Lições de macroeconomia

Nesses 3 tuítes, talvez tenhamos o conjunto da obra mais bem acabado dos equívocos mais comuns em macroeconomia, e que levam a políticas públicas desastrosas. Vejamos:

1) O governo NÃO TEM capacidade de definir o quanto arrecada. O tamanho da arrecadação depende de dois fatores: crescimento econômico e capacidade de aumentar carga tributária. O crescimento econômico não depende da vontade do governo (voltaremos a este ponto no item 2) e a capacidade de aumentar impostos existe mas só até certo ponto. Basta ver a imensa repulsa da sociedade brasileira, hoje, ao aumento de QUALQUER imposto. Portanto, assumir que o governo pode arrecadar o quanto quiser é uma premissa temerária, para dizer o mínimo.

2) Quando o governo gasta, está DESTRUINDO VALOR, não criando valor. Para gastar, o governo precisa arrecadar ou endividar-se. Ao fazer isso, está transferindo renda de uma parte da sociedade para a outra, com o pedágio da máquina governamental no meio. O resto é ilusão de ótica. Se o tal “multiplicador keynesiano” existisse, não existiria país pobre no mundo, era só o governo gastar como se não houvesse amanhã. Incentivos de curto prazo cobram o seu preço a longo prazo, não existe crescimento econômico “de graça”. Os anos Dilma deveriam servir como exemplo.

3) O governo emite títulos em sua própria moeda fiduciária, é verdade. Mas a moeda deixa de ser fiduciária (confiável) se o governo abusa desse poder. Não à toa, a moeda passa a ser um mero papel pintado em países que não respeitam regras macroeconômicas básicas.

4) O governo NÃO DEFINE as taxas de juros de sua dívida. Este talvez seja o erro mais primário de todo o raciocínio. A taxa de juros é definida pelo credor. Se este não quiser rolar a dívida por aquela taxa, vai sair do País. Existem efetivamente agentes econômicos que não têm essa prerrogativa, e são reféns da dívida pública. Mas mesmo estes vão preferir rolar sua dívida no overnight do que prefixar a uma taxa que considerem baixa demais. E nenhum governo consegue se sustentar rolando sua dívida no overnight, a não ser em ambientes hiperinflacionários. Mas ninguém quer hiperinflação, confere? A esse propósito, a Argentina acabou de dar calote na sua dívida emitida em sua própria moeda. A Rússia fez o mesmo em 1998. Por que? Onde estão os “financiadores na taxa determinada pelo governo”?

Acho que o denominador comum de todos esses erros está na confusão entre curto e longo prazo. O governo tem, de fato, capacidade de se endividar, criar dinheiro, criar impostos e estimular a economia no curto prazo. Mas essas coisas todas têm um custo, a ser pago no longo prazo. O problema é que um dia o longo prazo chega. E, como diria o conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

Econocoah

Quando alguém perde o emprego, imediatamente procura reduzir suas despesas, mesmo que o problema tenha sido de “queda de receita”. No entanto, há economistas que preconizam justamente o inverso. São os “econocoachs”. Sacada genial de Pedro Fernando Nery.

Cobrar? Não vai acontecer.

Cobrar a dívida do Rio? Não vai acontecer, né?

Ontem participei de uma apresentação sobre o mercado de “munis” nos EUA. Munis são títulos de dívida emitidos por entidades sub-nacionais (munis é o diminutivo de “municipals”). Trata-se de um mercado de trilhões de dólares. O município (ou o Estado) precisa de dinheiro pra fechar as contas? Emite munis, e quem for louco de querer financiar o município, compra o título. Se o município quebrar, azar do investidor. Obviamente, a taxa de juros cobrada não é a mesma da União, pois os municípios não podem imprimir seu próprio dinheiro para pagar a conta.

No Brasil, Estados e Municípios não podem emitir títulos de dívida. Suas dívidas são cobertas pelo caixa da União. Além dos precatórios e atrasos com fornecedores e funcionários públicos. Todos esses entes financiam os Estados e Municípios.

Permitir que o RJ ou qualquer outro Estado emitissem suas próprias dívidas significaria que os Estados deveriam fazer a lição de casa de verdade para merecer a confiança dos credores. Uma ideia para acabar de vez com esse problema da dívida dos Estados é a União absorvê-la toda e, a partir daí, cada um que se virasse para lidar com seu déficit.

Mas não vai acontecer. Primeiro, porque a arrecadação tributária (que é o que financia o pagamento da dívida) é uma barafunda sem tamanho. Mas esse não é o principal motivo.

O principal motivo é que estamos no Brasil, não na Alemanha. Esse negócio de que cada um agora vai cuidar da própria responsabilidade fiscal e nunca mais vai ter ajuda de ninguém é um negócio muito alemão. Nunca mais é muito tempo. Só corações duros vão conseguir fechar os olhos para as necessidades do povo sofrido que precisa daquele dinheiro. E aí, quando os Estados não conseguirem mais nenhum financiamento no mercado, os irmãos brasileiros não hão de faltar.

Agora, a União ameaça de verdade cobrar a dívida do RJ. Ou viramos a Alemanha, ou não vai acontecer, né?

Teto de gastos: uma explicação

A amiga Katia Izumida me pede para explicar o conceito de teto de gastos de maneira simples. Como essa deve ser uma dúvida de mais pessoas, afinal trata-se de um assunto muito técnico, vou tentar aqui.

Gosto de pensar no orçamento federal nos mesmos termos do orçamento doméstico. Afinal, é tudo dinheiro que entra e dinheiro que sai.

No nosso orçamento, uma grande parte é engessado. As despesas com escola, com o convênio de saúde, com o supermercado, com luz, água e gás, com aluguel ou prestação do apartamento, gastos com transporte, enfim, com as coisas essenciais, normalmente mexemos muito pouco, se é que mexemos.

Aí você tem uma outra categoria de gastos, que não são necessariamente menos essenciais, mas que podem ser adiados. Roupas, restaurantes, viagens. A gente pode adiar essas coisas, mas não muito. Quem aguenta ficar muito tempo sem uma roupa nova? Ou sem viajar ou se divertir de alguma maneira? São os falsos adiáveis, coisas com que um dia você vai precisar gastar.

O orçamento das pessoas, geralmente, é em grande parte formado pelo primeiro tipo de gasto, que são “incompressíveis”. Mais do que incompressíveis, eles se expandem no tempo. Queremos sempre algo melhor no supermercado, uma escola melhor para os filhos, um convênio melhor (na verdade, o preço do convênio aumenta sem ficar melhor rsrsrs).

Enquanto as receitas estão aumentando, tudo bem. O problema é quando param de aumentar ou cessam de uma vez por conta de uma demissão, por exemplo. Aí, os gastos “incompressíveis” vão tomando conta do orçamento e expulsando os gastos adiáveis. Só que tem uma hora que a coisa estoura! Como eu disse, é muito difícil ficar sem comprar uma roupa ou sem se divertir durante muito tempo.

O que fazemos com nosso orçamento, neste caso? Podemos, por exemplo, comprimir as despesas “incompressíveis”: compramos coisas mais baratas no supermercado, mudamos as crianças de escola, rebaixamos o convênio médico. Podemos também vender bens ou nos endividar. Claro que vender bens e endividar-se não resolve o problema, somente o adia. O problema somente será resolvido quando a receita for maior que a despesa.

O orçamento doméstico tem um teto de gastos natural, dado pela receita que temos. Mas isto é uma grande armadilha: aumentar as despesas acompanhando o aumento das receitas fará qualquer ajuste no futuro ser muito mais doloroso. A família se acostuma com um certo padrão de vida e, caso a receita caia abruptamente, a adaptação é muito difícil. O ideal é utilizar qualquer aumento de receita para fazer um pé-de-meia para um eventual tempo de vacas magras. Há duas vantagens nesta postura: a primeira é ter esta poupança. A segunda é viver com um padrão de vida um pouco menor do que a receita permitiria, o que torna uma eventual adaptação menos dolorida.

O governo caiu nessa armadilha com as quatro patas. Houve um aumento de receitas espetacular no grande ciclo das commodities (de 2003 a 2007). O que fez o governo, em todos os níveis? Aumentou despesas como se não houvesse amanhã. E quando falamos de governo, é bom lembrar que boa parte das despesas é “incompressível” por força de lei. Ou seja, os gastos “incompressíveis” são incompressíveis mesmo. Nada neste mundo consegue comprimi-los. Está escrito na lei e, para eliminar gastos incompressíveis é preciso mudar a lei. O resultado disso é que os gastos “adiáveis” são comprimidos até desaparecerem. Estes são os chamados “gastos discricionários”, aqueles para os quais não há uma lei forçando a mão do presidente. Para estes gastos, o executivo pode contingenciar, ou seja, deixar de gastar.

A lei do teto de gastos veio para tentar barrar o aumento desenfreado das despesas. Na verdade, é mais suave do que a lei que deveria existir e realmente resolveria o problema, que é gastar menos do que se arrecada. O governo está rodando com déficit! Em outras palavras, mesmo com o teto de gastos, a situação continua a se deteriorar! Este é o resultado de anos de aumento irresponsável de despesas.

O governo, assim como as famílias, pode vender bens (privatizar) ou se endividar para cobrir o rombo do orçamento. Mas a capacidade de se endividar termina quando os credores decidem que terminou. Isso não acontece da noite para o dia. No início, as taxas de juros cobradas sobem. Aos poucos, os credores dispostos a rolar a dívida vão diminuindo. Até que ocorre uma crise da dívida. Se você não sabe o que é isso, dê uma olhada na Argentina hoje.

Ao contrário do orçamento doméstico, os governos têm à mão a alternativa de imprimir o dinheiro com que pagam as suas dívidas e suas compras. Só que isso é uma ilusão: esse dinheiro sem lastro acaba perdendo o valor e, no final, não passa de papel pintado que ninguém quer. A isso chamamos de inflação.

Então, Katia, resumindo:
– O governo elevou despesas ao longo dos anos, com base em receitas crescentes. Quando as receitas caíram, descobrimos que as despesas são “incompressíveis”. Resultado: déficit nas contas e aumento da dívida.
– A lei do teto de gastos procura diminuir o ritmo de aumento das despesas. Trata-se de uma terapia suave, se comparado com o que deveria ser realmente feito, que é eliminar o déficit.
– A gritaria toda está nos gastos “adiáveis”, quando o problema real está nos gastos “incompressíveis”. Aí estão as vacas sagradas.

Isso tudo porque estamos falando somente do rombo primário, ou seja, sem considerar o pagamento de juros da dívida. A dívida acumulada por décadas de irresponsabilidade é tão gigantesca, que o pagamento dos juros é um capítulo à parte. E, mesmo que a dívida desaparecesse do dia para a noite (um calote, por exemplo), não teríamos nossos problemas resolvidos, pois ainda gastamos mais do que arrecadamos. Quem iria nos emprestar dinheiro para continuar a farra?

Arquitetura da escolha

Richard Thaler ganhou o Nobel de economia por seus estudos sobre o comportamento humano na tomada de decisões. Entre outras coisas, ele estudou o que se convencionou chamar de “arquitetura da escolha”.

Segundo essa teoria, o ser humano é livre, mas até certo ponto. As suas escolhas são condicionadas pela forma como os problemas lhe são apresentados. Um exemplo simples, muito utilizado pelas empresas de consumo, é a posição dos produtos nas prateleiras dos supermercados. A prateleira na altura dos olhos é disputada a tapa pelas diversas marcas. Todos sabem que o consumidor tende a escolher os produtos mais acessíveis.

O mesmo vale para a ingrata tarefa de largar vícios. A pessoa que procura largar o cigarro e a bebida sabe que não pode se aproximar de pessoas que fumam ou bebem, pelo menos no início de sua luta. Ele sabe que sua escolha é livre, mas só até certo ponto.

A arquitetura da escolha também pode nos levar a gastar mais ou menos. Mudar-se para um bairro mais rico nos fará gastar mais com serviços inexoravelmente. Forçar uma economia aqui funciona até certo ponto, mas acaba cansando. A escolha pelo bairro mais rico acaba condicionando as escolhas subsequentes.

O que estamos presenciando no momento, no debate sobre o teto de gastos, é o choque entre duas arquiteturas da escolha. A primeira é muito antiga, e se chama “direitos adquiridos”. São intocáveis, abrigados que estão sob o manto do “Estado Democrático de Direito”, sucedâneo republicano das “Ordenações do Reino”. Os gastos do Estado estão condicionados por essa escolha ancestral.

A segunda arquitetura da escolha é o Teto de Gastos. É muito mais recente, um bicho estranho no modus operandi do Estado brasileiro. Foi uma ideia simples e genial, que chamei aqui de Plano Real dos gastos públicos.

Ocorre que, a exemplo de outras ideias igualmente simples e geniais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, entra em choque com a única arquitetura da escolha que realmente funciona no Brasil. Adivinha qual irá prevalecer.

Moto-perpétuo fiscal

Ah, que saudades do “moto-perpétuo fiscal”!

Se todo estímulo fiscal gerasse a sua própria arrecadação, não existiria país pobre no mundo!

E dizer que tivemos esse tipo de raciocínio durante anos por aqui tratado como política econômica séria…

Vendendo o almoço para pagar a janta

A proposta do nobre deputado é equivalente a sugerir que uma família que vive acima de suas posses venda os seus imóveis para pagar a conta do supermercado. Você até sobrevive, mas daqui a poucos anos o problema reaparecerá ainda pior.

Não há atalhos para as famílias, empresas ou países que gastam mais do que ganham.

Temos espaço para enganar, mas não por muito tempo

Lara Rezende volta a atacar.

Estamos rodando déficit primário de quase 2% do PIB há 5 anos e André Lara vê “austeridade fiscal”.

Interessante que, neste artigo, Lara Rezende faz a ligação entre austeridade fiscal e ascensão de regimes populistas. O curioso é que os países citados (Polônia, Turquia, Venezuela (!), EUA (!!)) não passaram por nada parecido com o que a Grécia fez, seja porque suas contas já estavam relativamente em ordem, seja porque, como no caso da Venezuela, o receituário adotado foi exatamente o prescrito por Lara Rezende. A Grécia, curiosamente, não é citada no grupo, pelo contrário: seu governo, de esquerda, é citado elogiosamente.

Mas o que mais me chamou a atenção foram os trechos abaixo. Foi realizado um referendo que deu como resultado (surpresa!) a rejeição da austeridade fiscal. Mas os maldosos tecnocratas não deixaram a Grécia realizar a “vontade do povo”, e o país não teve outra saída a não ser jogar a vontade do povo no lixo e obedecer os tecnocratas.

Que poder é esse que têm os tecnocratas, que conseguem passar por cima da “vontade do povo”? No caso da Grécia chama-se Euro. A conta a ser paga pelos gregos para adotar menos austeridade fiscal era sair da zona do Euro e voltar a adotar a velha moeda do país, o dracma. O resultado disso seria uma moeda desvalorizada e dívidas denominadas em Euro, que seriam, obviamente, objeto de calote. Como consequência do óbvio fechamento do mercado de capitais para o país, as únicas alternativas viáveis seriam um brutal ajuste fiscal de curto prazo para equilibrar as contas (uma vez que fazer novas dívidas não estaria entre as opções viáveis) ou rodar a maquininha de dracmas loucamente, com os efeitos inflacionários conhecidos.

Os membros do Syriza sabiam de tudo disso e ESCOLHERAM por permanecer no Euro. A permanência no Euro não foi uma imposição dos tecnocratas, mas da realidade. Obviamente, os tecnocratas fizeram o máximo para que a Grécia permanecesse na moeda única, injetando recursos e renegociando a dívida, pois a saída do Euro teria um impacto negativo também para a moeda única. Mas a porta sempre esteve aberta.

Vamos agora ao caso do Brasil. O País não está atrelado a nenhuma moeda única, não existem tecnocratas estrangeiros ditando o que temos que fazer. Então, pergunta-se Lara Rezende, o que nos impede de descartar essa “austeridade suicida”?

Eu respondo: o mesmo que fez a Grécia ficar na zona do Euro. Estar atrelado a uma moeda estável é apenas o modo de explicitar o compromisso de que todas as suas dívidas serão pagas algum dia, e de que o país não vai rodar a maquininha de papel colorido que alguns insistem em chamar de moeda.

O Brasil não está atrelado a uma moeda forte, mas os efeitos de não se adotar austeridade fiscal seriam os mesmos que a saída de uma moeda única. Com um déficit crescente, o calote da dívida entraria no radar dos investidores, que encurtariam os prazos e, no limite, deixariam de financia-la. Assim, seria necessário um ajuste fiscal ainda mais brutal para zerar o déficit primário (pois tomar novas dívidas já não seria uma opção), ou rodar a maquininha, com os efeitos inflacionários conhecidos. Exatamente os mesmo efeitos de sair de um padrão monetário estável.

Mas, digamos que Lara Rezende esteja correto em seu modelo de MMT: os agentes sabem que o governo não dá calote em sua dívida denominada em moeda local, e continuam financiando sem problemas o governo. Qual seria o efeito de déficits e dívida crescentes? Mais dinheiro vai da iniciativa privada para o governo, com sua notória incapacidade de investir bem os recursos. Repito: déficits crescentes significam transferência de recursos da iniciativa privada para o governo. Isso é bom?

Não, nós não estamos vivendo um regime de “austeridade fiscal”. Ou melhor, estamos apenas da boca para fora. Temos um déficit de quase 2% do PIB e que não está diminuindo. Estamos adotando o mesmo receituário de Macri, na Argentina: um ajuste bem, mas bem, gradual. Funciona no início, pois os agentes acreditam nas promessas. Depois de algum tempo, no entanto, percebem o engodo, e voltam a precificar um calote e/ou a inflação sobe. A Grécia não teve essa alternativa, porque os tecnocratas (leia-se Alemanha) não deixaram. Aqui, temos espaço para enganar. Mas não por muito tempo.

Regra de ouro

A chamada “regra de ouro” determina que o governo não pode emitir dívida para pagar despesas correntes. Somente pode assumir novas dívidas para investimentos e pagamento de juros das dívidas atuais.

Comparando-se com uma família, é o mesmo que dizer que a família não pode tomar empréstimos para pagar comida, roupa e escola. Só pode assumir novas dívidas para comprar casa ou para pagar os juros das dívidas atuais.

Trata-se de uma regra prudencial. Imagine uma família que não consegue pagar comida, roupas, escola, saúde com o seu próprio salário, e precisa tomar empréstimos. Está claro que é uma questão de tempo para esta família quebrar. Mais cedo ou mais tarde, vai precisar apertar os cintos. Com um agravante: os gastos com os juros da dívida tornarão a tarefa muito mais difícil.

Chegou a hora dolorosa da família Brasil apertar os cintos. Todos os que dependem do Estado para a sua sobrevivência (educação pública, saúde pública, subsídios, aposentadorias, funcionários públicos), todos serão cortados. Não há alternativa para esta família.

Há os que dizem que comparar um país com uma família não é totalmente adequado, pois um país pode emitir seu próprio dinheiro, seja via emissão de novas dívidas, seja impressão de papel moeda mesmo. Só que não.

Imagine que não existisse a “regra de ouro”. Assim, o Tesouro poderia emitir dívida quanto quisesse, mesmo que fosse para pagar escolas, saúde e aposentadorias. Faltaria combinar com os russos que financiam a dívida. Estes precisam confiar que a dívida eventualmente será paga sem precisar lançar mão da emissão de moeda. Claro, podemos acreditar que os credores estarão sempre dispostos a rolar as dívidas, bastando, para isso, pagar uma taxa de juros compatível com o risco. Obviamente, esta taxa de juros será crescente, na medida em que o risco aumenta.

O Japão parece desmentir a tese acima. Com mais de 250% do PIB em dívida doméstica, o Japão paga taxa de juros próxima de zero para os seus credores. Existe, no entanto, uma diferença fundamental: a poupança japonesa é gigantesca, enquanto a poupança brasileira é bem ridícula. Assim, faltariam financiadores locais (que o Japão tem de monte), e precisaríamos de financiadores estrangeiros. Que podem não acreditar que o governo não vai dar calote na dívida. Se nem os locais acreditam…

Voltando ao leito. Só existem duas alternativas à austeridade: calote ou inflação, o que vem a dar no mesmo. Não, não existe a alternativa de uma infinita paciência dos credores a juros módicos.

A necessidade de que o Congresso aprove verba suplementar de R$250 bi (na verdade, permissão para aumentar a dívida nesse montante) para pagar despesas básicas é apenas o primeiro sinal de que realmente acabou o dinheiro do governo. A coisa só vai piorar.