-dá-cá. Quanto menos dessas sinecuras houver, menor será a atração para políticos que querem se locupletar.
Tiririca se coloca como o homem humilde que tentou fazer alguma coisa pelos pobres, mas foi triturado pela máquina. Na verdade, foi um embuste, um cacareco que se levou a sério, mas não estava minimamente preparado para fazer Política. Já vai tarde.
PT e PSOL soltaram notas em apoio a Maduro. Nos dois casos, a palavra “democracia” é usada, afirmando-se, de um modo ou de outro, que o regime de Maduro é democrático.
Parece uma insanidade, mas não é. Trata-se apenas de um outro conceito de democracia.
Estamos acostumados, desde as Revoluções Francesa e Americana (e mesmo antes, com o sistema inglês), a considerar como democracia um regime de representação parlamentar: as ideias são discutidas e votadas em um parlamento eleito pelo povo. Estas ideias são executadas por um corpo burocrático estável, e supervisionadas por uma justiça independente. Além disso, há imprensa livre para criticar e apontar os defeitos do governo. Isto é o que conhecemos por “democracia”. Por isso, a primeira coisa que qualquer regime autoritário faz é cassar o parlamento, aparelhar a justiça e fechar os jornais.
Para os partidos da chamada “esquerda revolucionária”, democracia não é isso. Estes são valores burgueses, o parlamento é controlado pelo capital, o povo não tem vez. A verdadeira democracia (o “poder do povo”) só tem lugar quando o povo toma o poder. E o que significa “o povo tomar o poder”? Simples: o povo toma o poder quando um partido de esquerda revolucionária chega ao poder!
Uma vez chegando ao poder, o partido de esquerda revolucionária começa a desmantelar as “instituições burguesas”. Instituições como Congresso, Justiça, Imprensa, ou são aparelhados, ou são simplesmente substituídos. Outras instâncias de decisão são estabelecidas à margem das eleições: conselhos comunitários, congressos disso e daquilo, movimentos sociais. Todas expressões da “vontade do povo”, mas que, na prática, são dominadas pela estrutura do partido de esquerda revolucionária.
O povo, assim representado, finalmente chega ao poder. Sem intermediários. Porque o Partido é o Povo, e o Povo é o Partido. Qualquer oposição ao Partido é considerada oposição ao Povo. Portanto, um atentado à democracia.
Por isso, não acuse o PT de ser incoerente ao se dizer democrático e, ao mesmo tempo, defender o regime de Maduro. Eles têm outro conceito do que seja democracia.
A força-tarefa da Lava-Jato concede entrevista coletiva. Lula e Dilma só fazem pronunciamentos. Quem tem medo do contraditório? Quem é mais democrático?
Qual a diferença entre a ditadura militar brasileira e a ditadura de Fidel Castro? O número de mortos pelo regime.
Qual a diferença entre um autoritário e um democrata? O autoritário de direita ama a ditadura militar e execra Fidel, o autoritário de esquerda ama Fidel e execra a ditadura militar, o democrata execra ambos.
David Kupfer, diretor do Instituto de Economia da UFRJ, em artigo no valor de hoje corrobora meu post de hoje cedo.
Depois de dizer que o modelo de “integração financeira internacional” iniciado em 1994 esgotou-se (?!?) e outras barbaridades do mesmo nível para explicar a atual crise, fecha o artigo com a sentença que é o sonho de consumo de toda doutrina autoritária:
“Essa enorme engenharia política terá de ser conduzida diretamente pela sociedade organizada, já que a atual legislatura perdeu quase toda, senão toda, a capacidade de liderar um processo de tal envergadura”.
Só faltou pedir o fechamento do Congresso. E provavelmente, se perguntado, dirá que é contra o impeachment, pois “enfraquece a democracia”.
Esse pessoal é monotonamente previsível.