Segundo o IBGE, o Brasil contava com 107,6 milhões de pessoas no mercado de trabalho ao final do 2o trimestre deste ano. Destes, somente 36,8 milhões trabalhavam no setor privado com carteira assinada. Se descontarmos os 12,2 milhões empregados no setor público, temos 58,6 milhões de pessoas desempregadas ou empregadas informalmente.
Sem medo de errar, esses 36,8 milhões de brasileiros (34,2% da força de trabalho) pertencem à elite do mercado de trabalho no país: certamente têm média salarial mais alta, contam com planos de saúde e, este é o foco aqui, se aposentam antes e com benefícios mais altos do que a média dos brasileiros.
Ocorre que esses benefícios são pagos pelas empresas que registram seus funcionários em carteira. O mais pesado desses benefícios é a contribuição previdenciária, que deve ser bancada, em grande parte, pelas empresas. Obviamente, quem está familiarizado com o conceito de “total cash” sabe que este custo, no final, é contabilizado pela empresa como o custo total do funcionário, tanto faz se esse dinheiro foi para o bolso do funcionário ou para bancar a sua previdência no futuro.
A desoneração da folha é uma fórmula mágica que permite diminuir o “total cash” pago ao funcionário sem diminuir um real dos seus benefícios. Obviamente, a conta só fecha se alguém suplementar esses benefícios no futuro. Adivinha? Isso mesmo: os benefícios previdenciários dos funcionários com carteira assinada serão pagos também por aqueles que não têm carteira e pelos desempregados, via impostos adicionais ou taxas de juros maiores, fruto de uma dívida pública maior.
Portanto, quando os empresários do setor apelam à “sensibilidade social” do presidente para que sancione a desoneração, trata-se de uma falácia: a desoneração é uma medida de concentração de renda, na medida em que beneficia os funcionários mais bem colocados no mercado de trabalho, às custas dos menos bem colocados. Isso sem falar que a relação entre diminuição de custo do emprego com o aumento do número de empregos é para lá de incerta, o empresário pode simplesmente embolsar a diferença.
Enfim, este é só mais um caso em que a “preocupação social” é usada para defender medidas que concentram renda. O Brasil é pródigo nesse tipo de coisa. E o nosso presidente, criado no meio sindical, só tem olhos para os direitos dos trabalhadores que pertencem ao aquário da CLT. Com esse mindset, seria uma surpresa se a desoneração não fosse sancionada.