Marisa Moreira Sales, esposa do banqueiro Pedro Moreira Sales (uma das famílias mais ricas do Brasil) e outros dois endinheirados, cometem artigo hoje no Estadão defendendo o direito de “ocupação”.
Segundo o contorcionismo semântico tentado pelo trio, “ocupação” não é o mesmo que “invasão”. A “ocupação”, ao contrário da “invasão”, seria legítima, pois o imóvel não estaria cumprindo a sua “função social”. Há pelo três problemas com essa “definição”:
1) Sob esse rótulo de “função social” cabe um mundo. Não tenho dúvida de que D. Marisa usufrui como moradia de mais metros quadrados do que a imensa maioria dos brasileiros jamais sequer sonhariam. Alguém poderia dizer que o apartamento de D. Marisa, ou a casa de campo de D. Marisa ou a casa de praia de D. Marisa não estão cumprindo a sua “função social”. Aliás, no limite, alguém poderia dizer que o mais justo seria redividir todos os espaços de moradia igualmente entre os cidadãos. E aí?
2) Uma vez determinado o critério de “função social”, QUEM determina se tal e qual imóvel está ou não cumprindo o critério? Os tais “movimentos sociais” se auto-revestiram com o poder de determinar os imoveis que cumprem ou não a suposta “função social”. Por que eles e não o Estado através de seus representantes? Grupos privados que se apropriam de coisas de terceiros têm nome. E não é movimento social.
3) São milhões os que vivem em condições precárias por esse Brasilzão afora. Qual o critério para determinar que aquelas dezenas de pessoas da “ocupação” têm direito à moradia digna, deixando na chuva os outros milhões? Só tem um critério possível: a força bruta. Assim como o Estado protege a propriedade privada através do uso da força policial baseada na lei, a manutenção dessas ocupações só pode se dar através do uso da força. No entanto, como a “ocupação” não está baseada em lei alguma, só resta a lei do mais forte, a lei da selva.
Carmen, citada no artigo, está foragida. Ela é a criadora do MSTC – Movimento dos Sem-Teto do Centro. Sua filha está presa, aguardando julgamento. Denúncias anônimas dão conta de que havia cobrança de mensalidade (achaque) por parte dos coordenadores do movimento. D. Marisa e seus amigos endinheirados acham isso natural. Afinal, o dinheiro era usado para a “comunidade”, inclusive com acesso a “aulas de música e inglês”. Só faltou a capoeira. Dane-se se os moradores não estão interessados em ter aulas de música ou inglês. Têm que pagar do mesmo jeito.
Óbvio que a manutenção de qualquer edifício requer dinheiro, isso não se discute. O ponto aqui é o direito que algumas pessoas se auto-atribuem de organizar uma “ocupação” e cobrar por isso. A prática não se diferencia muito do que praticam os grileiros de terras.
Lula escreveu uma carta em apoio a Carmen e sua filha (veja abaixo).
Diz o presidiário de Curitiba que, assim como ele, ela estaria sendo perseguida por “lutar por uma sociedade mais justa”. Só este apoio e esta retórica já dizem muito sobre o “movimento”. Inclusive porque Carmen e sua filha não moravam na “ocupação”. Usavam o dinheiro dos moradores para alugar um imóvel na Bela Vista. Afinal, quem “luta por uma sociedade mais justa” merece um apartamento na Bela Vista ou um triplex no Guarujá.
O problema da falta de moradia digna é uma chaga social no Brasil, assim como em qualquer lugar do mundo subdesenvolvido. Mas não será ferindo o direito de propriedade através de ações truculentas que se resolverá o problema. Pelo contrário: a insegurança gerada pelo fantasma da “função social” da propriedade inibirá o investimento na construção de novas moradias, agravando o problema. Tenho certeza que o marido de D. Marisa concorda comigo.